sexta-feira, 30 de maio de 2014

METAS ATÉ 2015 PARA MELHORAR SISTEMA PRISIONAL


CONSULTOR JURÍDICO, 29 de maio de 2014, 16:31h


ATÉ 2015. Grupo de autoridades firma metas para melhorar sistema prisional



O programa “Segurança sem Violência”, criado depois de uma série de crimes dentro do presídio maranhense de Pedrinhas, divulgou compromissos que autoridades de diversas pastas e órgãos deverão cumprir até o fim de 2015 para melhorar o sistema prisional do país. O plano de metas distribui responsabilidades ao Conselho Nacional do Ministério Público, ao Conselho Nacional de Justiça, ao Ministério da Justiça e à Ordem dos Advogados do Brasil, além do Colégio Nacional dos Defensores Gerais (Condege) e do conselho de secretários estaduais de Justiça e Administração Penitenciária (Consej).

São oito diretrizes que misturam ações já existentes com novas medidas e tentativas de acelerar mudanças legislativas com propostas paradas no Congresso. Há previsão de obras para novos estabelecimentos prisionais — responsabilidade dos estados e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça —, mas a maioria das metas é de curto prazo — de até seis meses.

Nesse grupo, estão o diagnóstico sobre reformas e construções de unidades prisionais, que deverá ser coordenado pelo Consej; a ampliação de mutirões carcerários organizados pelo CNJ (serão ao menos 12 por ano, enquanto em 2013 só houve visitas a cinco estados) e a criação de mais oficinas para que presos possam trabalhar, custeadas pelo Depen e pelos estados.

O CNJ e o CNMP planejam editar uma resolução para ampliar o uso de medidas cautelares alternativas à prisão. E o CNJ ainda deverá organizar uma espécie de “cursinho” para magistrados de todo o país, com aulas de “sensibilização para aplicação de cautelares alternativas”. Na mesma linha, o Ministério da Justiça promete apoiar um anteprojeto que obrigaria juízes a justificar decisões em que mantêm prisões em flagrante ou decidem por prisões preventivas. O texto foi proposto pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal.

Também se espera, como providência urgente, que o Legislativo aprove a implantação da chamada “plea bargaining”, negociação entre acusação e réu antes da instrução de Ação Penal sempre que os crimes imputados tenham penas inferiores a oito anos de reclusão. O apoio também será dado a um projeto de lei no Senado que pretende evitar a revista vexatória para quem visita as prisões.

Clique aqui para ler a íntegra do relatório.

http://s.conjur.com.br/dl/grupo-autoridades-firma-metas-melhorias.pdf

Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2014, 16:31h



quinta-feira, 29 de maio de 2014

PENITENCIÁRIA PRIVADA, QUANTO MAIS PRESO, MAIOR O LUCRO

INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS, Quarta, 28 de maio de 2014

Quanto mais presos, maior o lucro

Na primeira penitenciária privada desde a licitação, o Estado garante 90% de lotação mínima e seleciona os presos para facilitar o sucesso do projeto.

A reportagem é de Paula Sacchetta e publicada pela agência Pública, 27-05-2014.


Em janeiro do ano passado (2013), assistimos ao anúncio da inauguração da “primeira penitenciária privada do país”, em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais. Porém, prisões “terceirizadas” já existem em pelo menos outras 22 localidades, a diferença é que esta de Ribeirão das Neves é uma PPP (parceria público-privada) desde sua licitação e projeto, e as outras eram unidades públicas que em algum momento passaram para as mãos de uma administração privada. Na prática, o modelo de Ribeirão das Neves cria penitenciárias privadas de fato, nos outros casos, a gestão ou determinados serviços são terceirizados, como a saúde dos presos e a alimentação.


Pátio da penitenciária de Ribeirão de Neves, MG. Foto: Peu Robles

Hoje existem no mundo aproximadamente 200 presídios privados, sendo metade deles nos Estados Unidos. O modelo começou a ser implantado naquele país ainda nos anos 1980, no governo Ronald Reagan, seguindo a lógica de aumentar o encarceramento e reduzir os custos, e hoje atende a 7% da população carcerária. O modelo também é bastante difundido na Inglaterra – lá implantado por Margareth Thatcher – e foi fonte de inspiração da PPP de Minas, segundo o governador do estado Antônio Anastasia. Em Ribeirão das Neves o contrato da PPP foi assinado em 2009, na gestão do então governador Aécio Neves.

O slogan do complexo penitenciário de Ribeirão das Neves é “menor custo e maior eficiência”, mas especialistas questionam sobretudo o que é tido como “eficiência”. Para Robson Sávio, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) da PUC-Minas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, essa eficiência pode caracterizar um aumento das prisões ou uma ressocialização de fato do preso. E ele acredita que a privatização tende para o primeiro caso. Entre as vantagens anunciadas está, também, a melhoria na qualidade de atendimento ao preso e na infra-estrutura dos presídios.

