quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

A PRISÃO DA VERDADE



A Prisão da Verdade


Bruno Carpes
Promotor de Justiça


No dia 12 de setembro de 2017, o ex-diretor do Departamento Penitenciário Nacional, as três coordenadoras técnicas dos relatórios do Infopen e o Diretor-Presidente do Fórum de Segurança Pública publicaram artigo intitulado “A Fé no Encarceramento como Solução para a Violência e Criminalidade no País”, a fim de deslegitimar o artigo de minha autoria intitulado “O Mito do Encarceramento em Massa”.

Os autores da resposta afirmaram que o artigo desafiava a lógica, de modo a “querer legitimar a todo custo sua tese de que o aumento do encarceramento constitui a grande solução para o problema da violência e criminalidade”. Já nesse primeiro ponto, verifica-se a preocupação dos responsáveis pela coleta de dados prisionais em descaracterizar o estudo apresentado, utilizando-se de usual estratégia de atacar o autor, e não o conteúdo propriamente dito.

Em vez de se debruçarem nos números trazidos, baseado em dados objetivos, demonstraram ao público seu viés ideológico: preocuparam-se em confirmar a qualquer custo a tese de hiperencarceramento no Brasil, negligenciando a análise aprofundada e isenta da situação prisional, inclusive, eximindo-se da obrigação de prestar contas acerca da omissão na coleta de dados sobre o tempo médio de prisão no regime fechado para cada preso brasileiro, denunciada em nosso estudo.

Após, afirmam os autores que “distancia-se do bom senso” a exclusão dos apenados em regime semiaberto, o qual “guarda características arquitetônicas e operacionais típicas do regime fechado”. Explica-se, em larga medida o caos nos presídios quando os responsáveis pelo Sistema Penitenciário Brasileiro afirmam categoricamente que os regimes fechado e semiaberto “possuem similaridade”, com o fito de corroborar a tese do encarceramento em massa.

Ora, a realidade criada pelos autores é de que “os presos no semiaberto encontram-se em situação de confinamento e, apenas em pequena escala, são autorizados a ausentar-se da unidade penal para trabalhar”.

Dessa forma, pergunto: por que isso não foi confirmado em números? Por que continuarmos discutindo narrativas, em vez de dados objetivos? Por que o penúltimo relatório de junho de 2014 refere que 25% do total de presos (todos os regimes) exercem trabalho externo, sem demonstrar de forma individualizada o percentual dos apenados do regime semiaberto?

A resposta é encontrada através de uma leitura global do referido relatório. Ele aponta que apenas 15% dos apenados se encontravam em regime semiaberto e outros 3% em regime aberto; portanto, percentual menor do que o total de presos que exercem trabalho externo (25%). Ou o relatório novamente mostra falhas consideráveis, ou fica revelado que a maciça maioria dos apenados do regime semiaberto exerce trabalho externo, ao contrário do alegado pelos desencarceradores que formularam o próprio relatório.


Afinal, o trabalho externo no regime fechado é praticamente inexistente em solo brasileiro (ante a notória falta de recursos humanos para a necessária fiscalização contra a fuga - art. 36 da Lei de Execuções Penais). Cumpre reafirmar, pois, a regra da liberdade para os apenados que afirmarem trabalhar ou estudar durante o dia (sem qualquer fiscalização), além do direito às saídas temporárias, gozado especialmente durante feriadões, em irrestrita liberdade. Quem desconhece o exemplo paradigmático de Isabela Nardoni, em gozo de saída temporária durante o dia das mães?

Realmente não há como discordar da afirmação dos autores: “Em estatística é comum a afirmação de que, sob tortura os números confessam qualquer crime”.

A fim de exemplificar a evidente falsa percepção da realidade, a Superintendência dos Serviços Penitenciários do Estado do Rio Grande do Sul, responsável administrativamente pelas prisões nessa unidade federativa, respondeu ao veículo de comunicação que não tinha “obrigação de fiscalizar presos do regime semiaberto, já que o entendimento é que eles estão a um passo da liberdade”. Na mesma reportagem, veiculada no ano de 2016, apurou-se que 27% das prisões nas Delegacias são provenientes de foragidos do semiaberto.¹

É espantoso que o Diretório Penitenciário Nacional tenha sido comandado por quem desconhecesse a realidade prisional, buscando apenas fomentar antidemocrática e ilegalmente o ativismo desencarcerador (hipótese não contemplada ao Departamento Penitenciário Nacional, nos termos do art. 72 da Lei de Execuções Penais).

Lamenta-se, por conseguinte, as afirmações dos que outrora foram responsáveis por órgão tão relevante ao sistema prisional brasileiro. A Nação, especialmente as incontáveis vítimas (algumas que não se encontram mais entre nós) dos apenados do regime semiaberto, merecia pedidos sinceros de escusas pelo Ministério da Justiça e pela Presidência da República.

Ainda, os desencarceradores acusaram o autor de falta de bom senso, quando excluiu apenados do semiaberto na comparação em nível global.
Em verdade, a falta de bom senso advém de quem desconhece ou omite que o Brasil detém sistema progressivo leniente, o qual permite, por exemplo, que um assaltante portando arma de fogo (latrocida em potencial) inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto e progrida de regime com apenas um sexto de pena cumprida. Por outro lado, na pesquisa dos poucos países do mundo civilizado que adotam o sistema progressivo, tal como o nosso vizinho Argentina, bem como a Espanha (penas maiores de 5 anos), é permitido o deferimento da semiliberdade somente após o cumprimento de metade da pena.

Sem contar os países que não adotaram o sistema progressivo (maioria dos países europeus e dos de tradição anglo-saxônica). No próprio Mercosul, vizinhos de mesma tradição latina, tais como Chile e Uruguai, não adotaram o sistema progressivo e permitem o livramento condicional depois de cumprimento entre metade a dois terços da pena.

A título de observação, adotando-se o critério dos desencarceradores (englobando-se os apenados de todos os regimes), consoante dados do Conselho Nacional do Ministério Público, o Brasil figura em 42º lugar, com 274 presos a cada cem mil habitantes. Ou seja, taxa de encarceramento muito inferior ao número de 306 presos a cada cem mil habitantes, como afirmado no relatório do Infopen.

Quanto à questão dos presos provisórios, resta pouco a comentar, apenas reafirmar os índices e os comparativos trazidos pelo artigo “O Mito do Encarceramento em Massa”, que apenas reproduziu o comparativo global. Pontua-se apenas que, em vez de contrariar os apontamentos, os responsáveis anteriores pelo Infopen acabam por confessar que a estimativa de 40% de presos provisórios não passava de um palpite, sem qualquer referência real que lhes servisse de lastro.

Depois de confessar o palpite, surpreendentemente criticam os critérios adotados por este autor: “Para as edições de 2014, o formulário de coleta e toda a metodologia do estudo foram cuidadosamente discutidos com mais de uma dezena de pesquisadores da área. (...) A revisão metodológica realizada em 2014 buscou atender às regras de inferência científica para melhoria da confiabilidade, validade, rigor e integridade dos resultados através da transparência dos procedimentos de coleta e análise dos dados”.

Não há dúvida, portanto, de que essa afirmação destina-se somente àqueles que ousam divergir dos ativistas do desenceraceramento, pois conforme consta na página oito do relatório do Infopen de junho de 2014: “Os diagnósticos realizados e divulgados nesse relatório não esgotam, de forma alguma, todas as possibilidades de análise. A publicação dos dados em formato aberto, pela primeira vez na história do Departamento Penitenciário Nacional, permitirá a livre interpretação dos dados a partir dos mais diversos olhares e perspectivas, com análises críticas que poderão somar à compreensão da realidade prisional brasileira”.

Salta aos olhos a inaptidão dos autores para analisar a grave questão criminal brasileira quando - para referendar a ineficácia da prisão – afirmam que “paira a certeza de que as velhas fórmulas utilizadas nos últimos 30 anos não têm se mostrado eficazes”, sem perceberem que “as velhas fórmulas” são justamente aquelas por eles defendidas de maneira hegemônica há cerca de 30 anos, período no qual o número de assassinatos no Brasil saltou de 11 para quase 30 por cem mil habitantes.

Os autores apenas referendam outro falso mantra: o do punitivismo penal. Ignoram, a toda evidência, estudos fundamentais como o exemplar trabalho acadêmico intitulado “O Caráter Polifuncional da Pena e os Institutos Despenalizadores: Em Busca da Política Criminal Do Legislador Brasileiro”, de Jônatas Kosmann, que mapeou os intervalos de penas previstos em 1050 tipos penais. Conclusão: 50,67% das penas no Brasil comportam transação penal, 24,10% comportam suspensão condicional do processo, outras 3,42% admitem a substituição por penas privativas de direito e apenas 2,67% (28 tipos penais) impõe que o juiz aplique o regime inicialmente fechado.

Sim, caros leitores, o ordenamento pátrio obriga o juiz a estipular a efetiva prisão (inicialmente fechada) em apenas 2,67% das penas criminais existentes e possibilita, com absoluta certeza, em mais de 75% das penas, que sequer HAJA CONDENAÇÃO a qualquer regime de pena privativa de liberdade. Dizer que o Brasil vive uma onda encarceradora e punitivista equivale a algo tão desproporcional e distante da realidade quanto a comparação entre um cavalo e um cavalo-marinho.
 
Chama a atenção também à falta de interesse na apuração de dados quanto à impunidade brasileira, uma vez que, desde 1998, o economista J.C. Fernandez referia que não existiam dados que estimassem a probabilidade de detenção de um indivíduo no Brasil. Contudo, supôs ser ainda menor que a verificada nos Estados Unidos, que é de apenas 5%. Isto implicaria dizer que no Brasil a probabilidade de sucesso no setor do crime pode ser maior do que 95%².

Os autores ainda buscam autor estrangeiro para comentar acerca das facções criminosas nos presídios norte-americanos, algo totalmente fora do contexto do artigo que contestavam. De qualquer forma, enquanto demonstram interesse na questão carcerária dos Estados Unidos da América, não explicam porque não buscaram se espelhar naquele país, que possui ampla gama de dados sobre crimes e prisões desde a década de 60.

