Loucura atrás das grades: até programas-modelo falham no atendimento. Em Minas e em goiás, projetos não acabam com filas de espera por tratamento psiquiátrico nem com a prisão de doentes mentais
VINICIUS SASSINE
O GLOBO
Atualizado:19/02/13 - 22h50
Presos na Penitenciária Odenir Guimarães André Coelho / Agência O Globo
BRASÍLIA — Os programas que mais se aproximam dos parâmetros preconizados para o tratamento de loucos infratores contêm falhas e um alcance restrito, o que vem impedindo a retirada completa dessas pessoas de presídios e manicômios judiciários. A existência dos projetos em Minas Gerais e em Goiás não conseguiu eliminar filas de espera por atendimento psiquiátrico nem acabar com a realidade de pessoas com transtornos mentais no cárcere nos dois estados, uma regra nos quatro cantos do país, como O GLOBO vem mostrando em série de reportagens publicadas desde domingo.
Considerados modelos no país e as únicas iniciativas aceitáveis na aplicação de medidas de segurança, o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário (PAI-PJ), em Minas, e o Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili), em Goiás, se aproximam do que prevê a Lei Antimanicomial, de 2001: “a internação só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”. Na prática, o PAI-PJ e o Paili acompanham com regularidade a aplicação de medidas de segurança, estipuladas pela Justiça para acusados diagnosticados com transtornos mentais. Os loucos infratores são inseridos em serviços públicos de saúde, como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e clínicas psiquiátricas. O objetivo é o de internação e prisão mínimas.
O programa em Minas é vinculado ao Tribunal de Justiça, em auxílio direto aos juízes criminais. Existe como projeto em Belo Horizonte desde 2000 — foi pioneiro no país — e somente em 2010 passou a contemplar casos em cidades do interior do estado. Juízes ouvidos pelo GLOBO que participam de mutirões no país para acompanhar o cumprimento de medidas de segurança afirmam que “a estrutura do PAI-PJ é muito precária, tirando Belo Horizonte”.
— Em Minas, não há a celeridade que dizem ter. Os programas de acompanhamento processual são primários — diz um magistrado.
Mesmo com a existência do programa, três manicômios judiciários continuam em pleno funcionamento em Minas, um deles entre os mais antigos do país: o Hospital Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz, em Barbacena, aberto desde 1929. As três unidades abrigam 300 pessoas. Uma peculiaridade do Hospital de Barbacena é a grande quantidade de pacientes idosos, internados há décadas na unidade.
— Desde 2000, o PAI-PJ fez diminuir a porta de entrada em Barbacena, mas ainda há uma lista de espera para manicômios no estado inteiro. Já houve diversos casos de saída dos manicômios e inclusão no programa — afirma Fabrício Ribeiro, psicólogo que atua no PAI-PJ.
O Paili não é diretamente vinculado à Justiça em Goiás, mas à Secretaria de Saúde do estado. Funciona desde 2006, inspirado no projeto de Minas. O programa atende hoje 243 pessoas e outras 55 já tiveram a medida de segurança extinta pela Justiça após o tratamento psiquiátrico. O foco principal do Paili é a capital goiana. No interior do estado, loucos infratores cumprem medidas de segurança em cadeias públicas em péssimas condições, conforme denúncias encaminhadas ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em Goiânia esta também é uma realidade, como já mostrado na série de reportagens. Os gestores do programa informam que 15 dos 243 pacientes em tratamento estão presos. Há uma lista de espera para inclusão no projeto.
— Muitas vezes um novo delito é cometido porque a doença não é tratada. O índice de reincidência em crimes entre os pacientes do Paili é baixo, inferior a 10%, a maior parte por conta de usuários de drogas e psicopatas — diz Cláudia Loureiro, psicóloga do programa.
Um anteprojeto de lei elaborado por técnicos de diferentes ministérios, entre eles o da Justiça e o da Saúde, prevê expressamente que pessoas com transtornos mentais não poderão ser mantidas em prisões e que a periculosidade não deve ser determinante para o afastamento do convívio social. O tempo de uma medida de segurança, conforme o projeto discutido, não deve ultrapassar o tempo de pena estipulado para o crime equivalente. O grupo de trabalho quer que o Código Penal faça as mesmas previsões da Lei Antimanicomial.