Bruno Shimizu e Patrick Lemos Cacicedo, coordenadores do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo questionam a legalidade do modelo. Para Bruno “do ponto de vista da Constituição Federal, a privatização das penitenciárias é um excrescência”, totalmente inconstitucional, afirma, já que o poder punitivo do Estado não é delegável. “Acontece que o que tem impulsionado isso é um argumento político e muito bem construído. Primeiro se sucateou o sistema penitenciário durante muito tempo, como foi feito durante todo um período de privatizações, (…) para que então se atingisse uma argumentação que justificasse que esses serviços fossem entregues à iniciativa privada”, completa.

Laurindo Minhoto, professor de sociologia na USP e autor de Privatização de presídios e criminalidade, afirma que o Estado está delegando sua função mais primitiva, seu poder punitivo e o monopólio da violência. O Estado, sucateado e sobretudo saturado, assume sua ineficiência e transfere sua função mais básica para empresas que podem realizar o serviço de forma mais “prática”. E essa forma se dá através da obtenção de lucro.

Patrick afirma que o maior perigo desse modelo é o encarceramento em massa. Em um país como o Brasil, com mais de 550 mil presos, quarto lugar no ranking dos países com maior população carcerária do mundo e que em 20 anos (1992-2012) aumentou essa população em 380%, segundo dados do DEPEN, só tende a encarcerar mais e mais. Nos Estados Unidos, explica, o que ocorreu com a privatização desse setor foi um lobby fortíssimo pelo endurecimento das penas e uma repressão policial ainda mais ostensiva. Ou seja, começou a se prender mais e o tempo de permanência na prisão só aumentou. Hoje, as penitenciárias privadas nos EUA são um negócio bilionário que apenas no ano de 2005 movimentou quase 37 bilhões de dólares.

Como os presídios privados lucram

Nos documentos da PPP de Neves disponíveis no site do governo de Minas Gerais, fala-se inclusive no “retorno ao investidor”, afinal, são empresas que passaram a cuidar do preso e empresas buscam o lucro. Mas como se dá esse retorno? Como se dá esse lucro?

Um preso “custa” aproximadamente R$ 1.300,00 por mês, podendo variar até R$ 1.700,00, conforme o estado, numa penitenciária pública. Na PPP de Neves, o consórcio de empresas recebe do governo estadual R$ 2.700,00 reais por preso por mês e tem a concessão do presídio por 27 anos, prorrogáveis por 35. Hamilton Mitre, diretor de operações do Gestores Prisionais Associados (GPA), o consórcio de empresas que ganhou a licitação, explica que o pagamento do investimento inicial na construção do presídio se dá gradualmente, dissolvido ao longo dos anos no repasse do estado. E o lucro também. Mitre insiste que com o investimento de R$ 280 milhões – total gasto até agora – na construção do complexo esse “payback”, ou retorno financeiro, só vem depois de alguns anos de funcionamento ou “pleno vôo”, como gosta de dizer.

Especialistas, porém, afirmam que o lucro se dá sobretudo no corte de gastos nas unidades. José de Jesus Filho, assessor jurídico da Pastoral Carcerária, explica: “entraram as empresas ligadas às privatizações das estradas, porque elas são capazes de reduzir custos onde o Estado não reduzia. Então ela [a empresa] ganha por aí e ganha muito mais, pois além de reduzir custos, percebeu, no sistema prisional, uma possibilidade de transformar o preso em fonte de lucro”.

Para Shimizu, em um país como o Brasil, “que tem uma das mais altas cargas tributárias do mundo”, não faz sentido cortar os gastos da população que é “justamente a mais vulnerável e a que menos goza de serviços públicos”. No complexo de Neves, os presos têm 3 minutos para tomar banho e os que trabalham, 3 minutos e meio. Detentos denunciaram que a água de dentro das celas chega a ser cortada durante algumas horas do dia.

O cúmulo da privatização
Outra crítica comum entre os entrevistados foi o fato de o próprio GPA oferecer assistência jurídica aos detentos. No marketing do complexo, essa é uma das bandeiras: “assistência médica, odontológica e jurídica”. Para Patrick, a função é constitucionalmente reservada à Defensoria, que presta assistência gratuita a pessoas que não podem pagar um advogado de confiança. “Diante de uma situação de tortura ou de violação de direitos, essa pessoa vai buscar um advogado contratado pela empresa A para demandar contra a empresa A. Evidentemente isso tudo está arquitetado de uma forma muito perversa”, alerta.

Segundo ele, interessa ao consórcio que, além de haver cada dia mais presos, os que já estão lá sejam mantidos por mais tempo. Uma das cláusula do contrato da PPP de Neves estabelece como uma das “obrigações do poder público” a garantia “de demanda mínima de 90% da capacidade do complexo penal, durante o contrato”. Ou seja, durante os 27 anos do contrato pelo menos 90% das 3336 vagas devem estar sempre ocupadas. A lógica é a seguinte: se o país mudar muito em três décadas, parar de encarcerar e tiver cada dia menos presos, pessoas terão de ser presas para cumprir a cota estabelecida entre o Estado e seu parceiro privado. “Dentro de uma lógica da cidadania, você devia pensar sempre na possibilidade de se ter menos presos e o que acontece ali é exatamente o contrário”, afirma Robson Sávio.

