quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

BARBÁRIE SERVE DE ALERTA AO RS



ZERO HORA 09 de janeiro de 2014 | N° 17668

JOSÉ LUÍS COSTA

VIOLÊNCIA NO MARANHÃO

Juízes e especialistas ouvidos por Zero Hora advertem que o vácuo de poder deixado pelas autoridades é ocupado pelas facções



Três mil quilômetros separam o Rio Grande do Sul do Maranhão, mas a violência que impera nas das cadeias e vitima inocentes nas ruas de São Luís não está tão longe assim dos gaúchos. O principal alerta é de Douglas de Melo Martins, juiz-auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável pelas fiscalizações no complexo de Pedrinhas – um conjunto de prisões que concentra metade dos detentos do Estado, na capital maranhense.

Aserviço do CNJ há cinco anos, Martins já percorreu o país inspecionando presídios e, em 2011, coordenou o mutirão carcerário no Rio Grande do Sul. Por isso, se tornou uma autoridade no assunto.

Martins afirma que a violência maranhense é fruto do descontrole do Estado sobre as cadeias, em condições precárias, propiciando a formação de facções de presos da Capital contra os do Interior. A rivalidade foi sendo alimentada nos últimos quatro anos e, agora, os grupos começam a medir forças, matando, em sua maioria, presos que evitam se submeter a ordens dos líderes. Apenas em 2013, foram executados 60 apenados.

– Criaram o PCM (Primeiro Comando do Maranhão) e, depois, veio o Bonde dos 40, que só usam pistola calibre .40, que, talvez, seja uma das mais violentas facções do país, com decapitações e esquartejamentos.

Magistrado recomenda a descentralização de presos

Para o magistrado, o ambiente de terror que vive o Maranhão, causado por atentados a delegacias da Polícia Civil, incêndios em ônibus e até a morte de uma criança queimada, pode se repetir em outros Estados. E alerta:

– Onde há omissão, ela é preenchida pelo crime organizado.

Em relação ao Estado, Martins entende que a situação é menos grave porque as facções estão estabilizadas, sem grandes conflitos e dividem territórios, inclusive fora dos presídios.

– Tem de fazer algo que o Maranhão não fez, que é descentralizar. O Presídio Central é um espaço muito próprio para criação e fortalecimento de facções. O interior do Rio Grande do Sul não está tão contaminado assim. A senha é descentralizar, como foi recomendado no meu relatório do mutirão carcerário.


OPINIÕES

Ricardo Breier, secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS) - Se o governo do Rio Grande do Sul não atender o que foi determinado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em relação ao Presídio Central, podemos chegar a situação parecida. A luz amarela está acesa. Já acontecem mortes. As facções comandam a cadeia e os crimes nas ruas.

Sandra Goldman, promotora de Justiça, fiscal de presídios - Pelo que é noticiado, o Rio Grande do Sul não é muito diferente. A realidade das cadeias gaúchas é pouco conhecida, e poucos querem conhecer. Aqui, temos presos ligados ao PCC, mulheres dentro de albergues e assassinatos.

Hilton Vaz, defensor público que atua na execução penal - A situação aqui é melhor. O Judiciário, o MP, os defensores, as ONGs, a Pastoral Carcerária estão dentro das cadeias, distensionando o sistema. Os magistrados fazem relatórios, fotografias, conhecem os presos.

Sidinei Brzuska, juiz da VEC - Barbárie se combate com civilização, que é respeitar os direitos mínimos dos presos, estabelecer regras de tolerância e convivência e o Estado cumprir suas obrigações, atendimento médico, social, jurídico. Se o Estado se retira, deixa por conta dos presos, e eles resolvem os conflitos pela morte.

Paulo Augusto Irion, juiz da VEC - É preciso aumentar investimentos em geração de vagas, mas não só isso, ter uma secretaria exclusiva como em São Paulo, Rio, Ceará, com orçamento próprio e autonomia para construir presídios.


ENTREVISTA - “A violência e a brutalidade impressionam”

DOUGLAS DE MELO MARTINS JUIZ AUXILIAR DO CNJ

Especialista em presídios, Douglas de Melo Martins, nascido há 45 anos em São Luís, atuou como juiz em varas de execuções penais do Maranhão por 15 anos. Desde 2009, trabalha no CNJ. Em 2011, comandou um mutirão carcerário no Rio Grande do Sul e conheceu de perto a situação do Presídio Central de Porto Alegre. Atualmente, é juiz auxiliar da Presidência do CNJ, e responsável pela fiscalização no Complexo de Pedrinhas, em São Luís. Ontem, ele falou com ZH sobre os riscos de que o caos no sistema prisional do Maranhão se espalhe pelo país.

Zero Hora – O senhor inspecionou as prisões em Pedrinhas, em 20 de dezembro. O que mais impressionou?

Juiz Douglas de Melo Martins – A violência e a brutalidade com que facções do crime organizado atuam, as mortes bárbaras.

ZH – Os 60 mortos em 2013 pertenciam a que facções?

Martins – A maioria não pertencia a facção. O governo, para deixar a opinião pública mais tranquila, diz que é briga de facção. Há tempos os presos estão separados. Morrem os que deixam de cumprir as determinações das facções.

ZH – Que tipo de ordem?

Martins – Trazer celulares e drogas para dentro dos presídios, realizar assaltos fora, trazer mulheres para manter relação sexual com os líderes. Agora, as facções estabeleceram uma cota semanal de dinheiro, exigido das visitas.

ZH – É um retrato das cadeias brasileiras?

Martins – Sim. Mas no Maranhão a situação está agravada.

ZH – Por que chegou a este ponto?

Martins – Faltaram investimentos, faltou descentralização, com a construção de pequenas unidades no Interior. Isso vem sendo recomendado pelo CNJ em relatórios, desde 2008, quando foi realizado o primeiro mutirão carcerário.

ZH – No Rio Grande do Sul é possível evitar o que acontece no Maranhão?

Martins – É possível conter as facções antes de a violência chegar às ruas, ataques a ônibus. A situação aí (no Estado) ainda é melhor do que a do Maranhão.



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