domingo, 2 de setembro de 2018

CADEIA PÚBLICA DE PORTO ALEGRE, DIFERENTES REALIDADES

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Por que será que insistem em falar em "sistema prisional" (sistema que não existe) quando o problema está na "execução penal"?

CORREIO DO POVO 01/09/2018

Cadeia Pública de Porto Alegre reúne diferentes realidades

Reportagem do Correio do Povo acompanhou rotina do presídio que abriga 5 mil detentos


Franceli Stefani


Eram quase 7h quando a revista geral da quinta-feira iniciou na Cadeia Pública de Porto Alegre (CPPA), também conhecida pela antiga nomenclatura, Presídio Central. Após se concentrarem no auditório, no último dia 16, a policial militar que estava com as chaves do portão de acesso ao interior da casa prisional retirou o cadeado, abriu a grade e liberou a entrada dos policiais que participam dos trabalhos. No dia em que a reportagem acompanhou por mais de oito horas o serviço dos agentes, a ação ocorreu no pavilhão F, onde três galerias aglomeram juntas mais de mil presos.

Primeiro, o efetivo do Grupo de Apoio e Movimentação (GAM), ainda durante a madrugada, por volta das 5h30min, dava início ao procedimento. Após ter a definição do local em que a revista aconteceria, os ocupantes do espaço foram avisados. O comandante do grupo, primeiro sargento Lélio Duarte Machado, explica que inicialmente ocorre o esvaziamento do local. É feita a revista minuciosa e, posteriormente, a revista estrutural. Semanalmente, a escolha é aleatória. “Retiramos os apenados em grupos, uma galeria por vez e é feita a revista no saguão do pavilhão A. É formada o que chamamos de linha, com o efetivo, para coletar algum material que eles possam tentar levar para o pátio durante nossa ação”, frisa, lembrando que em dia de revista, a rotina da cadeia é alterada e o fluxo de encarcerados nos corredores é reduzido.

Pouco a pouco, os homens, de todas as idades, a maioria da cor branca, vão caminhando em direção aos brigadianos, que os aguardam com luvas de borracha e máscaras. Um a um são revistados. Tudo o que o apenado carrega, além de blusões, casacos e calçados usados, é colocado atrás de uma linha amarela que percorre grande parte do corredor do pavilhão A. Nesse momento, é conferido o que cada um porta. Da caixa de remédios até o interior do tênis. Alguns são flagrados com pequenas porções de entorpecentes e são levados para a confecção do registro. Enquanto os demais, após o procedimento, são liberados e encaminhados ao pátio do pavilhão D, onde aguardam até o término do trabalho.

“Esse é o procedimento até o esvaziamento completo do local, a partir de então subimos para o pavilhão e começamos, galeria por galeria, a fazer o que chamamos de varredura.” Um grupo inicialmente checa se não ficou nenhum preso para trás, dormindo ou que não tenha descido. Em seguida, cada canto das minúsculas unidades, preenchidas por beliches, apetrechos individuais e um banheiro, é verificado. “Os materiais ilícitos que mais encontramos são drogas e celulares. São muitos, até porque temos incidência de arremessos feitos da rua para o pátio. Temos ainda as armas artesanais, mas não são constantes”, explica Machado.

Todos os materiais encontrados são levados até o setor responsável pela inteligência da Cadeia Pública para ser feita a contabilidade. No dia 16, logo no início dos trabalhos, foi encontrada uma pequena quantidade de droga na parede de uma das celas. O pacote estava em um compartimento falso, feito pelo apenado ao lado da cama em que dorme. Em outra, logo em frente, celulares e carregadores foram localizados em um buraco no encanamento do chuveiro. Mais para frente, dois policiais desconfiaram de uma terra mexida em baixo de onde fica o banheiro: mais material ilícito encontrado.

Segundo Machado, há dias em que a atuação é rápida, porém, às vezes as buscas levam um longo período. Já ocorreu de os militares terminarem às 20h. Entre as atribuições do GAM, além da revista, está verificar as galerias e a movimentação dos presos. A equipe destinada a missões é considerada fundamental para o andamento do serviço prisional na unidade.


Um mundo à parte



No pavilhão alvo da revista, os presos estão divididos em três galerias. Na “primeira do F”, como é chamada pelos policiais,estão os presos primários, que chegam sem condenação. Logo acima, estão as outras duas repartições, onde ficam integrantes de uma facção criminosa específica. Em cada uma das galerias são cerca de 300 presos. Eles se dividem em celas, que não possuem cadeados, com números variados de beliches. As camas são dispostas conforme o espaço, há quem durma no chão também. No corredor, também há homens, dispostos próximos à parede para que fique um corredor para facilitar a passagem. Isso porque não há lugar para todos. São os presos que limpam e organizam seus espaços.

Nas primeiras celas vivem os chamados plantões. São os representantes da galeria. Eles normalmente dividem o local com menos detentos. No espaço que vivem têm geladeira, forno, fogão, banheiro limpo e televisão individual. Quanto mais se anda, as condições do cárcere vão se modificando. No fundo de cada galeria há uma cantina, com arroz, feijão, refrigerante e outros produtos à venda para os presos. Muitos cozinham suas refeições na própria cela. Na porta de algumas, há anúncio de venda de cigarros. No interior de outra, sobre uma cama, uma caderneta com a contabilidade daqueles que já haviam pago e de quem tinha “pendurado”.