Para ele, “na verdade não se está preocupado com o que vai acontecer depois, se está preocupado com a manutenção do sistema funcionando, e para ele funcionar tem que ter 90% de lotação, porque se não ele não dá lucro”.

Para garantir a lei, a ordem e a imagem

Na foto, o complexo de Neves é realmente diferente das penitenciárias públicas. É limpo, organizado e altamente automatizado, repleto de câmeras, portões que são abertos por torres de controle, etc, etc, etc. Mas que tipo de preso vai pra lá? Hamilton Mitre, diretor do GPA afirma que “não dá pra falar que o Estado coloca os presos ali de forma a privilegiar o projeto”.

No entanto, Murilo Andrade de Oliveira, subsecretário de Administração Penitenciária do Estado de Minas, diz exatamente o contrário: “nós estabelecemos inicialmente o critério de que [pode ir para a PPP] qualquer preso, podemos dizer assim, do regime fechado, salvo preso de facção criminosa – que a gente não encaminha pra cá – e preso que tem crimes contra os costumes, estupradores. No nosso entendimento esse preso iria atrapalhar o projeto”.

Na visão dos outros entrevistados, a manipulação do perfil do preso pode ser uma maneira de camuflar os resultados da privatização dos presídios. “É muito fácil fazer desses presídios uma janela de visibilidade: ‘olha só como o presídio privado funciona’, claro que funciona, há todo um corte e uma seleção anterior”, diz Bruno Shimizu.

Robson Sávio explica que presos considerados de “maior periculosidade”, “pior comportamento” ou que não querem trabalhar ou estudar são mais difíceis de ressocializar, ou seja, exigiriam investimentos maiores nesse sentido. Na lógica do lucro, portanto, eles iriam mesmo atrapalhar o projeto.

Se há rebeliões, fugas ou qualquer manifestação do tipo, o consórcio é multado e perde parte do repassa de verba. Por isso principalmente o interesse em presos de “bom comportamento”. O subsecretário Murilo afirma ainda que os que não quiserem trabalhar nem estudar podem ser “devolvidos” às penitenciárias públicas: “o ideal seria ter 100% de presos trabalhando, esse é nosso entendimento. Agora, tem presos que realmente não querem estudar, não querem trabalhar, e se for o caso, posteriormente, a gente possa tirá-los (sic), colocar outros que queiram trabalhar e estudar porque a intenção nossa é ter essas 3336 vagas aqui preenchidas com pessoas que trabalhem e estudem”.

Hoje, na PPP de Ribeirão das Neves ainda não são todos os presos que trabalham e estudam e os que têm essa condição se sentem privilegiados em relação aos outros. A reportagem só pôde entrevistar presos no trabalho ou durante as aulas, não foi permitido falar com outros presos, escolhidos aleatoriamente. Foram mostradas todas as instalações da unidade 2 do complexo, tais como enfermaria, oficinas de trabalho, biblioteca e salas de aula, mas não pudemos conversar com presos que não trabalham nem estudam e muito menos andar pelos pavilhões, chamados, no eufemismo do luxo de Neves, de “vivências”.

O trabalho do preso: 54% mais barato

O Estado e o consórcio buscam empresas que se interessem com o trabalho do preso. As empresas do próprio consórcio não podem contratar o trabalho deles a não ser para cuidar das próprias instalações da unidade, como elétrica e limpeza. Então o lucro do consórcio não vem diretamente do trabalho dos presos, mas sim do repasse mensal do estado.

Mas a que empresa não interessaria o trabalho de um preso? As condições de trabalho não são regidas pela CLT, mas sim pela Lei de Execução Penal (LEP), de 1984. Se a Constituição Federal de 1988 diz que nenhum trabalhador pode ganhar menos de um salário mínimo, a LEP afirma que os presos podem ganhar ¾ de um salário mínimo, sem benefícios. Um preso sai até 54% mais barato do que um trabalhador não preso assalariado e com registro em carteira.

O professor Laurindo Minhoto explica: “o lucro que as empresas auferem com esta onda de privatização não vem tanto do trabalho prisional, ou seja, da exploração da mão de obra cativa, mas vem do fato de que os presos se tornaram uma espécie de consumidores cativos dos produtos vendidos pela indústria da segurança e da infra-estrutura necessária à construção de complexos penitenciários”.

Helbert Pitorra, coordenador de atendimento do GPA, na prática, quem coordena o trabalho dos presos, orgulha-se que o complexo está virando um “pólo de EPIs” (equipamentos de proteção individual), ou seja, um pólo na fabricação de equipamentos de segurança. “Eles fabricam dentro da unidade prisional sirenes, alarmes, vários circuitos de segurança, (…) calçados de segurança como coturnos e botas de proteção (…), além de uniformes e artigos militares”.

O que é produzido ali dentro, em preços certamente mais competitivos no mercado alimenta a própria infra-estrutura da unidade. A capa dos coletes à prova de balas que os funcionários do GPA usam é fabricada ali dentro mesmo, a módicos preços, realizados por um preso que custa menos da metade de um trabalhador comum a seu empregador.