Ainda, desconsideram vários estudos, como o do Doutor pelo MIT, Steven Levitt, co-autor do Best-seller “Freaknomics”, que afirma: “Cada criminoso preso gera uma redução de 15 crimes patrimoniais por ano e que os benefícios sociais da prisão são maiores que os custos”³. Ou de Thomas Sowell, renomado economista, que demonstra, com base em dados do Reino Unido, que um criminoso solto custa vinte vezes mais caro à sociedade4. Ou ainda, que o aumento de número de prisões, após acompanhar o aumento no número de crimes, possibilitou a diminuição no número de crimes violentos, retornando a índices da criminalidade do início da década de 70, conforme demonstra o gráfico a seguir:
 
  
 
Por fim, pergunto: Por que os autores não coletaram dados quanto ao tempo médio de prisão dos apenados, pormenorizadamente, por regime? Por que não coletaram dados a fim de aferir a probabilidade de detenção de um criminoso no Brasil?  Por que não coletaram dados a fim de aferir a quantidade de apenados que deveriam estar em cumprimento de regime semiaberto e aberto, mas que se encontram em recolhimento domiciliar, sem qualquer fiscalização? Por que não se interessaram em realizar uma radiografia completa do sistema prisional e denunciar o contingenciamento de valores do Fundo Penitenciário Nacional, que alcançaram o valor de 3,5 bilhões de reais no final do ano de 2016, enquanto a população era iludida sobre a inexistência de verbas públicas para construção de presídios?
 
Duvido sinceramente que o façam. O próprio título do  artigo “Fé no Encarceramento em Massa” dá conta de que o jargão pseudocientífico e a montanha de clichês empregados pelos “especialistas” apenas escondem uma fé cega na “causa” da impunidade, que há de ser defendida a qualquer custo e por todos os meios.
 
Parafraseando Grouxo Marx, àqueles que não comungam dessa mesma fé, os especialistas parecem nos dizer: "Você prefere acreditar em mim ou em seus próprios olhos?".
 
 
¹ http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/07/semiaberto-origina-27-das-prisoes-da-delegacia-de-capturas-do-rs.html
² FERNANDEZ, J. C. A economia do crime revisitada. Economia & Tecnologia. Campinas, v. 1, n. 03, Jul.-Set./1998. p.36-44.
³ LEVITT, S. D. The effect of prison population size on crime rates: evidence from prison overcrowding litigation. The Quarterly Journal of Economics. vol. 111, n. 2, maio 1996, p.319-351.
4 Dados do Reino Unido. Fonte: Basic Economics, Thomas Sowell

quarta-feira, 29 de maio de 2019

TRABALHO PRISIONAL


Menos de 1/5 dos presos trabalha no Brasil; 1 em cada 8 estuda

Levantamento exclusivo do G1 revela números de presos que exercem algum tipo de atividade laboral e que estudam no país. A superlotação e o percentual de presos provisórios é maior que um ano atrás. Déficit de vagas chega a quase 300 mil. GloboNews mostra situação nos presídios.


Por Clara Velasco e Thiago Reis, Bárbara Carvalho, Carolline Leite, Gabriel Prado e Guilherme Ramalho, G1 e GloboNews

26/04/2019 





Superlotação aumenta e número de presos provisórios volta a crescer no Brasil



Menos de um em cada cinco presos (18,9%) trabalha hoje no país. O percentual de presos que estudam é ainda menor: 12,6%. É o que mostra um levantamento do G1 dentro do Monitor da Violência, uma parceria com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.


Os dados, coletados junto aos governos dos 26 estados e do Distrito Federal, expõem uma das principais falhas no sistema penitenciário: a da ressocialização dos presos no Brasil.


Um ano após uma ligeira queda na superlotação, os presídios brasileiros voltaram a registrar um crescimento populacional sem que as novas vagas dessem conta desse contingente. O percentual de presos provisórios também voltou a crescer.


Levando em conta os 737.892 presos do sistema (incluindo os em regime aberto), 139.511 exercem algum tipo de atividade laboral. São 92.945 os que estudam.


Para contar as histórias por trás dos dados, uma parceria foi feita com a GloboNews. Equipes foram a diversos estados para ver a realidade das unidades de perto.




Percentual de presos que trabalham e estudam é baixo no país — Foto: Guilherme Gomes/G1


“A sociedade e o estado esperam que o preso saia e recomece a vida longe do crime, mas a ele não é dado, durante todo o tempo que permanece no cárcere, nenhuma perspectiva, muitas vezes, de estudo e de trabalho”, afirma Maíra Fernandes, coordenadora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais do Rio de Janeiro e ex-presidente do Conselho Penitenciário do Estado.


“Como é que a pessoa vai virar a página da sua vida e recomeçar se ela não sabe um ofício, muitas vezes nunca teve um trabalho lícito antes? Sem dúvida que se houvesse nos presídios não só uma perspectiva de trabalho, mas de formação profissional, a pessoa podia sair dali já tendo meios de se reinserir no mercado de trabalho”, diz. “A população prisional é cada vez mais jovem, e dar uma oportunidade pode fazer, sim, com que esse jovem saia do mundo do crime.”


O Ceará é o estado com o menor percentual de presos trabalhando: apenas 1,4%. O Rio de Janeiro aparece logo depois: 1,7%. Já Sergipe é o que possui o maior contingente exercendo alguma atividade: 37,2%.


A Secretaria da Administração Penitenciária do Ceará informa que, desde o início deste ano, o sistema penitenciário cearense passa por uma profunda reestruturação, desde mudanças práticas de funcionamento até a modificação e melhoria estrutural das suas unidades prisionais.


“Passada a fase inicial do processo, a SAP dedica seus esforços para os serviços de educação e qualificação profissional aos internos do sistema. Em aproximadamente 90 dias já construímos novas salas de aula e conseguimos estabelecer ensino de alfabetização, fundamental e médio a cerca de 1.900 internos. Até o fim deste semestre dobraremos esse efetivo de alunos. Ainda neste mês de abril e começo do mês de maio, lançaremos dois programas que inserem indústrias de peso para o trabalho dos detentos e uma parceria com Senai e Senac, que deve qualificar profissionalmente mais de 4 mil presos até o fim de 2019”, afirma.


Presos estudam na Unidade de Progressão do Complexo Penitenciário de Piraquara (PR) — Foto: Danilo Pousada/GloboNews



Serviços de manutenção em Sergipe


Em Sergipe, o secretário de Justiça e Cidadania, Cristiano Barreto, diz que o número positivo reflete a preocupação com a ressocialização dos detentos. “Uma das primeiras medidas foi instituir uma coordenação, equiparada em autonomia ao departamento que gerencia a parte de segurança, que foca a reinserção social: trabalho, estudo, assistência social e saúde. O preso parado e ocioso tendia a retornar ao sistema. Era preciso conferir a ele uma ocupação para evitar a reincidência.”

Segundo ele, os presos hoje fazem atividades voltadas à manutenção das próprias unidades, como limpeza e auxílio na parte administrativa, além de artesanato. Uma boa parte trabalha também numa linha de montagem de chuveiros elétricos, em razão de um convênio com uma empresa privada. Novas parcerias devem ser firmadas em breve, conta.

“Há dois anos, havia uma oficina de máquinas de costura no presídio feminino desativada por falta de manutenção. Hoje, a realidade é outra. A gente tem um projeto, chamado Odara, que foi inclusive visitado pela ministra Carmen Lúcia e tem sido reconhecido. É um ateliê em que as próprias presas confeccionam diversas vestimentas”, afirma.

Apesar do alto índice de presos trabalhando, o percentual de detentos que estudam em Sergipe ainda é baixo: 3,6% – o segundo menor do país.

“Com relação ao trabalho, existe a questão da diminuição da pena, fora que é remunerado e o preso consegue ajudar a família. É mais atrativo. Além disso, é preciso lembrar que tudo é sempre voluntário. O estado não pode obrigar o interno a estudar. E infelizmente as condições físicas das unidades dificultam, apesar de não serem impeditivas”, diz Barreto. Segundo ele, porém, a parte de salas de aula será melhorada.


Presos trabalham em horta da Unidade de Progressão do Complexo Penitenciário de Piraquara (PR) — Foto: Danilo Pousada/GloboNews




Convênio com a Secretaria de Educação no Piauí





Já o Piauí é o estado com o maior percentual de presos estudando: 40%. O subsecretário de Justiça do estado, Carlos Edilson, diz que o dado é resultado de um convênio com a Secretaria da Educação, que passou a gravar aulas e também fazer sessões por teleconferência.


“Há professores que atendem nos presídios também, mas esse número é grande em razão dessa pactuação feita para os presos que têm assistido às aulas por vídeo. Vale ressaltar que quase todas as unidades possuem uma sala de aula no estado”, diz. “Muitos dos presos aprendem a ler e se alfabetizam dentro da prisão.”


Edilson afirma ainda que há um número elevado de presos participando do programa “Leitura livre”. “Os livros são fornecidos aos reeducandos, que podem ler em suas próprias celas. Depois, eles precisam participar de grupos de discussão e fazer resenhas, que são corrigidas. Isso serve para remição da pena.”


Para Maíra Fernandes, a questão do estudo e do trabalho devia ser prioridade no país. “Devia ser política prioritária, de fato, no sistema penitenciário. E é tão fácil fazer isso com parcerias adequadas. Lembrando que, pela Lei de Execução Penal, o trabalho do preso é remunerado. E é importante que seja remunerado para que ele, quando saia do presídio, possa ter uma reserva financeira, uma renda mínima, para recomeçar sua vida. Não adianta ele sair do presídio pela porta da frente e não ter o dinheiro nem da passagem.”




Unidade de referência no Brasil





O Paraná é um dos estados com o maior percentual de presos que estudam (36,3%) e que trabalham (30,7%). Na Unidade de Progressão do Complexo Penitenciário de Piraquara, por exemplo, todos os presos estudam e trabalham. São cerca de 300 detentos na unidade, que tem apenas dois anos e já virou referência no país.


Para ser admitido no local, o preso não pode ter cometido crimes violentos. Além disso, a ficha criminal é analisada e passa pela avaliação de uma equipe multidisciplinar.