O diretor da CPPA, tenente-coronel Carlos Magno da Silva Vieira, afirma que, como prevê a lei, há na cadeia uma cantina. É como se fosse um supermercado onde, com recurso próprio, o preso pode ir até o local e comprar algum dos gêneros dispostos. “O Estado disponibiliza café, almoço e janta.” Ou seja, ninguém é obrigado a adquirir nada nesses espaços de comércio, o básico é ofertado diariamente para cada detento.


RICARDO GIUSTI - Normalmente os representantes das galerias vivem em celas com aparelhos como geladeira, forno e televisão



Um sopro de esperança



Em um dos espaços funciona a Atividade de Valoração Humana (AVH). Na Escola de Artes, um preso de 41 anos faz e transmite o conhecimento adquirido. Pintura, escultura, grafite, resina, talha em madeira e outros detalhes embelezam, mas muitas vezes seus autores passam despercebidos para os que lançam o olhar para o Central. Há sete anos no projeto, oito preso, ele ensina sua arte para quem resolve se engajar na iniciativa. Atualmente, 11 pessoas estão integradas na AVH.

O homem, que antes de entrar para o crime era um talentoso tatuador de Porto Alegre (requisitado por famosos), revela que está atrás das grades por homicídio, diz que “enganos da vida” traçaram esse caminho. “Devido ao alcoolismo, me deslumbrei com a luxúria e acabei aqui para corrigir meus erros. Muitos artistas que se mantêm anônimos passaram por aqui, pela escola. O projeto é o mais antigo que existe em atividade na cadeia, pelos meus registros, desde 1990”, conta. Hoje, ele acredita que tem uma nova chance, inclusive com o dinheiro da atividade laboral já comprou ferramentas para uma oficina de arte, além disso pretende voltar a tatuar.

A fala mansa e olhar calmo transmitem a esperança de uma ressocialização. Em breve, deverá ganhar as ruas e ter a possibilidade de recomeçar. Segundo ele, pronto para uma vida distante da que o levou até a Cadeia Pública. “Já fiz os exames necessários e estou no aguardo dos papéis para que eu possa sair daqui.” Enquanto fala da sua história, mostra os quadros que já pintou, locais em que já expôs, além de lembrar que uma de suas obras está na casa da presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Cármen Lúcia Antunes Rocha.

O artista salienta que não é todo apenado que pode atuar na atividade. “Lidamos com materiais contundentes, então, para se integrar, cada candidato passa por seleção com profissionais habilitados. Aqui a gente ensina, agora se a pessoa vai usar com sabedoria é de cada um. Temos plantado uma sementinha.” Responsáveis pelo layout da instituição, eles também elaboram a decoração para as ações que acontecem dentro da cadeia, como as atividades da Festa de Páscoa.

RICARDO GIUSTI - Na revista feita com a presença da reportagem, foram entradas armas artesanais e celulares



A luta contra a dependência




Entre tantos espaços na cidade chamada Cadeia Pública há um especial, na galeria E1. Tem cheiro e cor diferentes das demais acomodações. Não há sujeira, tudo é cuidadosamente arrumado pelos próprios detentos, que juntos buscam a força que muitas vezes parece distante. O projeto Luz no Cárcere nasceu para que os dependentes químicos conseguissem se livrar do vício. No dia 17 de agosto, completou sete anos.

Todos os que moram no espaço já viveram nos pavilhões localizados no fundo do Central. Questionados de quais galerias saíram, a maioria responde: F, B, D (grande parte) e A. Na vida de cada um, a escolha fez uma grande diferença. Ao contrário daquela parte do complexo, a E1 nem parece um local de reclusão e regime rigoroso. É um lar. Um dos líderes, um homem alto de olhos verdes, aos 35 anos afirma ter esperança de construir uma nova história quando sair do sistema prisional.

“Certamente, 85% da massa carcerária usa produto ilícito. Tudo gira em torno da droga. Cada um que está aqui optou pela transformação, por mudar de vida, se afastar de facções”, revela. A minoria, no entanto, se considera multiplicadora de boas novas. O caminho para chegar até o pavilhão, porém, não foi fácil. “Reconhecermos que precisamos de ajuda é difícil. Muitos nem chegam a ter essa chance e partem antes de tentar.” Segundo ele, a direção da casa disponibiliza opções para mudar de vida. Os interessados passam por psicólogo, assistente social, psiquiatra e, caso cumpram os requisitos, permanecem 21 dias para desintoxicação no Hospital Vila Nova.

“Aqui é muito diferenciado, não é galeria como lá no fundo. É outro clima. Temos atividades diárias.” Preso há quatro anos e oito meses, há dois anos e sete meses resolveu mudar. “Se não tivesse optado pelo projeto, não saberia o que seria da vida. Desde os 13 anos era dependente. Foram 20 anos nas drogas.” Com a estrutura familiar abalada, o homem, natural de Igrejinha, disse que sempre foi vinculado a facção e há quatro anos e nove meses não via suas irmãs.

