SUS cria serviço para presos com transtornos mentais e define prazo de 30 dias para laudo. Presídios, como os do Complexo de Pedrinhas, têm longa fila de espera por parecer psiquiátrico
VINICIUS SASSINE
O GLOBO
Atualizado:15/01/14 - 14h25
Presos no Hospital Psiquiátrico Valter Alencar André Coelho / O Globo
BRASÍLIA - O governo brasileiro finalmente criou um serviço especializado no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) para atender presos com transtornos mentais, detidos ilegalmente em presídios, cadeias públicas e hospitais de custódia. Uma portaria assinada pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e publicada no “Diário Oficial” desta quarta-feira, instituiu o serviço, que prevê a criação nos estados de um grupo formado por médico psiquiatra, psicólogo, enfermeiro, assistente social e terapeuta ocupacional para avaliar a situação dos detentos com transtornos.
A avaliação dos chamados incidentes de insanidade mental passa a ser tratada em caráter de “urgência”, conforme a portaria, e não pode exceder a 30 dias. É uma forma de encurtar uma longa fila de espera nos presídios e hospitais de custódia e evitar o cárcere ilegal.
A medida do Ministério da Saúde pretende diminuir a quantidade de brasileiros que, mesmo com absolvição da Justiça, continuam detidos em presídios em razão dos transtornos mentais. Eles cumprem medidas de segurança aplicadas pelos juízes. Essas medidas pressupõem atendimento psiquiátrico e internações, se for o caso, em instituições de saúde. Não é o que ocorre na prática na grande maioria dos estados.
A portaria do ministério cria a Equipe de Avaliação e Acompanhamento das Medidas Terapêuticas Aplicáveis à Pessoa com Transtorno Mental em Conflito com a Lei (EAP). Entre as funções dessa equipe está “contribuir para a realização da desinternação progressiva de pessoas que cumprem medida de segurança em instituições penais ou hospitalares”, segundo a portaria.
Série especial abordou ilegalidade de prisões
O GLOBO denunciou em série de reportagens publicada em fevereiro de 2013 a prisão ilegal de pelo menos 800 detentos com transtornos mentais, que cumprem pena em presídios apesar da absolvição pela Justiça e da aplicação das medidas de segurança. O levantamento inédito mostrou também que 1,7 mil brasileiros acusados de diferentes crimes já tiveram indicativo da Justiça de que podem ter transtornos mentais. Enquanto o laudo psiquiátrico não é elaborado, eles permanecem em presídios e cadeias públicas, numa espera que pode durar mais de um ano.
Entre as realidades reveladas pelo jornal em fevereiro do ano passado, está a dos detentos do complexo de Pedrinhas, em São Luís, que passa por uma crise sem precedentes em razão da grande quantidade de mortes atrás das grades. A presença dos loucos infratores nos presídios agrava a situação.
No último relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que denunciou a realidade de Pedrinhas, de dezembro de 2013, a situação de presos com transtornos mentais foi mencionada como fator de preocupação. Um grupo de 14 detentos, que estava internado num hospital público na capital do Maranhão, foi devolvido para Pedrinhas e ocupa uma cela próxima a um espaço onde houve decapitação de presos.
As reportagens veiculadas em fevereiro revelaram ainda situações de tortura em hospitais de custódia, presos com transtornos misturados com detentos comuns e a ausência do SUS nos presídios brasileiros. Apenas 38% da população carcerária brasileira recebe atendimento primário financiado pela União. O atendimento em saúde mental é ainda mais baixo, pela ausência de psiquiatras nas equipes.
Governo criou equipe após denúncias
Depois da publicação da série, o governo anunciou a composição de uma equipe interministerial para discutir a denúncia do jornal. O grupo foi formado por técnicos e secretários do Ministério da Saúde, do Ministério da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos vinculada à Presidência da República. As discussões já ocorriam há três anos. Com a publicação das reportagens, o Ministério da Saúde assegurou recursos no Orçamento para a criação de serviços especializados de atendimento aos presos com transtornos mentais.
A garantia do dinheiro ocorreu a partir de março de 2013, quando a elaboração de uma portaria ganhou mais força no grupo interministerial. Para este ano, a partir da publicação da portaria, estão previstos R$ 10 milhões ao financiamento das equipes nos estados.
Cada equipe de profissionais poderá contar com R$ 66 mil mensais para financiar o psiquiatra, o psicólogo, o enfermeiro, o assistente social e o terapeuta ocupacional (ou um educador ou sociólogo). A gestão caberá às Secretarias Estaduais de Saúde ou mesmo aos Municípios interessados, que precisam aderir ao serviço e apresentar uma proposta ao Ministério da Saúde.
As equipes profissionais não atenderão apenas os presos que já cumprem medidas de segurança. O objetivo é diminuir a fila de detentos à espera de um laudo psiquiátrico e, por isso, a portaria prevê que também devem ser atendidos aqueles detidos que ainda respondem a um inquérito policial; com incidente de insanidade mental instaurado e em prisão provisória; em liberdade condicional; ou egressos do cumprimento da medida de segurança.
A portaria prevê uma ação conjunta com a Defensoria Pública, o Ministério Público, a Justiça e as administrações estaduais do sistema penitenciário, de forma a evitar as prisões ilegais. A carga horária mínima da equipe multiprofissional será de 30 horas semanais.