Ao trabalhar e estudar, o detento consegue reduzir a pena e também ganha um salário mínimo. Parte do valor pode ser destinado à família dele, fora do presídio. No local, existe uma biblioteca que é organizada pelos próprios presos. A cada livro lido, há quatro dias de remição de pena. A taxa de reincidência dos presos que saem do local é de apenas 5%.


Todos os presos da Unidade de Progressão do Complexo Penitenciário de Piraquara (PR) estudam e trabalham — Foto: Danilo Pousada/GloboNews


Outras dez unidades semelhantes estão sendo implantadas no estado.


Ruy Mugiati, desembargador e supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo do TJ-PR, diz que se trata de um processo de construção. “Todas as pessoas que visitam a unidade se sentem bem. Porque o ambiente dessa unidade é de construção, e não só do prédio, mas, principalmente, dentro das pessoas. Isso é perceptível. Na sala de aula, no canteiro de trabalho, no local de diversão, no culto ecumênico.”


“Quando saírem daqui, elas vão sair melhores que elas entraram no sistema. É isso que um sistema penitenciário tem que entregar à sociedade como resultado do seu trabalho, essa promessa tem que ser cumprida, para que esse sistema seja efetivamente um sistema de segurança, e não uma escola do crime, porque a sociedade tem que perceber que sustentar uma escola do crime é um fator de grande insegurança, porque ela passa a fazer parte do círculo de violência que atinge a sociedade.”





EUA: educação na cadeia reduz em 43% risco de retorno à prisão


Participaram desta etapa do projeto Monitor da Violência:


Coordenação: Thiago Reis


Dados e edição: Clara Velasco e Thiago Reis


Produção e reportagem: Bárbara Carvalho, Clara Velasco, Carolline Leite, Gabriel Prado, Guilherme Ramalho e Thiago Reis


Imagens (vídeos): Danilo Pousada, David Faria e Rodrigo Pires


Edição de imagens (vídeos): Camilla Machuy, Daniela Adrião e Sérgio Fernandes


Edição de texto (vídeos): Carolline Leite e Lucas Torres


Operação técnica (vídeos): Jundy Leal


Edição (infografia): Rodrigo Cunha


Design: Guilherme Gomes e Igor Estrella

SUPERLOTAÇÃO E PRESOS PROVISÓRIOS


Superlotação aumenta e número de presos provisórios volta a crescer no Brasil

Levantamento do G1 mostra que, um ano após ligeira queda, prisões estão quase 70% acima da capacidade e o percentual de detentos sem julgamento é maior (35,9% do total). São 704,4 mil presos nas penitenciárias; número passa de 750 mil se forem contabilizados os em regime aberto e os detidos em carceragens da polícia. GloboNews mostra situação nos presídios.


Por Clara Velasco e Thiago Reis, Bárbara Carvalho, Carolline Leite, Gabriel Prado e Guilherme Ramalho, G1 e GloboNews

26/04/2019 05h00 Atualizado há um mês





Superlotação aumenta e número de presos provisórios volta a crescer no Brasil


Presos algemados por dias a viaturas em frente a delegacias por falta de vagas no sistema penitenciário. A cena, registrada na última semana em Porto Alegre (RS), é um retrato da realidade do país. Um ano após uma ligeira queda na superlotação, os presídios brasileiros voltaram a registrar um crescimento populacional sem que as novas vagas dessem conta desse contingente. O percentual de presos provisórios também voltou a crescer, mostra um levantamento do G1, dentro do Monitor da Violência, feito com base nos dados dos 26 estados e do Distrito Federal.

Desde a última reportagem do G1, publicada em fevereiro de 2018, foram acrescidas ao sistema 8.651 vagas, número insuficiente para acomodar o total de presos, que cresceu 2,6% em um ano, com 17.801 internos a mais.

Há hoje 704.395 presos para uma capacidade total de 415.960, um déficit de 288.435 vagas. Se forem contabilizados os presos em regime aberto e os que estão em carceragens da Polícia Civil, o número passa de 750 mil.

Os presos provisórios (sem julgamento), que chegaram a representar 34,4% da massa carcerária há um ano, agora correspondem a 35,9%.

Os dados levantados pelo G1 via assessorias de imprensa e por meio da Lei de Acesso à Informação são referentes a março/abril, os mais atualizados do país. O último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), do governo, é de junho de 2016 – uma defasagem de quase três anos. Havia, na época, 689,5 mil presos no sistema penitenciário (e outros 37 mil em delegacias).

Em comparação aos dados colhidos pelo G1 em 2018, o novo levantamento revela que:

o número de pessoas presas foi mais uma vez superior ao de vagas criadas
a superlotação voltou a crescer: de 68,6% para 69,3%
Pernambuco se manteve como o estado com a maior superlotação
o percentual de presos provisórios foi de para 34,4% para 35,9%
Ceará virou o estado com a maior parcela de provisórios




O raio X das prisões no Brasil — Foto: Guilherme Gomes/G1

O Monitor da Violência, criado em 2017, é resultado de uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O G1, no entanto, faz levantamentos sobre a situação do sistema penitenciário brasileiro desde 2014. Desta vez, para que fosse possível fazer uma comparação também com o Infopen, foi pedido o número de presos que cumprem o regime aberto e que não demandam vagas no sistema. Também foi solicitado a todas as secretarias de Segurança Pública o dado de presos em carceragens ou delegacias de polícia.

Alguns estados, no entanto, não têm dados consolidados de presos em regime aberto, pois dizem que a responsabilidade do monitoramento dos sentenciados é da Justiça.




Monitor da Violência mostra que superlotação nos presídios aumentou



O que os números revelam



Para Camila Nunes Dias e Rosângela Teixeira Gonçalves, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, os dados mostram que "a política de encarceramento em massa que o Brasil vem adotando há décadas segue no trilho, firme e forte".

"As prisões jamais – e em lugar nenhum do mundo – demonstraram eficiência em reduzir o crime ou a violência. Ao contrário, especialmente no Brasil e nas últimas três décadas, elas têm demonstrado o seu papel fundamental como espaços onde o crime se articula e se organiza, dentre outras coisas, através de um eficientíssimo sistema de recrutamento de novos integrantes para compor as redes criminais", afirmam Camila Nunes Dias e Rosângela Teixeira Gonçalves, do NEV-USP.

Segundo Thandara Santos e David Marques, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) indica que 37% das pessoas presas provisoriamente enquanto correm seus processos na Justiça não são condenadas à pena de prisão ao final do processo. "Se extrapolarmos a estimativa do Ipea para os dados de 2019, poderíamos estimar que existem, pelo menos, 93 mil pessoas presas injustamente hoje no Brasil."

"Entre os eixos a serem considerados na engrenagem que move esse sistema superlotado encontra-se a relação estabelecida entre as polícias militares, responsáveis pelo patrulhamento ostensivo nas ruas e pela alta produtividade de prisões em flagrante, e o Judiciário, que tem reiteradamente optado pela manutenção dessas prisões", dizem Thandara Santos e David Marques, do FBSP.


Para mostrar a realidade das prisões no país, uma nova parceria foi feita: com a GloboNews. Equipes foram a diversos estados do país (Amazonas, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo) e registraram o drama vivido.


Déficit aumenta ano a ano — Foto: Guilherme Gomes/G1


Superlotação





Todas as 27 unidades da federação seguem com superlotação no sistema. A média geral do país é de 69,3% acima da capacidade.


O levantamento mostra que há hoje 56.641 vagas em construção no Brasil – o que não é suficiente, porém, para cobrir 1/5 do déficit atual.


O estado que tem os presídios mais superlotados do país é Pernambuco, mais uma vez. O estado esteve na primeira posição em todos os levantamentos feitos pelo G1 desde 2014 (com a exceção do de 2017). Hoje, o sistema está 178,6% acima da capacidade.


A situação nas principais unidades se agrava. No Complexo do Curado, formado por três presídios, é comum ver detentos amolando facões, consumindo drogas e falando ao celular. No presídio de Igarassu, na região metropolitana do Recife, presos dividem o espaço amontoados uns sobre os outros. O cheiro de urina é forte.


Corredor do presídio de Igarassu, na região metropolitana do Recife; Pernambuco é o estado mais superlotado do país — Foto: Rodrigo Pires/GloboNews

O presidente do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária do estado, João Batista de Carvalho Filho, diz que quem manda nas cadeias são os “chaveiros”.


“ ['Chaveiros'] são presos escolhidos por outros presos que têm poder e força de facções criminosas muitas vezes. Eles têm as chaves das celas e o controle dos pavilhões. O resultado é prostituição rolando, tráfico de drogas", diz João Batista de Carvalho Filho.


“Hoje o carcereiro vive sob risco, em constante alerta. Há unidades com 200 presos por agente penitenciário. A figura do ‘chaveiro’ já confirma a omissão do Estado”, diz.

Para Edna Jatobá, coordenadora-executiva do Gabinete de Assessorias Jurídicas de Organizações Populares e especialista em segurança pública, há outros fatores que contribuem para a situação atual em Pernambuco. “Há a morosidade do Judiciário, a política de bonificação do Pacto pela Vida, que premia os policiais que mais prendem, e a dificuldade na porta de saída, de penas alternativas, por exemplo.”

Segundo a especialista, “é preciso que haja uma maior sensibilização dos juízes que atuam nas audiências de custódia, para entender que existem outras medidas à prisão, e um maior empenho dos profissionais nas Defensorias Públicas para conseguirem tirar as pessoas que precisam progredir de regime".

"Chama a atenção o uso indiscriminado do instrumento da prisão como explicação para a diminuição da criminalidade. O sistema prisional está falido. Precisa de uma revisão enorme”, diz Edna Jatobá.




Penitenciária Agrícola de Itamaracá, em PE — Foto: Ministério Público/Divulgação

Segundo Pedro Eurico, secretário de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, a população carcerária aumentou porque a criminalidade se radicalizou no país.

"Há um processo nas franjas das periferias das grandes cidades, de um crescimento do crime, sociedades criminosas. Tudo isso colaborou para crescer essa população carcerária. Acho que tem também o problema dos presos provisórios. Infelizmente, acho que Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, até a Ordem dos Advogados, todos que estão dentro da relação processual, tem uma parcela de culpa. Todos temos que fazer uma mea-culpa. Nós prendemos e não julgamos", diz Pedro Eurico.