Há algum tempo, em uma Festa da Família na unidade, elas apareceram. “Me disseram que fazia mais de 20 anos que não me viam de verdade. Joguei fora muitas oportunidades e hoje agradeço o resgate feito através do projeto.” Devido à prática de assalto e homicídios, sem conseguir ficar no semiaberto e ter sido preso sete vezes, garante que consegue ver as coisas de outra maneira. “Hoje eu não trocaria meu melhor dia de drogadição livre pelo meu pior dia preso, mas limpo e lúcido.”

O pequeno grupo difere da massa carcerária acumulada em corredores de pavilhões e celas. Vivem de maneira mais leve. Sentado no fundo da sala, um apenado de 31 anos conta que nunca teve envolvimento com facção, porém, cometia assaltos. Em um desses, acabou preso. “Quando cheguei aqui, escolhi uma galeria ‘faccionada’, porém busquei uma alternativa para, no futuro, sair sem problema com a minha família e onde moro. Não sair devendo.”

Ele lembra que a partir do momento que é feita uma vinculação, a dívida começa. Normalmente, as lideranças fornecem colchão, lugar para dormir e algumas regalias, porém, o débito cresce. “Ou seja, já sai tendo que cumprir mais delitos. Sairei de cabeça erguida, sem nada pendente com a parte de trás, mas com a da frente, a família, nosso resgate pessoal e vínculo familiar. Quero sair sem medo.”
A mudança começa na cadeia, não do lado de fora.

A opinião é do homem que levou seis meses no fundo do Central para chegar até a frente. Agora, completa sete meses sem usar drogas e com nova vontade. “Acordo e agradeço por estar limpo, lúcido e em um lugar digno, em que eu possa morar. Estou há um ano neste endereço, cumprindo a pena com dignidade, aguardando a visita com dignidade, em um lugar limpo, sem opressão, sem aquele clima pesado de cadeia. A minha mãe entra, conversa com todo mundo, dá risada, então é algo diferente.”

De acordo com o detento, lá atrás a tensão é companheira presente. O caminho para chegar até o familiar, no caso do visitante, é longo e demorado. “É um vira para lá, vira para cá, é visita passando. Aqui é diferente. A mãe conversa com a Brigada Militar, chega aqui, me conta história. A gente fica mais tranquilo porque não vem com aquela carga pesada. Ela vem tranquila porque vai me ver bem, não estarei sujo, fedendo, sem a roupa que me deu. Mesmo preso, tenho minha dignidade de volta.”

RICARDO GIUSTI - O representante da galeria dos homossexuais conta que o grupo tem suas próprias regras de convivência, além das estabelecidas pelo sistema prisional



Vários presídios em um só



Além de toda a trajetória, carregada de rebeliões, fugas e mortes. Os corredores do antigo Presídio Central têm diversas histórias. Há o lado mais falado e temido, o das facções criminosas, mas também existem grupos sem faccionamento, que estudam, trabalham, aprendem, participam de projetos e tentam tirar algo de positivo de um angustiante período sem andar por ruas, frequentar bares ou supermercados. No interior das galerias, há os próprios comércios, além de um centro comum de compras, localizado no centro da cadeia, em um espaço terceirizado.

Com o aumento do número de presos, o Rio Grande do Sul foi o segundo Estado a ter ala destinada a travestis e homossexuais, inaugurada em 2012, com pompa e glamour. No novo local, cor, organização, biblioteca e parcerias. Os colegas de cárcere, hoje, vivem com segurança. Convivem nos corredores, tomam chimarrão, projetam o futuro e recebem visitas. Hoje, são 17 pessoas no local. O número é variável. Atualmente, são priorizados aqueles que são declarados homossexuais. Isso porque já houve mais abertura, mas os presos contam que não deu certo, já que muitos não conseguiram aceitar a diversidade.

Conforme o plantão da galeria, um homem de 32 anos, o Espaço Homossexual foi uma conquista. Enquanto se desculpava pela bagunça da casa, já que era dia de “geral” (como chamam a revista das quintas-feiras) e normalmente dormem até mais tarde já que passam os turnos nas celas, contava um pouco da sua história. Natural de Caxias do Sul, onde não há esse espaço no presídio, chegou no Central em 2014. “Lá eu estava dentro de um brete porque os outros presos não me aceitavam, vim de trânsito e conheci aqui, então pedi transferência e consegui.” Há um ano como representante do grupo, afirma que o local possui regras, além das impostas pelo sistema prisional. “Elas devem ser seguidas por todos. Quando acontece alguma coisa, conversamos internamente. Se percebemos que a situação segue, levamos para supervisão.”

Condenado há 12 anos por tentativa de homicídio, cumpre o final da pena. Deve sair em abril de 2019. Ao contar sua história, reafirma que o que o levou à cadeia foi uma exceção. “Eu não era uma pessoa do crime. Foi o único. Tenho formação superior, em administração de empresas e pedagogia, acabei me envolvendo em uma situação que me fez destruir minha vida. Luto muito para sair daqui e conseguir, não digo reconstruir, porque tenho ciência de que tudo o que tinha, eu perdi. Vou ter que construir coisas novas. É tudo novo.” Com a família ao lado, ele tem certeza que não errará novamente.

