segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

SUPERLOTAÇÃO, CELULARES, DROGAS E CADERNO DE CONTABILIDADE.

G1, REDE GLOBO, FANTÁSTICO, 12/01/2014 23h07

Imagens exclusivas mostram vistoria no presídio de Pedrinhas, no MA

Além das armas, os policiais encontraram celulares, drogas e até caderno de contabilidade dos criminosos. Superlotação chama a atenção no presídio.





A morte da menina Ana Clara comoveu o país e chamou a atenção para a extrema violência que toma conta dos presídios no Maranhão. O Governo Federal esteve em São Luis esta semana e anunciou medidas para ajudar na crise.

Uma crise que, segundo os especialistas, ia mesmo acontecer, mais cedo ou mais tarde. Veja na reportagem de Evandro Siqueira, Wilson Araújo e Alex Barbosa.

Facas de todos os formatos e tamanhos. Essas eram algumas das armas usadas pelas facções criminosas para controlar o presídio de Pedrinhas.

As imagens, obtidas com exclusividade pelo Fantástico, são de uma vistoria feita em 31 de dezembro de 2013. A repressão policial, com a participação da Tropa de Choque e a Força Nacional, começou depois de uma série de mortes dentro dos presídios.

Além das armas, os policiais encontraram celulares, drogas e até caderno de contabilidade dos criminosos.

Três dias depois da inspeção, uma conversa telefônica mostra a revolta de Wallison dos Santos, chefe de uma das facções, com a repressão policial.

“O choque hoje invadiu aqui, levou uma 380 nossa, tá ligado? Levaram vento, televisão, fogão”, diz Wallinson.

De dentro da cadeia, ele orienta Hilton John Alves Araújo, conhecido como Praguinha, que é foragido da polícia.

Wallinson: Nós tamo dando um alô geral, pra todo mundo se organizar. Quando der mais tarde, rolar aqueles ataques novamente pra cima deles. É ônibus, é polícia, é bombeiro, é tudinho, entendeu? Tá ligado?
Praguinha: Eu tô.

Em uma mensagem de celular a ordem é incendiar. "Tem que botar pra queimar ônibus e atacar os vermes, vê aí a casa do Vermão do Ivaldo e dá ataque soviético lá também".

Ivaldo é o comandante da Tropa de Choque da Polícia Militar. A casa dele não foi queimada, mas no dia seguinte, 04 de janeiro, vários tiros atingiram duas delegacias, um posto de polícia e quatro ônibus foram incendiados.

Cinco pessoas ficaram feridas. “Não dá pra comentar, entendeu, a minha filha naquele estado assim sem saber o que estava acontecendo com ela. O corpo em chamas”, conta Anderson de Souza, pai da Ana Clara.

Anderson é pai de Ana Clara, a menina de seis anos que estava voltando para casa com a mãe e a irmã mais nova quando o fogo começou. Ela teve 98% do corpo queimado e não resistiu.

“É uma coisa que eu jamais pensei que ia acontecer na minha família. Às vezes eu ligava a televisão, ficava vendo o noticiário, as crueldades que acontecem, a gente muda de canal. Ficar vendo sofrimento? A gente pensa que isso nunca vai acontecer com a gente”, conta Anderson de Souza, pai de Ana Clara.

A mãe de Ana Clara teve 50% do corpo queimado. Ela foi transferida para um hospital de Brasília. O estado de saúde dela é grave, mas estável. A irmã já está fora de perigo.

Uma história que fez com que o país inteiro prestasse atenção na penitenciária de Pedrinhas. Mas que lugar é esse?

O Complexo Penitenciário de Pedrinhas é uma prisão estadual formada por oito unidades: o Presídio Feminino, a Penitenciária de Pedrinhas, a Casa de Detenção, o Centro de Custódia, o Presídio São Luis I e II, o Centro de Detenção provisória e a triagem.

A superlotação é um dos maiores problemas. São abrigados 2.196 presos – 23% a mais do que a capacidade de 1.700 detentos. Para os especialistas, uma verdadeira panela de pressão. Rebeliões e mortes violentas, inclusive com decapitações, são registradas. E não é de hoje.