Atualizado:15/01/14 - 14h25
Presos no Hospital Psiquiátrico Valter Alencar André Coelho / O Globo
BRASÍLIA - O governo brasileiro finalmente criou um serviço especializado no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) para atender presos com transtornos mentais, detidos ilegalmente em presídios, cadeias públicas e hospitais de custódia. Uma portaria assinada pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e publicada no “Diário Oficial” desta quarta-feira, instituiu o serviço, que prevê a criação nos estados de um grupo formado por médico psiquiatra, psicólogo, enfermeiro, assistente social e terapeuta ocupacional para avaliar a situação dos detentos com transtornos.
A avaliação dos chamados incidentes de insanidade mental passa a ser tratada em caráter de “urgência”, conforme a portaria, e não pode exceder a 30 dias. É uma forma de encurtar uma longa fila de espera nos presídios e hospitais de custódia e evitar o cárcere ilegal.
A medida do Ministério da Saúde pretende diminuir a quantidade de brasileiros que, mesmo com absolvição da Justiça, continuam detidos em presídios em razão dos transtornos mentais. Eles cumprem medidas de segurança aplicadas pelos juízes. Essas medidas pressupõem atendimento psiquiátrico e internações, se for o caso, em instituições de saúde. Não é o que ocorre na prática na grande maioria dos estados.
A portaria do ministério cria a Equipe de Avaliação e Acompanhamento das Medidas Terapêuticas Aplicáveis à Pessoa com Transtorno Mental em Conflito com a Lei (EAP). Entre as funções dessa equipe está “contribuir para a realização da desinternação progressiva de pessoas que cumprem medida de segurança em instituições penais ou hospitalares”, segundo a portaria.
Série especial abordou ilegalidade de prisões
O GLOBO denunciou em série de reportagens publicada em fevereiro de 2013 a prisão ilegal de pelo menos 800 detentos com transtornos mentais, que cumprem pena em presídios apesar da absolvição pela Justiça e da aplicação das medidas de segurança. O levantamento inédito mostrou também que 1,7 mil brasileiros acusados de diferentes crimes já tiveram indicativo da Justiça de que podem ter transtornos mentais. Enquanto o laudo psiquiátrico não é elaborado, eles permanecem em presídios e cadeias públicas, numa espera que pode durar mais de um ano.
Entre as realidades reveladas pelo jornal em fevereiro do ano passado, está a dos detentos do complexo de Pedrinhas, em São Luís, que passa por uma crise sem precedentes em razão da grande quantidade de mortes atrás das grades. A presença dos loucos infratores nos presídios agrava a situação.
No último relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que denunciou a realidade de Pedrinhas, de dezembro de 2013, a situação de presos com transtornos mentais foi mencionada como fator de preocupação. Um grupo de 14 detentos, que estava internado num hospital público na capital do Maranhão, foi devolvido para Pedrinhas e ocupa uma cela próxima a um espaço onde houve decapitação de presos.
As reportagens veiculadas em fevereiro revelaram ainda situações de tortura em hospitais de custódia, presos com transtornos misturados com detentos comuns e a ausência do SUS nos presídios brasileiros. Apenas 38% da população carcerária brasileira recebe atendimento primário financiado pela União. O atendimento em saúde mental é ainda mais baixo, pela ausência de psiquiatras nas equipes.
Governo criou equipe após denúncias
Depois da publicação da série, o governo anunciou a composição de uma equipe interministerial para discutir a denúncia do jornal. O grupo foi formado por técnicos e secretários do Ministério da Saúde, do Ministério da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos vinculada à Presidência da República. As discussões já ocorriam há três anos. Com a publicação das reportagens, o Ministério da Saúde assegurou recursos no Orçamento para a criação de serviços especializados de atendimento aos presos com transtornos mentais.
A garantia do dinheiro ocorreu a partir de março de 2013, quando a elaboração de uma portaria ganhou mais força no grupo interministerial. Para este ano, a partir da publicação da portaria, estão previstos R$ 10 milhões ao financiamento das equipes nos estados.
Cada equipe de profissionais poderá contar com R$ 66 mil mensais para financiar o psiquiatra, o psicólogo, o enfermeiro, o assistente social e o terapeuta ocupacional (ou um educador ou sociólogo). A gestão caberá às Secretarias Estaduais de Saúde ou mesmo aos Municípios interessados, que precisam aderir ao serviço e apresentar uma proposta ao Ministério da Saúde.
As equipes profissionais não atenderão apenas os presos que já cumprem medidas de segurança. O objetivo é diminuir a fila de detentos à espera de um laudo psiquiátrico e, por isso, a portaria prevê que também devem ser atendidos aqueles detidos que ainda respondem a um inquérito policial; com incidente de insanidade mental instaurado e em prisão provisória; em liberdade condicional; ou egressos do cumprimento da medida de segurança.
A portaria prevê uma ação conjunta com a Defensoria Pública, o Ministério Público, a Justiça e as administrações estaduais do sistema penitenciário, de forma a evitar as prisões ilegais. A carga horária mínima da equipe multiprofissional será de 30 horas semanais.
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