Enquanto relembra sua caminhada, diz que somente quando um indivíduo entra no sistema prisional é que percebe a importância do pai e da mãe. “Amigos e pessoas próximas, todos desaparecem. Não existe mais ninguém. Nessa hora de dificuldade, tu só pode contar com aquelas pessoas que tu menos ouve quando está bem. Tu acha que eles são de outra época e não têm nada para ensinar.” De acordo com ele, os pais o alertaram das situações de risco em que se envolvia, porém não foram levados a sério. “Saio mais maduro e seguro daqui. Aprendi a ouvir mais.” Atualmente, a maioria dos presos da galeria tem média de 25 anos, pelo menos três têm nível superior, sendo que os crimes mais comuns são assalto e tráfico.

RICARDO GIUSTI - Em muitas galerias há uma espécie de cantina, onde os presos compram gêneros alimentares



NEEJA: da alfabetização ao nível médio



O Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos (Neeja) Desembargador Alaor Antônio Terra atende a população carcerária da Cadeia Pública de Porto Alegre. O diretor do núcleo, Lourenço Rafael Seger, diz que há capacidade para 240 presos interessados. Atualmente são 217 que regularmente frequentam as atividades da instituição. “Esse número é flutuante, semanalmente nós temos trocas, porque há saídas, liberdades, então sempre inserimos novos. São duas etapas de provas anuais. Os alunos que manifestam interesse em vir à escola, nos encaminham a solicitação, é feita a triagem, em função de galerias e vagas em disponibilidade, e os matriculamos”, detalha.

Limpo, aconchegante, com professores usando jaleco, o Neeja é acolhedor e diferente da maioria das galerias da unidade. É a perspectiva de mudança pela educação. “Temos um bom grupo, apenas em dias que há revista temos variação, pela restrição de circulação”, diz. Além da sala dos 17 educadores e da direção, o espaço tem uma biblioteca com sete mil volumes, oito salas de aula, laboratório de informática (sem acesso à Internet) e uma sala de áudio e vídeo.



Reincidência




Os dados obtidos pelo Sistema Cognos, em 3 de dezembro de 2017, o índice de retorno ao sistema prisional gaúcho é de 71,4% dos homens e 58,3% das mulheres. Quando o número é de ambos os sexos, a média é de 70,7%. Na CPPA, o diretor, tenente-coronel Carlos Magno da Silva Vieira, diz que os projetos realizados ajudam os presos a terem uma nova vida quando saírem da casa prisional. Há casos que dão certo. Em cinco anos, por exemplo, foram cerca de mil pessoas que conseguiram encontrar um novo caminho. “Temos o projeto de desintoxicação do E1 que já recebeu cerca de 500 pessoas. Boa parte dos presos que foram para a Penitenciária Estadual de Canoas saíram daqui com o perfil de trabalhador. Temos cerca de 800 presos trabalhando em liga laboral. Todos eles são pessoas que querem e, conforme as psicólogas e assistentes sociais, têm tendência a não retornar ao crime”, declara.Outros já têm carteira de artesão, após passarem longos períodos tendo aula e desenvolvendo habilidades.

De acordo com o subcomandante-geral da Brigada Militar, coronel Eduardo Biacchi Rodrigues, dentro da cadeia eles aprendem a ter regras. Tanto que o respeito é mútuo durante o relacionamento entre policiais e apenados. Tudo o que ocorre fora das cadeias, não é represado lá dentro. Eles cumprem as normas, têm horário para banho de sol, para receber visita e para tarefas que optam por desempenhar. “O principal desafio é manter a ordem e a paz, com respeito. A gente faz muita gestão.”

RICARDO GIUSTI - Na galeria E1, dependentes químicos buscam construir uma nova forma de viver, livre das drogas




Os irmãos



Ao passar pelo pavilhão I já era possível ouvir, ao fundo, o som de uma canção gospel. Não era apenas uma voz, mas várias, que, a cada passo, se aproximava. Os policiais que acompanham a visita explicam que a música vem do J, também conhecido como o pavilhão dos “Irmãos”. São duas galerias destinadas aos evangélicos e outra, a primeira, aos presos por Maria da Penha e crimes de trânsito.

Enquanto as portas de ferro são abertas pelos policiais militares, as vozes vão ficando mais nítidas. Um preso, que se apresenta como o responsável pela galeria, conta um pouco sobre os 82 apenados que dividem o espaço. “A convivência é tranquila, a maioria é primário e não tem envolvimento com nenhum tipo de facção. Durante o dia, passamos cantando louvores, jogando alguma coisa para se entreter”, detalha o porto-alegrense, que conta já ter morado em outros lugares.
Duas galerias acima, estão os “irmãos”. Com o mesmo plantão responsável pelos dois espaços, que abrigam 50 homens, um homem de 36 anos ressalta a importância da fé. “Não usamos drogas, não fumamos, não temos nada de vício. Somos trabalhadores religiosos e levamos a palavra. Aqui somos, na maioria, ex-traficantes, que vieram para cá e conseguiram se encontrar.”

Segundo o líder, muitos eram rejeitados pelas famílias e nem visitas recebiam. Com o passar do tempo e a mudança de galeria, a situação mudou. “Eles retornaram com as visitas, a partir de então começa a nova vida.” Há oito anos no Central, enquanto cumpre pena por tráfico de drogas e homicídios, espera ano que vem estar na rua. “O que eu fazia antes lá fora, não faço mais. É uma mudança de vida. Toda ela é diferente, vou criar meus filhos de outra maneira. O que eu dava de tristeza, hoje vou dar alegria.”