“O que mais chama a atenção é superlotação. Isso vai de espaços que cabem determinado número de pessoas e têm o dobro ou triplo”, afirma Gervásio Santos, presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão.

Em 2001, a confusão começou depois que 03 detentos foram mortos na penitenciária. Em 2010, uma rebelião de quase 30 horas no presídio São Luís acabou com 18 mortos, três decapitados.

Em outubro do ano passado, nove presos foram mortos e 30 ficaram feridos. A Casa de Detenção ficou destruída e os presos tiveram que ficar em tendas improvisadas no pátio.

Em dezembro de 2013, um motim no centro de detenção provisória acabou com quatro mortos, três deles foram decapitados.

“De outubro para cá a situação se agravou bastante e isso dá pela formação das facções criminosas. Mas, o que é preciso lembrar é de que essas facções criminosas tiveram facilitada a sua formação pelo processo de superlotação e concentração de presos na capital”, explica Gervásio Santos, presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão.

Esta semana, o Fantástico entrou no complexo com a Comissão de Direitos Humanos. Em conversa com nosso produtor no centro de triagem, um preso explica como se dá a atuação das facções.

Fantástico: Quem não faz parte de algum tipo de facção sofre algum tipo de pressão aqui dentro?
Preso: Direto, direto.
Fantástico: Que tipo?
Preso: Rapaz, até mesmo pra assinar papel, ou joga com eles ou morre.

Papel é o estatuto que cada uma das facções criou para determinar regras de conduta e lealdade ao crime.

Preso: Tem um estatuto, um livro que eles assinam. Olha e se não fizer mata família, mata parente, mata inocente, é o que tá acontecendo aí.
Fantástico: Aí todo mundo acaba entrando em uma facção?
Preso: Tem que entrar forçado.

Desde 2007, Pedrinhas já registrou a morte de 171 presos. Só em 2013, foram 60 mortos, 169 fugas.

“Hoje quem comanda o sistema penitenciário do estado do Maranhão chama-se: preso”, diz Cezar Castro Lopes, vice-presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Maranhão.

Em Pedrinhas, também faltam agentes penitenciários. O estado contratou funcionários terceirizados para cuidar da segurança.

“Oitenta por cento das unidades prisionais não têm um agente penitenciário. Está tudo terceirizado. Nós, que somos concursados de agente inspetor penitenciário, nós passamos numa academia de três a seis meses. E, praticamente, é insuficiente essa carga horária para nós. Imagine para um terceirizado passar uma semana fazendo curso, aí jogam ele lá dentro do sistema penitenciário para trabalhar com marginais de alta periculosidade. Isso é um grande risco pra nossa sociedade”, explica Cezar Castro Lopes, vice-presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Maranhão.

O governo do estado diz que a terceirização foi uma alternativa viável. “Nós tínhamos um número muito pequeno de agentes penitenciários, havia uma necessidade emergencial de mão-de-obra dentro dos presídios e foi o modelo que se aplicou”, Aluisio Guimarães Mendes Filho, secretário de segurança pública – MA.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) faz inspeções dentro de pedrinhas desde 2007. A falta de estrutura, superlotação, más condições de higiene, são relatadas desde então ao poder público.

“Sem dúvida alguma foi uma tragédia anunciada. Uma vez que nós tínhamos sinais desde o ano de 2008 de que havia um grave problema no sistema penitenciário do estado do Maranhão. Sobretudo da falta de vagas. Nós estamos com 131 milhões de investimentos para este ano no sistema penitenciário, serão criadas 2.800 vagas de imediato até o final desse ano. Preocupar com a segurança no interior do presídio, é também preocupar com a segurança fora do presídio”, afirma Gervásio Santos.

“Fica um sentimento de revolta e um pedido de paz. De paz para que não aconteça o que aconteceu com a minha filha com outra criança. Outro pai possa passar o que eu estou passando”, diz Anderson de Souza, pai de Ana Clara.

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