Em abril deste ano, o Governo de Minas Gerais foi condenado por terceirização ilícita no presídio de Neves. A Justiça do Trabalho confirmou a ação civil pública do Ministério Público do Trabalho e anulou várias das contratações feitas pelo GPA.

“Entre os postos de trabalho terceirizados estão atividades relacionadas com custódia, guarda, assistência material, jurídica e à saúde, uma afronta à Lei 11.078/04 que classifica como indelegável o poder de polícia e também a outros dispositivos legais. Além de ser uma medida extremamente onerosa para os cofres públicos, poderá dar azo a abusos sem precedentes”, disse o procurador que atuou no caso, Geraldo Emediato de Souza, ao portal mineiro Hoje em dia.

Panorama final

Como na maioria das penitenciárias, as visitas do Complexo passam por revista vexatória. A., mulher de um detento que preferiu não se identificar, entregou à reportagem uma carta dos presos e explicou como é feita a revista: “temos que tirar a roupa toda e fazer posição ginecológica, agachamos três vezes ou mais, de frente e de costas, temos que tapar a respiração e fazer força. Depois ainda sentamos num banco que detecta metais”. Na mesma carta entregue por A., os presos afirmam que os diretores do presídio já têm seus “beneficiados”, que sempre falam “bem da unidade” à imprensa, e são, invariavelmente, os que trabalham ou estudam.

Na carta, eles ainda afirmam que na unidade já há presos com penas vencidas que não foram soltos ainda. Fontes que também não quiseram se identificar insistem que o consórcio da PPP já “manda” na vara de execuções penais de Ribeirão das Neves.

José de Jesus filho, da Pastoral Carcerária, não vê explicação para a privatização de presídios que não a “corrupção”.Tem seus motivos. Em maio de 2013, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) foram alvo de ações por corrupção e má utilização de recursos públicos. Na ação da CPTM foi citado o ex-diretor, Telmo Giolito Porto, hoje à frente do consórcio da PPP de Ribeirão das Neves, assim como a empresa Tejofran de Saneamento e Serviços Gerais LTDA., que faz parte do mesmo consórcio.

Nesse sentido, Robson Sávio alerta: “será que o estado quando usa de tanta propaganda para falar de um modelo privado ele não se coloca na condição de sócio-interesseiro nos resultados e, portanto, se ele é sócio-interesseiro ele também pode maquiar dados e esconder resultados, já que tudo é dado e planilha? Esse sistema ainda tem muita coisa que precisa ser mais transparente e melhor explicada”.

Pelo Brasil

O modelo mineiro de PPP já inspirou projetos semelhantes no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e no Distrito Federal. As licitações já aconteceram ou estão abertas e, em breve, as penitenciárias começarão a ser construídas. O governo do Estado de São Paulo e a Secretaria de Administração Penitenciária também pretendem lançar em breve um edital para a construção de um grande complexo no Estado, com capacidade para 10.500 presos. O governadorGeraldo Alckmin já fez consultas públicas e empresas já se mostraram interessadas no projeto.

No Ceará, uma decisão judicial obrigou à iniciativa privada devolver a gestão de penitenciárias para o Governo do estado. No Paraná, o próprio Governo decidiu retomar a administração de uma série de penitenciárias, após avaliar duas questões: a jurídica e a financeira.

No Brasil, país do “bandido bom é bandido morto”, da “bancada da bala” e onde presos não têm direitos simplesmente por estarem presos, a privatização também assusta do ponto de vista da garantia dos direitos humanos dos presos. “Será que num sistema que a sociedade nem quer saber e não está preocupada, como é o prisional, haverá fiscalização e transparência suficiente? Ou será que agora estamos criando a indústria do preso brasileiro?”, pergunta Sávio.

Os entrevistados dão um outro alerta: nesse primeiro momento, vai se investir muito em marketing para que modelos como o de Neves sejam replicados Brasil afora. Hamilton Mitre diz que a unidade será usada como um “cartão de visitas” e fontes afirmam que o modelo de privatização de presídios será plataforma de campanha de Aécio Neves, candidato à presidência nas eleições do fim deste ano.

Para Minhoto, a partir do momento em que você enraíza um interesse econômico e lucrativo na gestão do sistema penitenciário, “o estado cai numa armadilha de muitas vezes ter que abrir mão da melhor opção de política em troca da necessidade de garantir um retorno ao investimento que a iniciativa privada fez na área”, diz. E Bruno Shimizucompleta “e isso pode fazer com que a gente crie um monstro do qual a gente talvez não vá mais conseguir se livrar”.

“Para quem investe em determinado produto, no caso o produto humano, o preso, será interessante ter cada vez mais presos. Ou seja, segue-se a mesma lógica do encarceramento em massa. A mesma lógica que gerou o caos, que justificou a privatização dos presídios”, arremata Patrick.