No último pavimento, o auxiliar de galeria, 38 anos, enumera os resultados obtidos através da religião e de pessoas que saíram da vida do crime e tomaram um novo rumo. “Essa é a última galeria e conseguimos recuperar muitas pessoas aqui dentro. Muitos acham que não têm recuperação, mas há”, garante ele, que está há quatro anos na cadeia, sendo três e meio na galeria. Ele cumpre pena por tráfico e roubo. São 12 anos de reclusão. O auxiliar recebeu elogios pelo trabalho que desenvolve na casa. “Em julho do ano passado, ele casou aqui dentro. Ele ajuda os idosos, doentes e cadeirantes”, fala um policial. O apenado confirma. “A gente cuida sim, tem muitas pessoas que precisam de ajuda. Então um lava a roupa, dá banho, tratamos de quem tem distúrbio mental. Trazemos aqui, porque não têm como ficarem em outras galerias. Na medida que dá, pela idade, vamos até a enfermaria, eles nos socorrem. Na medida que dá, nós somos assistidos.”

RICARDO GIUSTI - Para atuar dentro dos muros do Central, e conseguir manter a disciplina e a ordem, é preciso estar em boas condições físicas e psicológicas




A tensão atrás das grades



Por mais que existam situações tranquilas dentro de um presídio, essa não é a rotina. Atuar junto com quase 5 mil presos não é uma tarefa fácil. Exige saber lidar com a tensão e coerência na hora de tomar qualquer atitude. Sempre que alguém não está bem, é orientado a descansar antes de retomar as atividades profissionais. Isso é extremamente necessário, na visão da direção da casa, já que para atuar dentro dos muros do Central é preciso estar em boas condições físicas e também psicológicas.

Nem sempre é fácil enfrentar a tensão sentida no interior do maior presídio gaúcho. Os policiais militares trabalham diariamente para manter a disciplina e a ordem. De Tramandaí, no Litoral Norte, para Porto Alegre, Robson Brás Cezimbra atua pela segunda vez na força-tarefa. Integrante do GAM, fala que é diferente estar no policiamento ostensivo, na rua. No sistema penitenciário é preciso “se adequar à rotina”. “Não é difícil, mas é preciso se moldar às normas internas, de toda parte da disciplina e movimentação do preso.”

Conhecer a mente do outro é o maior desafio, afinal, de uma hora para a outra, o distúrbio pode interromper a tranquilidade aparente. “A tensão está sempre presente, mas a gente tem que tentar entrar com o pensamento positivo, porque cada dia é diferente. Movimentamos cerca de 800 presos por dia, o fluxo é imenso”, declara. Cezimbra frisa a relação de respeito e obediência ao regramento. “Nós não temos nada a ver com o crime ou sentença do indivíduo. Trabalhamos na movimentação e também fazemos com que eles cumpram as regras.”

Ao longo dos anos, com as trocas de direção da unidade, houve mudanças, porém, o aperfeiçoamento é constante. Para lidar com uma cidade entre grades, o psicológico não pode falhar. “É preciso filtrar. Viver aqui enquanto se está aqui, quando se está com a família, viver com eles.” Quando questionado sobre a maneira que consegue “esquecer”, a resposta parece não vir: “Você está sempre ligado quando o grupo ou a chefia te acionam. Minha esposa se preocupa, não gosta muito e não gostaria que eu estivesse aqui, mas a gente tem um propósito maior, com conversa e diálogo a gente vai levando em frente os objetivos.”

Quem pegou os pais e familiares de surpresa com a decisão de atuar em Porto Alegre foi o soldado Ramiro Peixoto Ferreira, natural de Rosário do Sul, na Fronteira-Oeste. Há um mês ele chegou para trabalhar na Operação Canarinho, justamente na maior cadeia do Estado. Sem conhecer o sistema penitenciário do Central, diz que a realidade no interior das grades é impactante. “A gente não trabalha dentro da cadeia na minha cidade, fazemos a guarda externa, aqui é direto com presos. Estava acostumado a prender eles na rua, aqui tem que lidar com eles diretamente, é diferente.”

Ele confessa que, quando chegou e viu a realidade, no primeiro dia, pensou em voltar. “Me perguntei o que estava fazendo, mas com o tempo a gente vai se acostumando, se adaptando, a gente sabe o que tem que ser feito. O mais difícil é lidar com eles, aguentar algumas hostilidades, isso é complicado. Na maioria das vezes eles respeitam, mas tem que saber lidar, ter calma e paciência.”
O mais difícil do trabalho, além do ambiente, é lidar com a distância. São seis horas de ônibus para ir a Rosário e outras seis para retornar. Sempre que possível, Ferreira encara a estrada, porém, quando o cansaço é maior, procura sair do alojamento e visitar os familiares que moram na Capital. Sem saber quanto tempo vai ficar, ele afirma que quer aproveitar a experiência, diferente de tudo o que já viveu. “A movimentação é calma aqui dentro. O complicado é o risco oferecido pelo preso, não sabemos o que se passa na cabeça dele. Uns são tranquilos, mas outros não.”




AUTORIDADES AVALIAM O SISTEMA



Sidnei Brzuska, juíz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre



Afirma que uma parcela significativa da sociedade tem o pensamento de que bandido bom é bandido morto e que, dentro dos presídios, quanto pior, melhor. Porém, segundo o magistrado, o que aconteceu foi que, com isso, as organizações criminosas transformaram as penitenciárias no quanto pior, melhor para o crime. “As facções não reclamam de condições estruturais, do local, da comida ou colchão. Os presídios se tornaram postos seguros para essas pessoas que comandam o crime dali”, frisa ele, que ressalta que o Presídio Central é o berço de tudo.