Ele também defende que Pernambuco tem que focar em penas alternativas e no monitoramento eletrônico. "Eu sou entusiasta do monitoramento eletrônico. É uma questão simples, matemática. Enquanto um preso custa em média R$ 2 mil, R$ 2,5 mil, nos estados de baixo custo, um preso monitorado custa R$ 230. Depois, ele está perto da família. Não está no sindicato do crime, da morte, no qual se transformaram vários presídios no país."




Sistema prisional de Pernambuco tem a maior superlotação do país



Na contramão


O Amazonas é um dos poucos estados que conseguiram reduzir o déficit nas prisões – e pelo segundo ano consecutivo. Após ficar na primeira posição entre os estados mais superlotados em 2017, o estado aparece agora na terceira posição, mas com uma situação ainda crítica, já que está com o sistema prisional 136,8% acima da capacidade.


André Luiz Barros Gioia, secretário-executivo adjunto da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, diz que medidas foram tomadas após o massacre que deixou 67 detentos mortos em três cadeias de Manaus – Compaj, Unidade Prisional do Puraquequara (UPP) e Vidal Pessoa – em janeiro de 2017.


“Como houve uma fatalidade, por uma decisão da Vara de Execução Penal, todos os casos foram analisados e presos foram retirados do encarceramento, do semiaberto, em que tinham que voltar para a unidade na parte noturna. Foram colocadas neles tornozeleiras”, afirma Gioia.





Após massacre de 2017, Amazonas reduz superlotação para 137%

Ele acredita que o contingente de presos possa reduzir ainda mais depois da assinatura, neste mês, de um TAC (termo de ajustamento de conduta) com o Tribunal de Justiça para a adoção do sistema de audiências criminais por videoconferência.

A promotora Christianne Corrêa diz que há muitos desafios, mas vê uma melhora nos últimos anos. “Para quem acompanhou o que houve no massacre de 2017, em janeiro, e vê agora, já observa a evolução positiva do sistema prisional. O problema da superpopulação de presos condenados vem sendo trabalhado dia a dia com mutirões pelo Tribunal de Justiça e pelo Ministério Público. Mas a gente não pode dizer o mesmo em relação aos provisórios [que representam 45% do total]. Essa é a maior demanda hoje”, diz.


Vista aérea do Centro de Detenção Provisória Masculino 2 de Manaus — Foto: Danilo Pousada/GloboNews


Provisórios, audiências de custódia e mutirões


Pela primeira vez desde 2015, o percentual de provisórios cresceu em relação ao ano anterior. Eles representam hoje 35,9% do total. São 252.533 presos aguardando um julgamento atrás das grades.

Ceará é o estado com o maior percentual de provisórios: 63,6%. A Secretaria da Administração Penitenciária diz que "a função institucional do órgão é gerir o sistema prisional". "As ordens de prisão, progressão de regime e liberdade são prerrogativas do Poder Judiciário", afirma.

Apesar disso, a secretaria afirma que, "diante do atual quadro, tem colaborado, junto as outras entidades, para desafogar o sistema penitenciário e garantir justiça. Nos dois últimos meses, em parceria com a Defensoria Pública do Estado, já foram feitas mais de 7 mil revisões processuais e penais. As ações garantiram o direito ao regime semiaberto a 1.187 pessoas, que estão sob o regime de monitoramento e não precisam mais voltar as unidades prisionais".

Minas Gerais é o segundo estado com a maior parcela de presos sem condenação dentro dos presídios: 59,2%. A Secretaria de Estado de Administração Prisional de Minas Gerais informa que participa semanalmente das reuniões do Grupo de Monitoração e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF), realizada com a presença do secretário da Segurança Pública e de Administração Prisional, juízes das Varas de Execuções de várias comarcas do estado e demais representantes do Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública.

“As reuniões buscam estreitar o diálogo com todos os órgãos que trabalham diretamente com a justiça criminal, com a finalidade de buscar soluções conjuntas para as questões pertinentes ao sistema carcerário de Minas Gerais. Além disso, a Seap promove mutirões de atendimento jurídico. Nessa ação, são oferecidas orientações e informações acerca de benefícios, sentenças, recursos, datas de audiência, dentre outros. O objetivo do serviço é acolher e agilizar aquela que é considerada pelos presos a mais importante demanda de atendimento, o andamento processual.”


O TJ-MG diz que irá realizar um mutirão carcerário para novas providências.

Piauí, que esteve em 1º lugar nos últimos dois levantamentos, conseguiu reduzir o índice de provisórios de 65% em 2017 para 53% neste ano, mas o percentual segue alto. O subsecretário de Justiça do estado, Carlos Edilson, diz que foi preciso unir forças.


"Todo o sistema de justiça se reuniu. A secretaria passou todos os dados para a Defensoria Pública, que fez uma análise extramuros e partiu para dentro dos presídios para verificar in loco a situação de cada preso, já peticionando junto ao Poder Judiciário. O número só reduziu porque houve esse pacto envolvendo todos", diz.


Segundo ele, esse trabalho foi feito, em um primeiro momento, na região metropolitana de Teresina. "Agora a gente vai para o interior do estado. E esse percentual tende a cair mais."


Distrito Federal (com 20,4%), Rondônia (21,1%) e São Paulo (23%) são os três estados com o menor percentual do país.


Audiência de custódia no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo — Foto: David Faria/GloboNews


Em São Paulo, a Secretaria da Administração Penitenciária diz que as audiências de custódia têm colaborado para a redução da quantidade de pessoas presas em flagrante no sistema penitenciário.

“A pasta atua em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio das Centrais de Alternativas Penais e Inclusão Social (Ceapis), as quais têm como funcionalidade o atendimento das pessoas encaminhadas pelo Poder Judiciário, após passar por audiência de custódia, para identificar demandas assistenciais, sociais e psicológicas, ligadas ou não ao delito cometido. As Ceapis surgiram em 2015 e atualmente contam com 23 unidades no estado. O atendimento ao público alvo nas Ceapis tem enfoque restaurativo e atua em conjunto com uma rede parceira, que colabora com o atendimento especializado para suprir certas carências que levaram o indivíduo a cometer o delito.”


Dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) mostram que, em pouco mais de dois anos, de 55 mil audiências feitas no estado, 26 mil (ou seja, quase metade) acabaram com a liberdade provisória do detento.




Audiências de custódia ajudam a combater superlotação prisional em SP


Presos em delegacias

Outro número que chama a atenção é o de presos em carceragens de delegacias. São pouco mais de 16 mil. No último relatório do Infopen, havia quase 37 mil nesses locais.

Praticamente todos os estados reduziram o número ou acabaram com os presos nas estruturas policiais. A exceção é o Paraná. O estado tem hoje 11 mil presos nas carceragens de polícia.


Delegacia de Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, tem 107 presos para apenas 36 vagas — Foto: Danilo Pousada/GloboNews

Para o promotor Alexey Choi Caruncho, do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública, o estado do Paraná vivencia há mais de uma década duas realidades distintas.

“Cerca de 2/3 estão nas penitenciárias e o outro 1/3 está nas delegacias de polícia. Então há uma realidade dentro das penitenciárias e outra no âmbito das delegacias, que estão muito mais superlotadas, com taxas de excedente altíssimas”, diz.

Os dados evidenciam isso. Se for levado em consideração apenas o sistema prisional, a superlotação no Paraná é a menor do país: 15,4%. As delegacias, porém, estão 61,8% acima da capacidade.




Paraná alterna presídios-modelo com carceragens superlotadas


“É necessária uma gradativa redução dos presos em carceragens de delegacias. É preciso que toda a população prisional esteja submetida a uma única gestão, uniforme. Isso também irá desonerar a própria Polícia Civil. Fazer com que a polícia não precise se preocupar com presos, com cuidados como alimentação, visita, problemas como rebeliões."


"Esse desvirtuamento das funções da Polícia Civil recai imediatamente na segurança da sociedade. Enquanto existirem policiais cuidando de presos, eles não poderão investigar. Não investigar significa impunidade”, diz o promotor Alexey Choi Caruncho.

Francisco Caricati, diretor-geral do Depen-PR, diz que isso será feito. “Desde a época do Império já havia o entendimento de que a pessoa que prendia não executava a pena. Havia essa separação. Por um motivo ou outro, as políticas penitenciárias que foram feitas no estado, até recentemente, recaiam sobre as cadeias públicas, principalmente no caso de presos provisórios. Mas agora há a política de absorver todos os presos no sistema, sendo eles provisórios ou condenados, e fazer todo esse trabalho que está sendo desenvolvido aqui no estado.”

“No modelo atual, a gente entende que, para contornar a questão de vagas no sistema penitenciário, não há outra alternativa a não ser a construção de novos presídios. É a medida paliativa para o sistema atual. No entanto, os programas que estão sendo implantados, da ressocialização de presos, com o tripé trabalho-educação-religião, visam, a longo prazo, que as vagas sejam cada vez menores”, diz.


Presos sofrem com superlotação em carceragem de delegacia no Paraná — Foto: Danilo Pousada/GloboNews


No Amazonas, são mais de 1.400 presos nas delegacias – dado considerado alto. O governo diz que esses presos estão nos locais porque não há unidades prisionais na maioria dos municípios do estado. Mas afirma que a intenção é que, em breve, todos migrem para o sistema penitenciário.


Já o Ceará, que, segundo o último Infopen, abrigava quase 12 mil presos nas delegacias, reduziu o número a menos de 500. A Polícia Civil diz que o processo de desativação de xadrezes em suas unidades foi iniciado no ano passado e segue em andamento.


“Atualmente, 24 das 49 delegacias em Fortaleza e na Região Metropolitana de Fortaleza estão com xadrezes desativados. O processo de extinção ocorre de forma planejada e à medida que novas vagas são disponibilizadas pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). Reuniões semanais são realizadas com representantes da Polícia Civil, Poder Judiciário e SAP sobre o assunto.” De acordo com a polícia, a realização de audiências de custódia teve papel importante nesse processo.


Estados como Bahia, Distrito Federal, Goiás e Rio Grande do Norte dizem que o número de presos em carceragens varia dia a dia, mas que não é mais representativo.