Para entender: dados e números

Brasil

- Existem no Brasil aproximadamente 550 mil presos.
- São aproximadamente 340 mil vagas no sistema prisional.
- O Brasil está em 4o lugar no ranking dos países com maior população carcerária no mundo, atrás de EUA, China e Rússia.
- Entre 1992 e 2012 o Brasil aumentou sua população carcerária 380%.
- Empresas dividem a gestão de penitenciárias com o poder público em pelo menos 22 presídios de sete estados: Santa Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo, Tocantins, Bahia, Alagoas e Amazonas.
Minas Gerais
- Em 2003 o Estado de Minas tinha aproximadamente 23 mil presos.
- Em 10 anos essa população mais do que duplicou: hoje são 50 mil presos.
- Em 2003 eram 30 unidades prisionais no Estado, hoje são mais de 100.
- Em 2011 o Estado de Minas já gastava aproximadamente um bilhão de reais por ano com o sistema penitenciário.

O complexo de Ribeirão das Neves

- O consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), que ganhou a licitação do complexo penitenciário de Ribeirão das Neves é formado por cinco empresas, são elas:
CCI Construções S/A
Construtora Augusto Velloso S/A
Empresa Tejofran de Saneamento e Serviços LTDA
N. F. Motta Construções e Comércio
Instituto Nacional de Administração Penitenciária (INAP)

- Em 18 de janeiro de 2013 começaram a ser transferidos os primeiros presos para o Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves.

- A inauguração aconteceu no dia 28 de janeiro de 2013, com uma ala já ocupada por 75 presos.

- Hoje (maio de 2014) estão funcionando duas das cinco unidades do complexo, cada uma com 672 presos.

- A capacidade do complexo é de 3336 vagas.

- O consórcio de empresas tem 27 anos da concessão do complexo, sendo dois para construção e 25 para operação.

- Já foram gastos 280 milhões de reais na construção do complexo até agora. O GPA estima que no total serão gastos 380 milhões.

- O Estado repassa R$2.700 por preso mensalmente; nas penitenciárias públicas o custo é de R$ 1.300,00 a R$ 1.700,00 por mês

- As celas têm capacidade máxima para quatro presos.

- Detalhes sobre a PPP de Ribeirão das Neves e documentos podem ser acessados neste site.


http://www.ihu.unisinos.br/noticias/531762--quanto-mais-presos-maior-o-lucro

sexta-feira, 23 de maio de 2014

CONTROLE INSUFICIENTE



ZERO HORA 25/05/2014


EDITORIAL INTERATIVO

Editorial questiona a eficácia das tornozeleiras eletrônicas. 


O assassinato do sargento da Brigada Mário Francisco da Rocha por um apenado com a tornozeleira eletrônica desativada por falta de bateria expõe mais uma vez a falha desse sistema de monitoramento, que, em um ano, já registra o envolvimento de 92 usuários do aparelho em crimes. A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) defende o sistema como mais seguro do que simplesmente deixar o preso num albergue sem qualquer controle. Isso é óbvio. Porém, já está mais do que evidente que o mecanismo adotado, com custos elevados para a sociedade, não atende às expectativas mínimas dos cidadãos. Mesmo quando funciona. De que adianta saber que um delinquente está sendo acompanhado à distância se ninguém o impede de continuar praticando crimes?

O regime semiaberto é garantido pela legislação, mas, infelizmente, o sistema penitenciário brasileiro não dispõe de estrutura adequada para a sua execução. Na falta de colônias penais agrícolas e industriais, ou de estabelecimentos similares, o Judiciário passou a optar pela liberalidade da prisão domiciliar para evitar a ilegalidade de manter em regime fechado presos com direito à passagem ao regime mais brando. Neste contexto, as tornozeleiras pareciam uma boa alternativa, por permitir o acompanhamento de apenados com restrições de horário e área de circulação. Só que, para isso, é indispensável que as baterias estejam carregadas, que o condenado não se livre do equipamento e que haja funcionários suficientes e capacitados para operar o controle.

É evidente que o problema não está na tornozeleira, um dispositivo indiscutivelmente engenhoso. Está na administração do sistema de monitoramento. De nada adianta o superintendente da Susepe garantir que o equipamento é confiável se os portadores continuam praticando crimes. Quem tem que atestar a segurança do sistema é a população _ e esta, inequivocamente, sente-se cada vez mais desprotegida ao constatar que o alegado controle é insuficiente para impedir assaltos e homicídios.

Não se está defendendo aqui a solução simplista de manter encarcerados prisioneiros com direito à progressão de regime, e sim um procedimento que permita à autoridade policial acompanhar efetivamente a movimentação dos apenados e evitar novos delitos.

EM RESUMO

Este editorial pede revisão do sistema de monitoramento por tornozeleiras eletrônicas, que vem apresentando falhas graves.

A QUESTÃO: EDITORIAL QUESTIONA A EFICÁCIA DAS TORNOZELEIRAS ELETRÔNICAS. VOCÊ CONCORDA?

