quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

PEDRINHAS E LOUCURAS ALHEIAS

FOLHA.COM 16/01/2014 03h05


CLÓVIS ROSSI


Todos os acontecimentos relacionados direta ou indiretamente ao presídio maranhense de Pedrinhas são só a mais recente, talvez a mais gritante, evidência de que o Brasil está perdendo (ou já perdeu) o controle sobre a segurança pública.

É mais justo dizer que em toda a América Latina a situação está escapando ou já escapou do controle, do que dá prova o fato de se tratar do subcontinente mais violento do mundo. Prova-o também o fato de que o descontrole leva a loucuras.

Examinemos duas. Primeiro, El Salvador, que se encaixa na situação de Pedrinhas: para evitar que as quadrilhas organizadas (lá chamadas "maras") continuassem se matando como o fazem os presos do Maranhão, o governo intermediou uma trégua, em março de 2012, com o aval de ninguém menos que a Organização dos Estados Americanos.

Em troca de melhores condições carcerárias (o que os presos de Pedrinhas também cobram), os líderes das bandas se comprometeram a diminuir o morticínio.

Um mês depois da trégua, comemorou o então ministro da Justiça e Segurança Pública, David Munguía Payés: "Os homicídios diminuíram 50%. El Salvador era conhecido como o segundo país mais violento do mundo, com 14 homicídios por dia. Isso agora faz parte do passado."

Se fosse verdade, seria o caso de recomendar o modelo salvadorenho ao menos para o Maranhão, se não para todos os Estados em que há guerra entre quadrilhas.

Pena que não seja verdade: os homicídios de fato caíram, de 2.510 em 2012 para 2.391 em 2013, queda de 4,7%. Além de ser uma redução microscópica para um país tão violento, aumentou enormemente o desaparecimento de pessoas (de 545 para 1.070, ou mais 96,3%, sempre na comparação 12/13). Parece lógico supor que boa parte dos desaparecimentos são na verdade mortes cujas vítimas não apareceram.

Detalhe relevante: os outros crimes continuaram, a ponto de 92,7% dos salvadorenhos terem sido vítimas de algum tipo de roubo ou extorsão, conforme disseram em pesquisa recente. No Maranhão, se chegaria a essa porcentagem?

Logo, dar aos exércitos da criminalidade a condição de interlocutores válidos do Estado não resolve nada.

Essa convicção parece estar na raiz do outro caso de loucura, o do México, em que, cansados da impotência do Estado ante o narcotráfico, grupos do Estado de Michoacán criaram forças de autodefesa que estão atacando os criminosos.

Não duvido que muitos brasileiros, também cansados da violência e do fracasso do Estado em combatê-la, apoiariam esses "vigilantes", que até existem em vários Estados, mas na clandestinidade e sem líderes visíveis, ao contrário do México.

Neste momento, está em curso uma tentativa do Exército mexicano de desarmar as autodefesas. Afinal, ceder a particulares o monopólio das armas que deveria ser do Estado é jogo altamente arriscado.

Tudo somado, seria conveniente que o poder público brasileiro agisse com determinação, para evitar que proliferem iniciativas alucinadas como as de El Salvador e México. Já passou da hora.

crossi@uol.com.br



Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo" e "O Que é Jornalismo". Escreve às terças, quintas e domingos na versão impressa de "Mundo" e às sextas no site.

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