No Rio Grande do Sul, onde foi feito o flagrante dos presos algemados a viaturas, a Superintendência de Serviços Penitenciários diz que tenta encontrar vagas no sistema prisional para que cenas como essa não voltem a ocorrer. O problema é que o déficit de vagas atualmente é de cerca de 14 mil.





Rio Grande do Sul tem déficit de mais de 10 mil vagas no sistema prisional




O que diz o governo federal

Questionado sobre a defasagem de dados nacionais sobre as prisões, o Ministério da Justiça e Segurança Pública diz que ter números atualizados é uma das prioridades da atual gestão do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).

"A equipe está dedicada em finalizar os relatórios de 2017, no primeiro semestre deste ano, e de 2018, ainda neste ano", informa a pasta.

O ministério afirma, ainda, que o Depen está trabalhando para aumentar a execução e aperfeiçoar a aplicação e o acompanhamento das obras de unidades penais. Essas obras devem gerar, segundo a nota, entre 10 mil e 20 mil vagas em 2019 e entre 20 mil e 30 mil vagas em 2020.

O Depen também destaca outras ações que estão sendo tomadas, como a elaboração de uma medida provisória, visando a possibilidade de contratação de engenheiros, por tempo determinado, para atender ao departamento. Além disso, está sendo feito um diagnóstico situacional das obras financiadas pelo Fundo Penitenciário Nacional (Funpen).


"O Depen está auxiliando na estruturação de equipes de engenharia em cada região do país e atuando no diagnóstico situacional das obras financiadas pelo Funpen para que seja possível a elaboração de plano de ação para continuidade e conclusão das obras."


Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus — Foto: Danilo Pousada/GloboNews


Participaram desta etapa do projeto:


Coordenação: Thiago Reis


Dados e edição: Clara Velasco e Thiago Reis


Produção e reportagem: Bárbara Carvalho, Clara Velasco, Carolline Leite, Gabriel Prado, Guilherme Ramalho e Thiago Reis


Imagens (vídeos): Danilo Pousada, David Faria e Rodrigo Pires


Edição de imagens (vídeos): Camilla Machuy, Daniela Adrião e Sérgio Fernandes


Edição de texto (vídeos): Carolline Leite e Lucas Torres


Operação técnica (vídeos): Jundy Leal


Edição (infografia): Rodrigo Cunha


Design: Guilherme Gomes e Igor Estrella

sexta-feira, 17 de maio de 2019

EXECUÇÃO PENAL NO RS MUITO ACIMA DA CAPACIDADE



QUASE 40 MIL PRESOS. Sistema prisional do RS está 43% acima da capacidade. Com 39.764 detentos, Estado tem déficit de pelo menos 11,9 mil vagas nas casas prisionais
ZERO HORA 03/08/2018 


LETICIA MENDES



Rio Grande do Sul está próximo de atingir 40 mil presos, maior população carcerária até hoje. Félix Zucco / Agencia RBS


Há um ano e meio, a descoberta do túnel que partia debaixo de uma casa na Rua Jorge Luiz Medeiros Domingues em direção ao Presídio Central, em Porto Alegre, frustrou fuga em massa. Restavam cerca de 60 metros de escavação para chegar até a cadeia com a maior superlotação no Rio Grande do Sul. O plano era usar o caminho como rota para fuga de até mil detentos.


O episódio evidenciou os perigos de um sistema que convive com o colapso. Somente nos últimos quatro anos, quase 15 mil pessoas foram encarceradas no Estado. Em uma equação complexa, o RS está prestes a alcançar 40 mil presos (39.764), maior população carcerária até hoje, e acumula déficit de 11,9 mil vagas, que representa 43% acima da capacidade. Os dados são da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).


Com mais de duas décadas de atuação na aplicação de penas, o juiz Sidinei José Brzuska, da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital, entende que a falta de espaço é ainda maior. O magistrado defende que a conta deveria somar outros indicadores, como números de condenados e foragidos. Somente neste ano, 15 mil pessoas receberam condenações no Estado. Há ainda, pelo menos, 12,9 mil mandados em aberto, segundo o Conselho Nacional e Justiça.


Brzuska afirma que o caos acaba por empurrar para outros tipos de prisão pessoas que deveriam estar atrás das grades. No Rio Grande do Sul, 5 mil cumprem pena em casa.


— Esse sujeito só está solto porque não tem lugar. Se não, estaria preso também. Eles precisam ser contabilizados nesse déficit — analisa.


É uma violência que se pratica contra a polícia quando se trata como exclusivamente dela uma solução que não pode dar. 
SIDINEI BRZUSKA. Juiz da VEC


O juiz considera que o inchaço no sistema prisional está atrelado ao aumento das detenções por parte das polícias nos últimos anos. Para ele, enfrentar o caos passa por outras medidas que envolvem áreas como educação, esporte e saúde.


Em solo gaúcho, 61% dos presos tem apenas Ensino Fundamental incompleto. Em contrapartida, apenas 0,4% tem Ensino Superior completo. Para o magistrado, esse fator expõe a necessidade de criar estratégia ampla de combate à criminalidade.


— É uma violência que se pratica contra a polícia quando se trata como exclusivamente dela uma solução que não pode dar. A polícia responde prendendo mais gente, que é o que pode fazer. Vai ter esses números cada vez mais altos de detidos, mas as pessoas não se sentem mais seguras por isso. Pode fazer vaga de cadeia à vontade que não vai adiantar nada. É preciso tratar como algo transversal — critica Brzuska.
Presídio Central, em Porto Alegre, é a casa prisional com maior superlotação no EstadoFélix Zucco / Agencia RBS


Subprocurador-geral de Justiça, Marcelo Dornelles, entende que a gravidade dos crimes praticados justifica o aumento nos números de detenções.


— O principal problema de segurança do Estado e do Brasil é o sistema prisional. É uma contradição inchar o sistema? Não, não tem muito o que fazer. Deixar os caras livres não pode. A gente tem trabalhado nos dois flancos, nas prisões e no auxílio para criação de vagas — afirma o representante do Ministério Público.


O investimento em casas prisionais com sistema diferenciado, como no Complexo Penitenciário de Canoas, construído para abrigar somente detentos sem vínculo com facção, é visto pelo subprocurador como forma de tentar evitar que novos encarcerados sejam arregimentados pelo crime organizado:


_ É uma alternativa ao preso que não quer entrar em facção. É preciso tratar o novo de forma diferenciada, isso é fundamental, senão a gente só vai enxugar gelo.



As novas prisões



Porto Alegre
Nova unidade prisional deve receber somente presos com condenaçãoFélix Zucco / Agencia RBS


O Presídio Central, com cerca de 4,5 mil detentos e capacidade para 1,8 mil, tem o maior déficit entre as casas prisionais. Ao lado dele está sendo construída a Penitenciária Estadual de Porto Alegre, que só deve receber presos condenados, prevista para ser inaugurada em setembro de 2019, com 416 vagas. A obra é realizada a partir de permuta do governo do Estado com o grupo Zaffari.


Bento Gonçalves
Obra de presídio na Serra, com 420 vagas, deve ser concluída em janeiro - Marcelo Casagrande / Agencia RBS


Com sistema de abertura e fechamento automático de portas, o novo Presídio Estadual de Bento Gonçalves promete evitar chaga que levou o Central à condição atual: galerias com celas permanentemente abertas, nas mãos de detentos, que criam hierarquias e favorecem o crescimento de facções. Agentes penitenciários irão monitorar a rotina do alto de plataformas sobre os corredores. O presídio terá capacidade para 420 presos. A obra deve ser finalizada até janeiro.

sábado, 27 de abril de 2019

SUPERLOTAÇÃO AUMENTA





Monitor da Violência mostra que superlotação nos presídios aumentou

O levantamento é uma parceria do G1 com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Núcleo de Estudos da Violência da USP.


Por Jornal Nacional 26/04/2019.

Um levantamento, publicado nesta sexta-feira (26), mostrou que a superlotação nos presídios brasileiros aumentou. É o que mostra o Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Núcleo de Estudos da Violência da USP.


O Brasil tem hoje mais de 700 mil presos em regime fechado, enquanto nos presídios a capacidade é de 415 mil. Faltam quase 300 mil vagas. Em um ano, a população carcerária de novos internos cresceu num ritmo maior que o da criação de vagas.


Pernambuco mantém o recorde. É o estado com a maior taxa de superlotação do sistema carcerário do país. O índice chega a 179%. Isso significa que a quantidade de presos é quase três vezes maior do que a capacidade dos 23 presídios e penitenciárias do estado.


Ainda segundo o levantamento, as cadeias de Roraima, Amazonas e Distrito Federal estão as mais superlotadas do país.


O presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Justiça e Administração Penitenciária, Pedro Eurico, diz que para resolver a falta de vagas a conta é muito alta.


“Sabe quanto é que se precisa para reduzir, resolver o problema do déficit do Brasil hoje? R$ 97 bilhões. Esse dinheiro não existe nem na União nem nos estados”, disse. Perguntado se a superlotação vai continuar, Pedro Eurico respondeu: “Infelizmente vai, mas aí é que nós temos que trabalhar com monitoramento eletrônico, agilidade no julgamento dos presos, reduzir o preso provisório e ampliar a prestação de penas alternativas à sociedade”.


Não é o que está acontecendo. O número de presos provisórios voltou a crescer. Há um ano eram 34% e agora são quase 36% do total. Mais de 250 mil detentos esperam julgamento.


Aguardam em meio à ociosidade. O Monitor da Violência revela que menos de 20% dos presos brasileiros trabalham e o percentual dos que estudam é menor ainda: 12,6%.