O LEITOR CONCORDA

Nos EUA, onde a tornozeleira é utilizada amplamente, a resposta da polícia a qualquer inconformidade, seja violação da zona permitida, ou um defeito na tornozeleira, é imediata. É oficial abordando o usuário do equipamento, esclarecendo o motivo do ocorrido e, se necessário, levando o sujeito à prisão imediatamente. Aqui no Brasil, as inconformidades são tratadas por telefone... Peraí, vamos ligar para o sujeito e pedir “ó colega, você está saindo da zona permitida, pode voltar por favor?”. Estamos loucos? É pra Brigada abordar o cara, arrancar de veículo se necessário e apurar o ocorrido. Não adianta nada colocar um rastreador no cara se não tem ninguém do outro lado acompanhando, nem ninguém na rua para recolher o fujão. Fico convencido de que pode usar o sistema que for, os administradores públicos brasileiros vão dar um jeito de estragá-lo.

GUILHERME FERREIRA PORTO ALEGRE (RS)

É pouco eficaz! Com o objetivo de reduzir custos de “hotelaria’’ que o apenado demanda. Sim, porque além de lesar a sociedade, a vítima, sua família etc., ainda nos remete à falsa impressão de que o mesmo está “sob vigilância’’. Leis mais duras podem fazer algum efeito!

MARILENA TURRA BLUMENAU (SC)

O LEITOR DISCORDA

Discordo do questionamento. Não é porque alguns presos monitorados acabam por cometer crimes que temos de dar por ineficaz um sistema que busca tentar dar a possibilidade de ressocialização do apenado, e reduzir os custos que o mesmo enclausurado onera aos cofres públicos, já saturados de tantos desvios de gastos. Antes de criticarmos, devemos cobrar do Estado ações para que quem quiser sair da vida do crime possa ter opções (ou acham que é fácil um ex-apenado conseguir emprego?), mas, para quem queira continuar nesse rumo, a segurança pública possa ter recursos, humanos e de ferramentas (leis, salários, valorização), para colocar medo no marginal, e daí sim ele pensar duas vezes antes de praticar um delito, sabendo que certamente será preso, seja em flagrante ou diligência. A tornozeleira funciona, só que não sozinha.

JULIANO PEREIRA DOS ANJOS-NOVA SANTA RITA (RS)

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - As tornozeleiras são ferramentas importantes para o controle e objetivos da execução penal que é a reeducação, a ressocialização e a reintegração social dos apenados da justiça. A execução atual é precária por falta de um padrão administrativo, de efetivos e de uma estrutura operacional para monitorar, controlar e fiscalizar sob a gestão de um departamento especializado sob controle direto do judiciário. Infelizmente, como tudo neste país surreal, tratamos o direito à segurança e as questões de justiça criminal de forma amadora, superficial, pontual, sistêmica, corporativa e política, sem se ater aos elementos e ambientes que o circundam como as leis, a finalidade pública, o direito à segurança, a preservação da ordem pública, a confiança na justiça, os objetivos e prioridades da execução penal e as consequências dos atos e decisões de cada parte do sistema.


quinta-feira, 22 de maio de 2014

ASSALTO E MORTE EXPÕE FALHA EM SISTEMA DE TORNOZELEIRA



ZERO HORA 22 de maio de 2014 | N° 17804


JOSÉ LUÍS COSTA E LETÍCIA COSTA



POLÍCIA FORA DE COBERTURA

MORTE EXPÕE FALHA EM SISTEMA DE TORNOZELEIRA. APENADO DO SEMIABERTO deixa bateria de rastreador descarregar. Sem ter alocalização informada, assalta farmácia e mata um sargento da Brigada Militar


Com a bateria da tornozeleira que utilizava há apenas quatro dias descarregando, Gerson Bom da Silva, 29 anos, não foi encontrado por telefone pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) para ser avisado que a carga do equipamento deveria ser abastecida. Ou então ele passaria a ser considerado foragido. Por não ter atendido às ligações, deveria automaticamente passar a ser procurado pela polícia. Mas por provável falha humana, o procedimento não foi feito, e Gerson Silva só foi encontrado depois de matar o sargento da Brigada Militar Mario Francisco de Maria Rocha, 52 anos, em assalto a uma farmácia na zona sul de Porto Alegre na segunda-feira.

– Foram feitas várias tentativas de entrar em contato com esse preso, sem sucesso. Uma vez constatada a falta de contato, é informada a fuga. Foi isso que não ocorreu – conta o superintendente da Susepe, Gelson Treiesleben.

Para apurar exatamente o que houve, Treiesleben solicitou que a corregedoria do órgão identifique com precisão como ocorreu a falha. Não é a primeira vez que um preso do semiaberto com liberdade vigiada concedida pela Justiça é flagrado em assaltos. A Susepe admite que 92 apenados com tornozeleiras cometeram crimes desde que o monitoramento começou a funcionar, há um ano.

– É um sistema de segurança extremamente eficaz, é insignificante o volume de erros que ocorrem. Se (o preso) estivesse no semiaberto, ficaria na rua e não seria monitorado – afirma.