De acordo com Brzuska, tudo é controlado de dentro do presídio. “O Estado se encolheu neste ‘quanto pior, melhor’ por muitos anos”, aponta o magistrado. Para ele, aos poucos a administração dessas penitenciárias foi repassada para os detentos. Para retomar o controle, que é o que o governo busca hoje, não é algo fácil.



Sonáli da Cruz Zluhan, juíza da 1ª Vara de Execuções Criminais:



Não acredita em ressocialização com o sistema como é hoje. Em um evento sobre o tema no último mês em Porto Alegre, ela afirmou que o sistema carcerário está totalmente falido e não há como falar em recuperação. “Prender como se prende hoje em dia não leva a nada, a gente só alimenta a facção, que toma conta das penitenciárias.”

Sonáli, que é responsável pela inspeção nos presídios, conta que a CPPA só funciona hoje em dia porque há um pacto com os plantões de galeria e com as facções. “Se eles quisessem, eles viravam o Central. São quase 5 mil pessoas. É uma cidade lá dentro, 400 pessoas dentro de cada galeria. Quem manda na galeria tem geladeira, cela mais conservada, com pouco mais de individualidade.” Ela garante que para entender o que acontece lá, só convivendo. “Não é questão de gostar, ter raiva ou não de preso, faz parte da sociedade. Nunca se prendeu tanto e nunca a violência cresceu tanto. As pessoas estão cada vez mais apavoradas.”



Alexandre Brandão, dirigente do Núcleo de Defesa em Execução Penal da Defensoria Pública do RS:




Para ele, o sistema prisional brasileiro, como o gaúcho, é caótico. “Infelizmente é uma das vergonhas nacionais.” De acordo com ele, hoje existe um punitivismo muito grande, uma ideia de que a solução é prender. “Não se pergunta o que está gerando a criminalidade, o que se pode fazer para resolver esse problema. Simplesmente se quer prender e, atualmente, nós temos uma das maiores populações carcerárias do mundo”, destaca. Conforme os dados do Departamento de Segurança e Execução Penal, na tarde do dia 20 de agosto, 39.809 pessoas estavam atrás das grades no Estado.

“Hoje todo o nosso sistema prisional está superlotado”, frisa. Brandão diz que o Estado prende, mas quem administra as galerias são os presos. “Eles que se coordenam, estabelecem as normas. A pessoa que é presa fica à mercê da facção da galeria da qual está recolhido. Muitos conseguem sair e participar de projetos, mas nem todos que gostariam.”

Periodicamente, a Defensoria Pública fiscaliza as penitenciárias do Rio Grande do Sul. Brandão lembra que o sistema, no todo, é melhor que o de muitos Estados, mas ainda falta muito para dizer que é bom. “A pessoa que vai para o presídio, primeiro, ela não tem garantia da sua integralidade física. Existe uma alta propagação de doenças no sistema prisional, são presídios úmidos, superlotados, a maioria dorme no chão e com colchão de espuma direto no concreto. Falta de condições mínimas para quem está recolhido”, detalha.

Para o defensor, a sociedade não quer investir nessa área porque ninguém se importa com quem está atrás das grades. “O grande trabalho nosso é garantir o direito daqueles que estão presos. Eles precisam ser punidos pelo crime, se foi julgado nesse sentido, só que eles têm direitos ainda. A dignidade, a saúde e a sair de lá, pelo menos, como entrou, mas não sai.”

segunda-feira, 16 de julho de 2018

MANIFESTO CONTRA A BANDIDOLATRIA

DEFESA NET 05 de Agosto, 2017 - 13:00 ( Brasília )




Manifesto contra a BANDIDOLATRIA e DESENCARCERAMENTO


Manifesto sincero ao povo brasileiro de alguns profissionais do Direito realmente preocupados com as Vítimas e a segurança pública.


Nós, operadores do Direito realmente preocupados com a segurança pública, com o direito de ir e vir das pessoas, com a vida das pessoas de bem e não só dos bandidos, preocupados especialmente com as vítimas e não só com seus algozes, queremos revelar certas verdades a você, cidadão que sustenta o Estado e tem se enganado com ele e com certas entidades, certos professores, certos “especialistas” e outros que parecem não querer que você saiba de certas coisas. Mas você saberá agora que muita coisa do que você tem sido induzido a pensar NÃO É VERDADE! VOCÊ TEM SIDO ENGANADO!

Você pensa que estão fazendo um novo código penal para diminuir a IMPUNIDADE e melhorar a segurança pública, mas o que está em andamento torna a LEI PENAL MAIS BRANDA e ainda dá salvo-conduto a desordeiros e terroristas fazerem o que quiserem sem responderem na Justiça. É O QUE ELES CHAMAM DE REFORMA DO CÓDIGO PENAL: QUE SÓ VAI AUMENTAR A IMPUNIDADE...