“Sem estudo, sem trabalho e sem perspectiva de um futuro, esse preso vira refém, vira a presa fácil das facções criminosas. E depois a sociedade precisa decidir se ela prefere que quando esse preso sair, ele cumprir a sua pena, ele vai ser um soldado do crime organizado ou se ele vai se reintegrar à sociedade. A gente precisa entender que a gente precisa investir no sistema prisional se a gente quer ter paz e tranquilidade na sociedade”, afirmou Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O custo de 97 bilhões citado na matéria para solucionar esta mazela na execução penal é exorbitante, mas muito pouco diante das vidas perdidas para o crime, do terror que estes bandidos colocam nas comunidade, do empoderamento das facções, da impunidade e dos valores gastos no Congresso Nacional em privilégios, supersalários, indenizações, emendas, etc. A criação de pequenas unidades prisionais modelo APAC em todos os municípios do Brasil, conveniados com a economia local, para abrigar aqueles presos que queiram se recuperar pelo trabalho, já daria um boa solução contra a superlotação e aliciamento pelas facções, atingindo o propósito de atender a finalidade da pena e os objetivos da execução penal, com um custo menor. A construção de Presídios de segurança máxima são necessários para isolar as lideranças e os presos perigosos, mas devem ser construídos com todo o aparato de segurança, higiene e disciplina, em municípios sedes de microrregiões e em locais longe de aglomerações humanas. A proposta de soltar os presos é amadora, omissa, leniente, permissiva, ingênua e irresponsável que vai aumentar ainda mais a violência, a impunidade e o empoderamento do crime. É lavar as mãos soltando os bandidos e sacrificando os inocentes.



domingo, 2 de setembro de 2018

CADEIA PÚBLICA DE PORTO ALEGRE, DIFERENTES REALIDADES

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Por que será que insistem em falar em "sistema prisional" (sistema que não existe) quando o problema está na "execução penal"?

CORREIO DO POVO 01/09/2018

Cadeia Pública de Porto Alegre reúne diferentes realidades

Reportagem do Correio do Povo acompanhou rotina do presídio que abriga 5 mil detentos


Franceli Stefani


Eram quase 7h quando a revista geral da quinta-feira iniciou na Cadeia Pública de Porto Alegre (CPPA), também conhecida pela antiga nomenclatura, Presídio Central. Após se concentrarem no auditório, no último dia 16, a policial militar que estava com as chaves do portão de acesso ao interior da casa prisional retirou o cadeado, abriu a grade e liberou a entrada dos policiais que participam dos trabalhos. No dia em que a reportagem acompanhou por mais de oito horas o serviço dos agentes, a ação ocorreu no pavilhão F, onde três galerias aglomeram juntas mais de mil presos.

Primeiro, o efetivo do Grupo de Apoio e Movimentação (GAM), ainda durante a madrugada, por volta das 5h30min, dava início ao procedimento. Após ter a definição do local em que a revista aconteceria, os ocupantes do espaço foram avisados. O comandante do grupo, primeiro sargento Lélio Duarte Machado, explica que inicialmente ocorre o esvaziamento do local. É feita a revista minuciosa e, posteriormente, a revista estrutural. Semanalmente, a escolha é aleatória. “Retiramos os apenados em grupos, uma galeria por vez e é feita a revista no saguão do pavilhão A. É formada o que chamamos de linha, com o efetivo, para coletar algum material que eles possam tentar levar para o pátio durante nossa ação”, frisa, lembrando que em dia de revista, a rotina da cadeia é alterada e o fluxo de encarcerados nos corredores é reduzido.

Pouco a pouco, os homens, de todas as idades, a maioria da cor branca, vão caminhando em direção aos brigadianos, que os aguardam com luvas de borracha e máscaras. Um a um são revistados. Tudo o que o apenado carrega, além de blusões, casacos e calçados usados, é colocado atrás de uma linha amarela que percorre grande parte do corredor do pavilhão A. Nesse momento, é conferido o que cada um porta. Da caixa de remédios até o interior do tênis. Alguns são flagrados com pequenas porções de entorpecentes e são levados para a confecção do registro. Enquanto os demais, após o procedimento, são liberados e encaminhados ao pátio do pavilhão D, onde aguardam até o término do trabalho.

“Esse é o procedimento até o esvaziamento completo do local, a partir de então subimos para o pavilhão e começamos, galeria por galeria, a fazer o que chamamos de varredura.” Um grupo inicialmente checa se não ficou nenhum preso para trás, dormindo ou que não tenha descido. Em seguida, cada canto das minúsculas unidades, preenchidas por beliches, apetrechos individuais e um banheiro, é verificado. “Os materiais ilícitos que mais encontramos são drogas e celulares. São muitos, até porque temos incidência de arremessos feitos da rua para o pátio. Temos ainda as armas artesanais, mas não são constantes”, explica Machado.

Todos os materiais encontrados são levados até o setor responsável pela inteligência da Cadeia Pública para ser feita a contabilidade. No dia 16, logo no início dos trabalhos, foi encontrada uma pequena quantidade de droga na parede de uma das celas. O pacote estava em um compartimento falso, feito pelo apenado ao lado da cama em que dorme. Em outra, logo em frente, celulares e carregadores foram localizados em um buraco no encanamento do chuveiro. Mais para frente, dois policiais desconfiaram de uma terra mexida em baixo de onde fica o banheiro: mais material ilícito encontrado.

Segundo Machado, há dias em que a atuação é rápida, porém, às vezes as buscas levam um longo período. Já ocorreu de os militares terminarem às 20h. Entre as atribuições do GAM, além da revista, está verificar as galerias e a movimentação dos presos. A equipe destinada a missões é considerada fundamental para o andamento do serviço prisional na unidade.


Um mundo à parte



No pavilhão alvo da revista, os presos estão divididos em três galerias. Na “primeira do F”, como é chamada pelos policiais,estão os presos primários, que chegam sem condenação. Logo acima, estão as outras duas repartições, onde ficam integrantes de uma facção criminosa específica. Em cada uma das galerias são cerca de 300 presos. Eles se dividem em celas, que não possuem cadeados, com números variados de beliches. As camas são dispostas conforme o espaço, há quem durma no chão também. No corredor, também há homens, dispostos próximos à parede para que fique um corredor para facilitar a passagem. Isso porque não há lugar para todos. São os presos que limpam e organizam seus espaços.

Nas primeiras celas vivem os chamados plantões. São os representantes da galeria. Eles normalmente dividem o local com menos detentos. No espaço que vivem têm geladeira, forno, fogão, banheiro limpo e televisão individual. Quanto mais se anda, as condições do cárcere vão se modificando. No fundo de cada galeria há uma cantina, com arroz, feijão, refrigerante e outros produtos à venda para os presos. Muitos cozinham suas refeições na própria cela. Na porta de algumas, há anúncio de venda de cigarros. No interior de outra, sobre uma cama, uma caderneta com a contabilidade daqueles que já haviam pago e de quem tinha “pendurado”.

O diretor da CPPA, tenente-coronel Carlos Magno da Silva Vieira, afirma que, como prevê a lei, há na cadeia uma cantina. É como se fosse um supermercado onde, com recurso próprio, o preso pode ir até o local e comprar algum dos gêneros dispostos. “O Estado disponibiliza café, almoço e janta.” Ou seja, ninguém é obrigado a adquirir nada nesses espaços de comércio, o básico é ofertado diariamente para cada detento.


RICARDO GIUSTI - Normalmente os representantes das galerias vivem em celas com aparelhos como geladeira, forno e televisão



Um sopro de esperança



Em um dos espaços funciona a Atividade de Valoração Humana (AVH). Na Escola de Artes, um preso de 41 anos faz e transmite o conhecimento adquirido. Pintura, escultura, grafite, resina, talha em madeira e outros detalhes embelezam, mas muitas vezes seus autores passam despercebidos para os que lançam o olhar para o Central. Há sete anos no projeto, oito preso, ele ensina sua arte para quem resolve se engajar na iniciativa. Atualmente, 11 pessoas estão integradas na AVH.

O homem, que antes de entrar para o crime era um talentoso tatuador de Porto Alegre (requisitado por famosos), revela que está atrás das grades por homicídio, diz que “enganos da vida” traçaram esse caminho. “Devido ao alcoolismo, me deslumbrei com a luxúria e acabei aqui para corrigir meus erros. Muitos artistas que se mantêm anônimos passaram por aqui, pela escola. O projeto é o mais antigo que existe em atividade na cadeia, pelos meus registros, desde 1990”, conta. Hoje, ele acredita que tem uma nova chance, inclusive com o dinheiro da atividade laboral já comprou ferramentas para uma oficina de arte, além disso pretende voltar a tatuar.

A fala mansa e olhar calmo transmitem a esperança de uma ressocialização. Em breve, deverá ganhar as ruas e ter a possibilidade de recomeçar. Segundo ele, pronto para uma vida distante da que o levou até a Cadeia Pública. “Já fiz os exames necessários e estou no aguardo dos papéis para que eu possa sair daqui.” Enquanto fala da sua história, mostra os quadros que já pintou, locais em que já expôs, além de lembrar que uma de suas obras está na casa da presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Cármen Lúcia Antunes Rocha.

O artista salienta que não é todo apenado que pode atuar na atividade. “Lidamos com materiais contundentes, então, para se integrar, cada candidato passa por seleção com profissionais habilitados. Aqui a gente ensina, agora se a pessoa vai usar com sabedoria é de cada um. Temos plantado uma sementinha.” Responsáveis pelo layout da instituição, eles também elaboram a decoração para as ações que acontecem dentro da cadeia, como as atividades da Festa de Páscoa.

RICARDO GIUSTI - Na revista feita com a presença da reportagem, foram entradas armas artesanais e celulares



A luta contra a dependência




Entre tantos espaços na cidade chamada Cadeia Pública há um especial, na galeria E1. Tem cheiro e cor diferentes das demais acomodações. Não há sujeira, tudo é cuidadosamente arrumado pelos próprios detentos, que juntos buscam a força que muitas vezes parece distante. O projeto Luz no Cárcere nasceu para que os dependentes químicos conseguissem se livrar do vício. No dia 17 de agosto, completou sete anos.

Todos os que moram no espaço já viveram nos pavilhões localizados no fundo do Central. Questionados de quais galerias saíram, a maioria responde: F, B, D (grande parte) e A. Na vida de cada um, a escolha fez uma grande diferença. Ao contrário daquela parte do complexo, a E1 nem parece um local de reclusão e regime rigoroso. É um lar. Um dos líderes, um homem alto de olhos verdes, aos 35 anos afirma ter esperança de construir uma nova história quando sair do sistema prisional.