Conforme a Susepe, o aviso da fuga do detento com tornozeleira é lançado no sistema e feito pessoalmente aos policiais do Centro Integrado de Operações da Segurança Pública (Ciosp), localizado na sala ao lado da central de monitoramento dos agentes. Mas a situação parece não ser tão simples. Policiais ouvidos por ZH comentam que dificilmente recebem pedidos dos agentes para deslocar equipes em busca de foragidos.

– Teoricamente, eles tinham de vir aqui e nos informar para repassarmos o alerta às equipes que estão na rua, mas é raro isso ocorrer – afirma o major Gilberto Viegas, do Ciosp.

Responsável por fiscalizar o sistema desde a criação até dezembro, o juiz Sidinei Brzuska alerta que o aviso à Brigada Militar é fundamental para a eficácia do monitoramento.

– Na minha opinião, a Susepe ampliou o sistema sem ter gente para dar conta da demanda – aponta Brzuska.



ENTREVISTA

GELSON TREIESLEBEN. Superintendente da Susepe


“O sistema é confiável”



Crimes cometidos por presos com tornozeleiras são exceções, afirma o superintendente da Susepe, Gelson Treiesleben. Ele sustenta que a sociedade está mais segura com apenados nas ruas usando o equipamento do que se o preso estivesse em albergue.

Já houve casos de presos assaltando e traficando com tornozeleira. Agora, ocorreu o assassinato de um policial. O que dizer sobre isso?

Infelizmente, esses casos acontecem. Provavelmente, aconteceriam estando o preso com tornozeleira ou não. Só seriam evitados se estivesse no regime fechado. Estamos falando de presos do semiaberto, que é um regime sem barreiras físicas. Os presos têm direito a sair 35 dias ao ano e também a trabalho externo, e nem sempre eles estão no trabalho.

Há funcionários e equipamentos suficientes quando há problemas?

Temos. Na semana passada, foram distribuídas 48 viaturas para a equipe de fiscalização no Estado, formada por cerca de 35 servidores.

Não é pouco?

Para o volume atual de tornozeleiras, é suficiente.

O sistema é confiável?

Com certeza, o sistema é confiável. O equipamento funciona com dois sistemas: quando falha um tem outro.

Qual a garantia para que um caso como a morte do PM não se repita?

Eu gostaria de desvincular a morte ao fato de o preso estar com tornozeleira. Poderia acontecer com qualquer outra pessoa que venha a cometer um crime.

O ideal seria que o preso estivesse em um albergue?

No meu entendimento, a tornozeleira controla muito mais que um albergue. O albergue não impossibilita que o preso vá para a rua.

A sociedade está segura?

Eu diria que sim. Mais segura do que deixando os presos em albergue. Infelizmente, não tenho um agente para andar ao lado de cada preso.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O emprego de tornozeleiras é importante no controle e objetivos da execução penal. O atual sistema é inicial e precário por falta de um padrão administrativo, efetivos e de estrutura operacional para monitorar, controlar e fiscalizar os apenados da justiça. Infelizmente, como tudo neste país surreal, tratamos o Sistema de Justiça Criminal que integra o setor prisional, de forma amadora, superficial, pontual, sistêmica e corporativa e política, sem se ater aos elementos e ambientes que o circundam como as leis, a finalidade pública, o direito à segurança, a preservação da ordem pública, a confiança na justiça, os objetivos e prioridades da execução penal e as consequências dos atos e decisões de cada parte do sistema. 

Nos EUA, existem os "Funcionários da justiça e de liberdade condicional responsáveis por supervisionar pessoas que tenham sido colocados em liberdade e na liberdade condicional. Eles ajudam a garantir que os condenados que foram libertados da prisão ou que tenham sido colocados em liberdade condicional estão se integrando na sociedade. Funcionários da justiça e de liberdade condicional geralmente são obrigados a possuir um grau de bacharel em justiça criminal ou áreas afins."(http://education-portal.com/probation_and_parole_officers.html)


quarta-feira, 7 de maio de 2014

EXECUÇÃO PENAL COMPARADA – BRASIL X ALEMANHA

VIA FACEBOOK


Sidinei José Brzuska



No dia 06/05/2014 o Presídio Central teve a grata satisfação de receber como visitante um Juiz criminal da Alemanha, com jurisdição na execução penal daquele país. Durante algumas horas comparamos os dois sistemas. 

Compartilho algumas curiosidades que extraí do diálogo.


PRESÍDIOS ALEMÃES – Costumam ter mais funcionários que presos. E não tem superlotação.


DROGAS – Apreensões até um quilo na Alemanha, sendo primário, a pena costuma ser pecuniária e o sujeito não é preso. Acima de um quilo, rende 01 (um ano) de prisão. No Brasil, menos de 10 gramas podem resultar em pena de 05 (cinco anos), com pelo menos 02 (dois) anos no fechado. A Alemanha tem poucos presos por tráfico. No Presídio Central, mais de 60% dos presos ali estão acusados de tráfico.

ASSALTO – Costuma dar 05 (cinco) anos de prisão na Alemanha, sendo que o condenado pode ser liberado depois de cumprir metade da pena. No Brasil, a pena para assalto rende condenação acima de 05 (cinco) anos, porém o regime é semiaberto e depois de um ano (1/6) o sentenciado fica livre.