Os projetos de lei sobre o assunto que tramitam no Congresso não estão alinhados com a Lei Antimanicomial, segundo entendimento da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, da Procuradoria Geral da República (PGR). Já o novo Código Penal em discussão no Senado prevê a continuidade da reclusão de pessoas em medida de segurança mesmo após a cessação da periculosidade, na esfera cível. A proposta encontra resistência no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Atualizado:19/02/13 - 22h50
Presos na Penitenciária Odenir Guimarães André Coelho / Agência O Globo
BRASÍLIA — Os programas que mais se aproximam dos parâmetros preconizados para o tratamento de loucos infratores contêm falhas e um alcance restrito, o que vem impedindo a retirada completa dessas pessoas de presídios e manicômios judiciários. A existência dos projetos em Minas Gerais e em Goiás não conseguiu eliminar filas de espera por atendimento psiquiátrico nem acabar com a realidade de pessoas com transtornos mentais no cárcere nos dois estados, uma regra nos quatro cantos do país, como O GLOBO vem mostrando em série de reportagens publicadas desde domingo.
Considerados modelos no país e as únicas iniciativas aceitáveis na aplicação de medidas de segurança, o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário (PAI-PJ), em Minas, e o Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili), em Goiás, se aproximam do que prevê a Lei Antimanicomial, de 2001: “a internação só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”. Na prática, o PAI-PJ e o Paili acompanham com regularidade a aplicação de medidas de segurança, estipuladas pela Justiça para acusados diagnosticados com transtornos mentais. Os loucos infratores são inseridos em serviços públicos de saúde, como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e clínicas psiquiátricas. O objetivo é o de internação e prisão mínimas.
O programa em Minas é vinculado ao Tribunal de Justiça, em auxílio direto aos juízes criminais. Existe como projeto em Belo Horizonte desde 2000 — foi pioneiro no país — e somente em 2010 passou a contemplar casos em cidades do interior do estado. Juízes ouvidos pelo GLOBO que participam de mutirões no país para acompanhar o cumprimento de medidas de segurança afirmam que “a estrutura do PAI-PJ é muito precária, tirando Belo Horizonte”.
— Em Minas, não há a celeridade que dizem ter. Os programas de acompanhamento processual são primários — diz um magistrado.
Mesmo com a existência do programa, três manicômios judiciários continuam em pleno funcionamento em Minas, um deles entre os mais antigos do país: o Hospital Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz, em Barbacena, aberto desde 1929. As três unidades abrigam 300 pessoas. Uma peculiaridade do Hospital de Barbacena é a grande quantidade de pacientes idosos, internados há décadas na unidade.
— Desde 2000, o PAI-PJ fez diminuir a porta de entrada em Barbacena, mas ainda há uma lista de espera para manicômios no estado inteiro. Já houve diversos casos de saída dos manicômios e inclusão no programa — afirma Fabrício Ribeiro, psicólogo que atua no PAI-PJ.
O Paili não é diretamente vinculado à Justiça em Goiás, mas à Secretaria de Saúde do estado. Funciona desde 2006, inspirado no projeto de Minas. O programa atende hoje 243 pessoas e outras 55 já tiveram a medida de segurança extinta pela Justiça após o tratamento psiquiátrico. O foco principal do Paili é a capital goiana. No interior do estado, loucos infratores cumprem medidas de segurança em cadeias públicas em péssimas condições, conforme denúncias encaminhadas ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em Goiânia esta também é uma realidade, como já mostrado na série de reportagens. Os gestores do programa informam que 15 dos 243 pacientes em tratamento estão presos. Há uma lista de espera para inclusão no projeto.
— Muitas vezes um novo delito é cometido porque a doença não é tratada. O índice de reincidência em crimes entre os pacientes do Paili é baixo, inferior a 10%, a maior parte por conta de usuários de drogas e psicopatas — diz Cláudia Loureiro, psicóloga do programa.
Um anteprojeto de lei elaborado por técnicos de diferentes ministérios, entre eles o da Justiça e o da Saúde, prevê expressamente que pessoas com transtornos mentais não poderão ser mantidas em prisões e que a periculosidade não deve ser determinante para o afastamento do convívio social. O tempo de uma medida de segurança, conforme o projeto discutido, não deve ultrapassar o tempo de pena estipulado para o crime equivalente. O grupo de trabalho quer que o Código Penal faça as mesmas previsões da Lei Antimanicomial.
Os projetos de lei sobre o assunto que tramitam no Congresso não estão alinhados com a Lei Antimanicomial, segundo entendimento da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, da Procuradoria Geral da República (PGR). Já o novo Código Penal em discussão no Senado prevê a continuidade da reclusão de pessoas em medida de segurança mesmo após a cessação da periculosidade, na esfera cível. A proposta encontra resistência no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
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