“Certamente, 85% da massa carcerária usa produto ilícito. Tudo gira em torno da droga. Cada um que está aqui optou pela transformação, por mudar de vida, se afastar de facções”, revela. A minoria, no entanto, se considera multiplicadora de boas novas. O caminho para chegar até o pavilhão, porém, não foi fácil. “Reconhecermos que precisamos de ajuda é difícil. Muitos nem chegam a ter essa chance e partem antes de tentar.” Segundo ele, a direção da casa disponibiliza opções para mudar de vida. Os interessados passam por psicólogo, assistente social, psiquiatra e, caso cumpram os requisitos, permanecem 21 dias para desintoxicação no Hospital Vila Nova.

“Aqui é muito diferenciado, não é galeria como lá no fundo. É outro clima. Temos atividades diárias.” Preso há quatro anos e oito meses, há dois anos e sete meses resolveu mudar. “Se não tivesse optado pelo projeto, não saberia o que seria da vida. Desde os 13 anos era dependente. Foram 20 anos nas drogas.” Com a estrutura familiar abalada, o homem, natural de Igrejinha, disse que sempre foi vinculado a facção e há quatro anos e nove meses não via suas irmãs.

Há algum tempo, em uma Festa da Família na unidade, elas apareceram. “Me disseram que fazia mais de 20 anos que não me viam de verdade. Joguei fora muitas oportunidades e hoje agradeço o resgate feito através do projeto.” Devido à prática de assalto e homicídios, sem conseguir ficar no semiaberto e ter sido preso sete vezes, garante que consegue ver as coisas de outra maneira. “Hoje eu não trocaria meu melhor dia de drogadição livre pelo meu pior dia preso, mas limpo e lúcido.”

O pequeno grupo difere da massa carcerária acumulada em corredores de pavilhões e celas. Vivem de maneira mais leve. Sentado no fundo da sala, um apenado de 31 anos conta que nunca teve envolvimento com facção, porém, cometia assaltos. Em um desses, acabou preso. “Quando cheguei aqui, escolhi uma galeria ‘faccionada’, porém busquei uma alternativa para, no futuro, sair sem problema com a minha família e onde moro. Não sair devendo.”

Ele lembra que a partir do momento que é feita uma vinculação, a dívida começa. Normalmente, as lideranças fornecem colchão, lugar para dormir e algumas regalias, porém, o débito cresce. “Ou seja, já sai tendo que cumprir mais delitos. Sairei de cabeça erguida, sem nada pendente com a parte de trás, mas com a da frente, a família, nosso resgate pessoal e vínculo familiar. Quero sair sem medo.”
A mudança começa na cadeia, não do lado de fora.

A opinião é do homem que levou seis meses no fundo do Central para chegar até a frente. Agora, completa sete meses sem usar drogas e com nova vontade. “Acordo e agradeço por estar limpo, lúcido e em um lugar digno, em que eu possa morar. Estou há um ano neste endereço, cumprindo a pena com dignidade, aguardando a visita com dignidade, em um lugar limpo, sem opressão, sem aquele clima pesado de cadeia. A minha mãe entra, conversa com todo mundo, dá risada, então é algo diferente.”

De acordo com o detento, lá atrás a tensão é companheira presente. O caminho para chegar até o familiar, no caso do visitante, é longo e demorado. “É um vira para lá, vira para cá, é visita passando. Aqui é diferente. A mãe conversa com a Brigada Militar, chega aqui, me conta história. A gente fica mais tranquilo porque não vem com aquela carga pesada. Ela vem tranquila porque vai me ver bem, não estarei sujo, fedendo, sem a roupa que me deu. Mesmo preso, tenho minha dignidade de volta.”

RICARDO GIUSTI - O representante da galeria dos homossexuais conta que o grupo tem suas próprias regras de convivência, além das estabelecidas pelo sistema prisional



Vários presídios em um só



Além de toda a trajetória, carregada de rebeliões, fugas e mortes. Os corredores do antigo Presídio Central têm diversas histórias. Há o lado mais falado e temido, o das facções criminosas, mas também existem grupos sem faccionamento, que estudam, trabalham, aprendem, participam de projetos e tentam tirar algo de positivo de um angustiante período sem andar por ruas, frequentar bares ou supermercados. No interior das galerias, há os próprios comércios, além de um centro comum de compras, localizado no centro da cadeia, em um espaço terceirizado.

Com o aumento do número de presos, o Rio Grande do Sul foi o segundo Estado a ter ala destinada a travestis e homossexuais, inaugurada em 2012, com pompa e glamour. No novo local, cor, organização, biblioteca e parcerias. Os colegas de cárcere, hoje, vivem com segurança. Convivem nos corredores, tomam chimarrão, projetam o futuro e recebem visitas. Hoje, são 17 pessoas no local. O número é variável. Atualmente, são priorizados aqueles que são declarados homossexuais. Isso porque já houve mais abertura, mas os presos contam que não deu certo, já que muitos não conseguiram aceitar a diversidade.

Conforme o plantão da galeria, um homem de 32 anos, o Espaço Homossexual foi uma conquista. Enquanto se desculpava pela bagunça da casa, já que era dia de “geral” (como chamam a revista das quintas-feiras) e normalmente dormem até mais tarde já que passam os turnos nas celas, contava um pouco da sua história. Natural de Caxias do Sul, onde não há esse espaço no presídio, chegou no Central em 2014. “Lá eu estava dentro de um brete porque os outros presos não me aceitavam, vim de trânsito e conheci aqui, então pedi transferência e consegui.” Há um ano como representante do grupo, afirma que o local possui regras, além das impostas pelo sistema prisional. “Elas devem ser seguidas por todos. Quando acontece alguma coisa, conversamos internamente. Se percebemos que a situação segue, levamos para supervisão.”

Condenado há 12 anos por tentativa de homicídio, cumpre o final da pena. Deve sair em abril de 2019. Ao contar sua história, reafirma que o que o levou à cadeia foi uma exceção. “Eu não era uma pessoa do crime. Foi o único. Tenho formação superior, em administração de empresas e pedagogia, acabei me envolvendo em uma situação que me fez destruir minha vida. Luto muito para sair daqui e conseguir, não digo reconstruir, porque tenho ciência de que tudo o que tinha, eu perdi. Vou ter que construir coisas novas. É tudo novo.” Com a família ao lado, ele tem certeza que não errará novamente.

Enquanto relembra sua caminhada, diz que somente quando um indivíduo entra no sistema prisional é que percebe a importância do pai e da mãe. “Amigos e pessoas próximas, todos desaparecem. Não existe mais ninguém. Nessa hora de dificuldade, tu só pode contar com aquelas pessoas que tu menos ouve quando está bem. Tu acha que eles são de outra época e não têm nada para ensinar.” De acordo com ele, os pais o alertaram das situações de risco em que se envolvia, porém não foram levados a sério. “Saio mais maduro e seguro daqui. Aprendi a ouvir mais.” Atualmente, a maioria dos presos da galeria tem média de 25 anos, pelo menos três têm nível superior, sendo que os crimes mais comuns são assalto e tráfico.

RICARDO GIUSTI - Em muitas galerias há uma espécie de cantina, onde os presos compram gêneros alimentares



NEEJA: da alfabetização ao nível médio



O Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos (Neeja) Desembargador Alaor Antônio Terra atende a população carcerária da Cadeia Pública de Porto Alegre. O diretor do núcleo, Lourenço Rafael Seger, diz que há capacidade para 240 presos interessados. Atualmente são 217 que regularmente frequentam as atividades da instituição. “Esse número é flutuante, semanalmente nós temos trocas, porque há saídas, liberdades, então sempre inserimos novos. São duas etapas de provas anuais. Os alunos que manifestam interesse em vir à escola, nos encaminham a solicitação, é feita a triagem, em função de galerias e vagas em disponibilidade, e os matriculamos”, detalha.

Limpo, aconchegante, com professores usando jaleco, o Neeja é acolhedor e diferente da maioria das galerias da unidade. É a perspectiva de mudança pela educação. “Temos um bom grupo, apenas em dias que há revista temos variação, pela restrição de circulação”, diz. Além da sala dos 17 educadores e da direção, o espaço tem uma biblioteca com sete mil volumes, oito salas de aula, laboratório de informática (sem acesso à Internet) e uma sala de áudio e vídeo.



Reincidência




Os dados obtidos pelo Sistema Cognos, em 3 de dezembro de 2017, o índice de retorno ao sistema prisional gaúcho é de 71,4% dos homens e 58,3% das mulheres. Quando o número é de ambos os sexos, a média é de 70,7%. Na CPPA, o diretor, tenente-coronel Carlos Magno da Silva Vieira, diz que os projetos realizados ajudam os presos a terem uma nova vida quando saírem da casa prisional. Há casos que dão certo. Em cinco anos, por exemplo, foram cerca de mil pessoas que conseguiram encontrar um novo caminho. “Temos o projeto de desintoxicação do E1 que já recebeu cerca de 500 pessoas. Boa parte dos presos que foram para a Penitenciária Estadual de Canoas saíram daqui com o perfil de trabalhador. Temos cerca de 800 presos trabalhando em liga laboral. Todos eles são pessoas que querem e, conforme as psicólogas e assistentes sociais, têm tendência a não retornar ao crime”, declara.Outros já têm carteira de artesão, após passarem longos períodos tendo aula e desenvolvendo habilidades.

De acordo com o subcomandante-geral da Brigada Militar, coronel Eduardo Biacchi Rodrigues, dentro da cadeia eles aprendem a ter regras. Tanto que o respeito é mútuo durante o relacionamento entre policiais e apenados. Tudo o que ocorre fora das cadeias, não é represado lá dentro. Eles cumprem as normas, têm horário para banho de sol, para receber visita e para tarefas que optam por desempenhar. “O principal desafio é manter a ordem e a paz, com respeito. A gente faz muita gestão.”

RICARDO GIUSTI - Na galeria E1, dependentes químicos buscam construir uma nova forma de viver, livre das drogas




Os irmãos



Ao passar pelo pavilhão I já era possível ouvir, ao fundo, o som de uma canção gospel. Não era apenas uma voz, mas várias, que, a cada passo, se aproximava. Os policiais que acompanham a visita explicam que a música vem do J, também conhecido como o pavilhão dos “Irmãos”. São duas galerias destinadas aos evangélicos e outra, a primeira, aos presos por Maria da Penha e crimes de trânsito.