HOMICÍDIOS – a população de presos por homicídios é semelhante nos dois países. A diferença está que na Alemanha quase não existem homicídios, ao passo que no Brasil eles ocorrem aos milhares, mas os autores de homicídios, na maior parte dos casos, não são presos.

PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO NOS JULGAMENTOS. No Brasil, ocorre apenas nos crimes de homicídio, sendo atividade honorífica. Na Alemanha, existem juízes leigos que atuam no julgamento dos demais crimes (um juiz de carreira julga com dois juízes leigos, sendo a condenação/absolvição definida por maioria simples). Os juízes leigos podem atuar por até cinco anos. Os empregadores dos juízes leigos, quando estes estão trabalhando para a Justiça, ficam dispensados de pagar, naquele dia, o salário, o qual é pago pelo Estado, no mesmo valor que o Juiz leigo estaria recebendo caso estivesse trabalhando na iniciativa privada. O juiz togado julga sozinho apenas em crimes menores, com penas baixas.

PRISÃO PERPÉTUA - Proibida no Brasil, é aplicada na Alemanha, mas o condenado pode ter direito ao livramento condicional depois de 15 anos, pelo menos.

RESPONSABILIDADE PENAL JUVENIL -  Na Alemanha começa aos 14 anos, podendo o adolescente ficar recolhido por até 10 anos. No Brasil, inicia aos 12 anos, mas a internação máxima é de 03 (três) anos. Assim como no Brasil, a Alemanha priva os adolescentes da liberdade em sistema diferente dos adultos.

REMUNERAÇÃO DO JUIZ - Um Juiz Brasileiro, no início de carreira, ganha mais que um Juiz alemão nas mesmas condições. No final da carreira, entretanto, a remuneração dos juízes alemães é superior a dos brasileiros. Na Alemanha, quanto mais velho (velho na idade e não na função) o Juiz, maior será a remuneração. Um Juiz alemão com 40 anos ganha mais que um de 30 anos, ainda que com o mesmo tempo de serviço.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Muito interessante esta comparação. Vale a pena analisar e refletir. Agora, é necessário salientar que a maioria dos presos no Brasil são pobres e sem meios de defesa por falta de recursos financeiros e pela desestrutura das defensorias públicas. Além disto, são abandonados por uma justiça criminal lerda, assistemática, corporativa, soberba e descompromissada com  o preso que atira a responsabilidade no poder administrativo partidário e nas leis. Quem não é bandido famoso e tem recursos para pagar a defesa privada não fica preso. 

segunda-feira, 5 de maio de 2014

BARBÁRIE ÍNTIMA


FOLHA.COM
DE SÃO PAULO04/05/2014 02h00


EDITORIAL



É estarrecedor o relato do repórter Lucas Ferraz no caderno "Ilustríssima", desta Folha, sobre as humilhações a que são submetidos os parentes de presos quando tentam visitá-los.

Em alguns Estados, sobretudo as mulheres são rotineiramente obrigadas a enfrentar constrangedoras revistas íntimas.

São também, com frequência, vítimas da arbitrariedade aleatória dos agentes carcerários que organizam as visitas. Estes decidem até quais tipos de roupa podem ser utilizadas pelos parentes de presos.

Tal situação representa uma violação da ordem democrática, já que solapa os princípios da presunção da inocência e da restrição da pena à pessoa do condenado, garantidos pela Constituição.

Os abusos são de tal ordem que chamaram a atenção de organizações de direitos humanos, da Defensoria Pública e também de alguns políticos.

Tramita atualmente no Congresso o projeto de lei n° 480/2013, que prevê o fim da revista íntima.

Embora a proposta seja bem-vinda e deva ser aprovada sem mais delongas, é importante notar que ela denota um fracasso institucional. Em teoria, a vedação explícita seria desnecessária.

Ao contrário do cidadão, que pode fazer tudo o que a lei não proíba, o poder público só pode fazer aquilo que a legislação autorize. E não há previsão legal para submeter nenhum cidadão a buscas corporais agressivas sem que exista pelo menos uma suspeita fundamentada. Há limites para o poder discricionário das autoridades.

O quadro se torna ainda mais escandaloso quando se considera que os resultados desses abusos em série ficam em algum ponto entre o parco e o nulo.

Dados da Secretaria de Administração Penitenciária do governo paulista relativos a 2012 revelam que as revistas não levaram ao confisco de nenhuma arma e responderam por apenas 8% das apreensões de drogas em penitenciárias e 3,3% das de celulares.

Mais: em Goiás e no Espírito Santo, que aboliram as modalidades mais embaraçosas de revista, não se verificou aumento nas apreensões de itens ilícitos em posse de presos nem deterioração perceptível da segurança nas cadeias.

Presidiários não estão entre as categorias mais benquistas pela sociedade, daí que a forma pela qual são tratados representa um bom indicador do grau de civilização de um país. Nesse aspecto, não faltam no Brasil demonstrações de barbárie.