Enquanto as portas de ferro são abertas pelos policiais militares, as vozes vão ficando mais nítidas. Um preso, que se apresenta como o responsável pela galeria, conta um pouco sobre os 82 apenados que dividem o espaço. “A convivência é tranquila, a maioria é primário e não tem envolvimento com nenhum tipo de facção. Durante o dia, passamos cantando louvores, jogando alguma coisa para se entreter”, detalha o porto-alegrense, que conta já ter morado em outros lugares.
Duas galerias acima, estão os “irmãos”. Com o mesmo plantão responsável pelos dois espaços, que abrigam 50 homens, um homem de 36 anos ressalta a importância da fé. “Não usamos drogas, não fumamos, não temos nada de vício. Somos trabalhadores religiosos e levamos a palavra. Aqui somos, na maioria, ex-traficantes, que vieram para cá e conseguiram se encontrar.”

Segundo o líder, muitos eram rejeitados pelas famílias e nem visitas recebiam. Com o passar do tempo e a mudança de galeria, a situação mudou. “Eles retornaram com as visitas, a partir de então começa a nova vida.” Há oito anos no Central, enquanto cumpre pena por tráfico de drogas e homicídios, espera ano que vem estar na rua. “O que eu fazia antes lá fora, não faço mais. É uma mudança de vida. Toda ela é diferente, vou criar meus filhos de outra maneira. O que eu dava de tristeza, hoje vou dar alegria.”

No último pavimento, o auxiliar de galeria, 38 anos, enumera os resultados obtidos através da religião e de pessoas que saíram da vida do crime e tomaram um novo rumo. “Essa é a última galeria e conseguimos recuperar muitas pessoas aqui dentro. Muitos acham que não têm recuperação, mas há”, garante ele, que está há quatro anos na cadeia, sendo três e meio na galeria. Ele cumpre pena por tráfico e roubo. São 12 anos de reclusão. O auxiliar recebeu elogios pelo trabalho que desenvolve na casa. “Em julho do ano passado, ele casou aqui dentro. Ele ajuda os idosos, doentes e cadeirantes”, fala um policial. O apenado confirma. “A gente cuida sim, tem muitas pessoas que precisam de ajuda. Então um lava a roupa, dá banho, tratamos de quem tem distúrbio mental. Trazemos aqui, porque não têm como ficarem em outras galerias. Na medida que dá, pela idade, vamos até a enfermaria, eles nos socorrem. Na medida que dá, nós somos assistidos.”

RICARDO GIUSTI - Para atuar dentro dos muros do Central, e conseguir manter a disciplina e a ordem, é preciso estar em boas condições físicas e psicológicas




A tensão atrás das grades



Por mais que existam situações tranquilas dentro de um presídio, essa não é a rotina. Atuar junto com quase 5 mil presos não é uma tarefa fácil. Exige saber lidar com a tensão e coerência na hora de tomar qualquer atitude. Sempre que alguém não está bem, é orientado a descansar antes de retomar as atividades profissionais. Isso é extremamente necessário, na visão da direção da casa, já que para atuar dentro dos muros do Central é preciso estar em boas condições físicas e também psicológicas.

Nem sempre é fácil enfrentar a tensão sentida no interior do maior presídio gaúcho. Os policiais militares trabalham diariamente para manter a disciplina e a ordem. De Tramandaí, no Litoral Norte, para Porto Alegre, Robson Brás Cezimbra atua pela segunda vez na força-tarefa. Integrante do GAM, fala que é diferente estar no policiamento ostensivo, na rua. No sistema penitenciário é preciso “se adequar à rotina”. “Não é difícil, mas é preciso se moldar às normas internas, de toda parte da disciplina e movimentação do preso.”

Conhecer a mente do outro é o maior desafio, afinal, de uma hora para a outra, o distúrbio pode interromper a tranquilidade aparente. “A tensão está sempre presente, mas a gente tem que tentar entrar com o pensamento positivo, porque cada dia é diferente. Movimentamos cerca de 800 presos por dia, o fluxo é imenso”, declara. Cezimbra frisa a relação de respeito e obediência ao regramento. “Nós não temos nada a ver com o crime ou sentença do indivíduo. Trabalhamos na movimentação e também fazemos com que eles cumpram as regras.”

Ao longo dos anos, com as trocas de direção da unidade, houve mudanças, porém, o aperfeiçoamento é constante. Para lidar com uma cidade entre grades, o psicológico não pode falhar. “É preciso filtrar. Viver aqui enquanto se está aqui, quando se está com a família, viver com eles.” Quando questionado sobre a maneira que consegue “esquecer”, a resposta parece não vir: “Você está sempre ligado quando o grupo ou a chefia te acionam. Minha esposa se preocupa, não gosta muito e não gostaria que eu estivesse aqui, mas a gente tem um propósito maior, com conversa e diálogo a gente vai levando em frente os objetivos.”

Quem pegou os pais e familiares de surpresa com a decisão de atuar em Porto Alegre foi o soldado Ramiro Peixoto Ferreira, natural de Rosário do Sul, na Fronteira-Oeste. Há um mês ele chegou para trabalhar na Operação Canarinho, justamente na maior cadeia do Estado. Sem conhecer o sistema penitenciário do Central, diz que a realidade no interior das grades é impactante. “A gente não trabalha dentro da cadeia na minha cidade, fazemos a guarda externa, aqui é direto com presos. Estava acostumado a prender eles na rua, aqui tem que lidar com eles diretamente, é diferente.”

Ele confessa que, quando chegou e viu a realidade, no primeiro dia, pensou em voltar. “Me perguntei o que estava fazendo, mas com o tempo a gente vai se acostumando, se adaptando, a gente sabe o que tem que ser feito. O mais difícil é lidar com eles, aguentar algumas hostilidades, isso é complicado. Na maioria das vezes eles respeitam, mas tem que saber lidar, ter calma e paciência.”
O mais difícil do trabalho, além do ambiente, é lidar com a distância. São seis horas de ônibus para ir a Rosário e outras seis para retornar. Sempre que possível, Ferreira encara a estrada, porém, quando o cansaço é maior, procura sair do alojamento e visitar os familiares que moram na Capital. Sem saber quanto tempo vai ficar, ele afirma que quer aproveitar a experiência, diferente de tudo o que já viveu. “A movimentação é calma aqui dentro. O complicado é o risco oferecido pelo preso, não sabemos o que se passa na cabeça dele. Uns são tranquilos, mas outros não.”




AUTORIDADES AVALIAM O SISTEMA



Sidnei Brzuska, juíz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre



Afirma que uma parcela significativa da sociedade tem o pensamento de que bandido bom é bandido morto e que, dentro dos presídios, quanto pior, melhor. Porém, segundo o magistrado, o que aconteceu foi que, com isso, as organizações criminosas transformaram as penitenciárias no quanto pior, melhor para o crime. “As facções não reclamam de condições estruturais, do local, da comida ou colchão. Os presídios se tornaram postos seguros para essas pessoas que comandam o crime dali”, frisa ele, que ressalta que o Presídio Central é o berço de tudo.

De acordo com Brzuska, tudo é controlado de dentro do presídio. “O Estado se encolheu neste ‘quanto pior, melhor’ por muitos anos”, aponta o magistrado. Para ele, aos poucos a administração dessas penitenciárias foi repassada para os detentos. Para retomar o controle, que é o que o governo busca hoje, não é algo fácil.



Sonáli da Cruz Zluhan, juíza da 1ª Vara de Execuções Criminais:



Não acredita em ressocialização com o sistema como é hoje. Em um evento sobre o tema no último mês em Porto Alegre, ela afirmou que o sistema carcerário está totalmente falido e não há como falar em recuperação. “Prender como se prende hoje em dia não leva a nada, a gente só alimenta a facção, que toma conta das penitenciárias.”

Sonáli, que é responsável pela inspeção nos presídios, conta que a CPPA só funciona hoje em dia porque há um pacto com os plantões de galeria e com as facções. “Se eles quisessem, eles viravam o Central. São quase 5 mil pessoas. É uma cidade lá dentro, 400 pessoas dentro de cada galeria. Quem manda na galeria tem geladeira, cela mais conservada, com pouco mais de individualidade.” Ela garante que para entender o que acontece lá, só convivendo. “Não é questão de gostar, ter raiva ou não de preso, faz parte da sociedade. Nunca se prendeu tanto e nunca a violência cresceu tanto. As pessoas estão cada vez mais apavoradas.”



Alexandre Brandão, dirigente do Núcleo de Defesa em Execução Penal da Defensoria Pública do RS:




Para ele, o sistema prisional brasileiro, como o gaúcho, é caótico. “Infelizmente é uma das vergonhas nacionais.” De acordo com ele, hoje existe um punitivismo muito grande, uma ideia de que a solução é prender. “Não se pergunta o que está gerando a criminalidade, o que se pode fazer para resolver esse problema. Simplesmente se quer prender e, atualmente, nós temos uma das maiores populações carcerárias do mundo”, destaca. Conforme os dados do Departamento de Segurança e Execução Penal, na tarde do dia 20 de agosto, 39.809 pessoas estavam atrás das grades no Estado.

“Hoje todo o nosso sistema prisional está superlotado”, frisa. Brandão diz que o Estado prende, mas quem administra as galerias são os presos. “Eles que se coordenam, estabelecem as normas. A pessoa que é presa fica à mercê da facção da galeria da qual está recolhido. Muitos conseguem sair e participar de projetos, mas nem todos que gostariam.”

Periodicamente, a Defensoria Pública fiscaliza as penitenciárias do Rio Grande do Sul. Brandão lembra que o sistema, no todo, é melhor que o de muitos Estados, mas ainda falta muito para dizer que é bom. “A pessoa que vai para o presídio, primeiro, ela não tem garantia da sua integralidade física. Existe uma alta propagação de doenças no sistema prisional, são presídios úmidos, superlotados, a maioria dorme no chão e com colchão de espuma direto no concreto. Falta de condições mínimas para quem está recolhido”, detalha.

Para o defensor, a sociedade não quer investir nessa área porque ninguém se importa com quem está atrás das grades. “O grande trabalho nosso é garantir o direito daqueles que estão presos. Eles precisam ser punidos pelo crime, se foi julgado nesse sentido, só que eles têm direitos ainda. A dignidade, a saúde e a sair de lá, pelo menos, como entrou, mas não sai.”