Você pensa que estão preocupados com os crimes nas ruas, os assassinatos, os assaltos, com a impunidade, mas eles estão tentando tirar criminosos perigosos da prisão e colocá-los nas ruas, aumentando o perigo para os cidadãos e alegando presídios cheios, enquanto ao mesmo tempo são contra construir novos presídios parecendo que querem continuar a ter a mesma alegação pra continuarem soltando. É O QUE ELES CHAMAM DE DESENCARCERAMENTO: BANDIDOS SOLTOS E VOCÊ PRESO EM CASA COM MEDO, OU CORRENDO RISCO NA RUA.

Você pensa que eles se preocupam com sua vida, mas criaram uma audiência que resultou no aumento daqueles casos em que o marginal perigoso é imediatamente solto e faz outras vítimas nos dias seguintes. É O QUE ELES CHAMAM DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA.

Você pensa que estão fazendo mudanças no Código de Processo Penal para que ele facilite a apuração da verdade, e que se evite impunidade, e que se evite o deboche da justiça, e que se dê algum consolo à família das vítimas. Mas o que estão fazendo é PROIBIR que o Ministério Público possa expor certas verdades. É colocar número par de jurados e decretar que o empate pode absolver, para aumentar as chances de salvar assassinos. É permitir que a defesa fale duas vezes enquanto o MP só fala uma. É proibir que se leiam depoimentos do inquérito que foram produzidos antes das testemunhas serem ameaçadas, antes delas estarem com medo, antes delas serem compradas... É O QUE ELES CHAMAM DE PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICO: DEVIAM CHAMAR DE PROCESSO PENAL DEMOCIDA (AQUELE QUE EXTERMINA O POVO).

Você pensa que estão fazendo uma lei para evitar o abuso de autoridade de qualquer um, mas ELES ESTÃO MESMO É FAZENDO UMA LEI QUE SÓ ATINGE PROMOTORES, POLICIAIS E JUÍZES e voltada a garantir que qualquer criminoso faça represálias sem fundamento contra quem ousar promover justiça. É O QUE ELES CHAMAM DE NOVA LEI DO ABUSO DE AUTORIDADE: SÓ VAI ATINGIR A AUTORIDADE QUE ATUA DE FORMA JUSTA E EFICIENTE.

Você pensa que eles querem Democracia e Justiça, mas eles criam uma proposta de Lei, VIOLANDO A CONSTITUIÇÃO, para punir promotores e juízes que deles discordarem, acusando-os da indefinida conduta – que serve pra tudo, quando se quiser—de violar prerrogativas da classe-- e ainda permitindo que, contra a Constituição, uma corporação possa fazer procedimentos inconstitucionais contra promotores, juízes e policiais. É O QUE ALGUNS CHAMAM DE GARANTIR AS PRERROGATIVAS DA CLASSE: PARA QUE SE POSSA CONSTRANGER PROMOTORES, JUÍZES E POLICIAIS E DEIXÁ-LOS COM MEDO DE CONTRARIAREM VOLUNTARISMOS ILEGAIS E CHICANAS E TORNA A CLASSE A MAIS PODEROSA E DIFERENCIADA DO PAÍS...

Você pensa que eles querem garantias para você, cidadão, mas eles só querem que não haja punições de verdade, só querem garantir criminosos... É O QUE ELES CHAMAM DE GARANTISMO, NO BRASIL: QUE TEM GERADO CADA VEZ MAIS IMPUNIDADE DA FORMA QUE APLICAM.

Enfim, você pensa que eles querem te proteger, mas QUASE TODAS AS MEDIDAS SÃO PARA PROTEGER CRIMINOSOS E GARANTIR IMPUNIDADE.

Pelas obras e pelos frutos você verá melhor quem é quem: PRESTE SEMPRE ATENÇÃO. Em breve falaremos mais, revelaremos mais, explicaremos mais. Este é só o primeiro dos manifestos.

“Quem poupa o lobo sacrifica as ovelhas” (Victor Hugo)


Bandidolatria mata.

Desencarceramento mata.

Impunidade mata.




ASSINAM:

1. Adriana Costa MPRS
2. Adriana de Farias Pereira MPF
3. Adrianni Fátima Falcão Santos Almeida MPGO
4. Adriano Alves MPM
5. Adriano Dutra Gomes de Faria MPMG
6. Ailton Benedito de Souza MPF
7. Alencar José Vital MPGO
8. Alessandra Bastian da Cunha MPRS
9. Alexandre Schneider MPF
10. Alexandre Sikinowski Saltz MPRS
11. Allan Sidney do Ó Souza MPMT
12. Amanda Giovanaz MPRS
13. Ana Carolina de Quadros Azambuja MPRS
14. Ana Cláudia Lopes MPMG
15. Ana Cristina Carneiro Dias MPMS
16. Ana Cristina Silva MPM
17. Ana Maria Saldanha Gontijo MPRO
18. André Costa MPRS
19. Andrea Bernardes de Carvalho MPDFT
20. Andrea Silva Uequed MPRS
21. Andrei Mattiuzzi Balvedi MPF
22. Andréia Hermínia Aliatti MPRS
23. Antônio Kepes MPRS
24. Antonio Sergio Cordeiro Piedade. MPMT
25. Assuero Stevenson pereira Oliveira MPPI
26. Bárbara Pinto e Silva MPRS
27. Bill Jerônimo Scherer MPRS
28. Bruna Maria Borgmann MPRS
29. Bruno Amorim Carpes.MPRS
30. Bruno Bonamente MPRS
31. Bruno Stibich MPRJ
32. Camila Santos da Cunha MPRS
33. Carlos Frederico Oliveira Pereira MPM
34. Carmem Elisa MPRJ
35. Carmem Lúcia Garcia MPRS
36. Caroline Gianlupi MPRS
37. Cassiano Marquart Corleta MPRS
38. César Danilo Ribeiro de Novais MPMT
39. Charles Emil Machado Martins MPRS
40. Christiane Monerat MPRJ
41. Clarisier Morais MPF
42. Cláudia Lúcia Bonetti MPRS
43. Cláudia Rodrigues de Morais Piovezan MPRS
44. Cláudia Rodrigues MPRS
45. Cláudio Rafael Morosin Rodrigues MPRS
46. Cláudio Rogério Ferreira Gomes MPMS
47. Cristiano Salau Mourão MPRS
48. Daniel Barbosa Fernandes MPRS
49. Daniel Sperb Rubin MPRS
50. Daniela Tavares da Silva Tobaldini MPRS
51. Debora Balzan MPRS
52. Denise Sassen Girardi de Castro MPRS
53. Denise Sassen Girardi de Castro MPRS
54. Diego Pessi MPRS
55. Diogo Gomes Taborda MPRS
56. Diogo Hendges MPRS
57. Dirce Soler MPRS
58. Divino Donizette MPF
59. Domingos Sávio Tenório de Amorim MPF
60. Douglas Araújo MPF
61. Eduardo Buaes Raymundi
62. Eduardo Buaes Raymundi MPRS
63. Eduardo Paes Fernandes MPRJ
64. Eugênio Paes Amorim MPRS
65. Evandro Lobato Kaltbach MPRS
66. Fernanda Soares Pereira MPRS
67. Fernando César Sgarbossa MPRS
68. Fernando de Araujo Bittencourt
69. Fernando Freitas Consul MPRS
70. Flávia Ferrer MPRJ
71. Flavio Eduardo de Lima Passos MPRS
72. Frederico Carlos Lang MPRS
73. Frederico César Batista Ribeiro MPMT
74. Gisele Ferrarini Advogada SP
75. Gleade Pereira Souza Maia MPMT
76. Goiaci Leandro de Azevedo Júnior MPSP
77. Graziela Vieira Lorenzoni MPRS
78. Guilherme Martins de Martins MPRS
79. Gustavo Fava Ferrari MPRS
80. Henrique Golin MPGO
81. Ione de Souza Cruz MPM (aposentada)
82. Isabel da Costa Franco Santos MPRS
83. Ivonete Bernardes MPMT
84. Jackeliny Ferreira Rangel MPMG
85. Jader Costa Professor de Direito Penal
86. Janine Rosi Faleiro. MPRS
87. Janor Lerch Duarte
88. João Pedro Togni. MPRS
89. Joel Oliveira Dutra MPRS
90. José Antônio Varaschin Chedid Juiz de Direito SC
91. José Carlos Borsói Advogado SP
92. José Eduardo Coelho Corsini. MPRS
93. José Garibaldi E.S. Machado MPRS
94. José Leão Júnior MPF
95. Júlia Flores Schütt MPRS
96. Juliana Maria Giongo MPRS
97. Karina Mariotti MPRS
98. Karine Camargo Teixeira MPRS
99. Karla Dias Sandoval Mattos Silva MPES
100. Katie de Sousa Lima Coelho MPDFT
101. Laís Liane Resende MPMT
102. Leo Mario Heidrich Leal MPRS
103. Leonardo Faccioni Vargas Advogado
104. Leonardo Giardin MPRS
105. Leonardo Giron MPRS
106. Letícia Elsner Pacheco de Sá MPRS
107. Lisiane Villagrande Veríssimo da Fonseca MPRS
108. Lívia Luz Farias MPBA
109. Lúcia Helena de Lima Callegari MPRS
110. Luciana Medeiros Costa MPDFT
111. Luciano Alessandro Winck Gallicchio MPRS
112. Ludmila Lins Grilo Juíza-MG
113. Luís Alexandre Lima Lentisco MPMT
114. Luís Carlos Prá MPRS
115. Luiz Antonio Barbara DiasMPRS
116. Luiz Eduardo de Oliveira Azevedo MPRS
117. Luiz Felipe Carvalho MPM
118. Manoel Figueiredo Antunes MPRS
119. Marcelo Araújo Simões. MPRS
120. Marcelo Augusto Squarça MPRS
121. Marcelo Machado Advogado SP
122. Marcelo Ries MPRS
123. Marcelo Tubino Vieira MPRS
124. Marcelo Vicentini Advogado RS e ex-professor da PUCRS e UFRGS
125. Marciel Backes
126. Márcio Abreu Ferreira da Cunha MPRS
127. Marcio Roberto Silva de Carvalho MPRS
128. Márcio Schlee MPRS
129. Marcos Eduardo Rauber MPRS
130. Marcos Reichelt Centeno MPRS
131. Maria Emília Moraes Araújo MPF
132. Maria Ester Henriques Tavares MPM
133. Mariana Coelho Brito MPGO
134. Matheus Macedo Cartapatti MPMS
135. Michele Taís Dumke Kufner MPRS
136. Mônica Marques MPRJ
137. Nathália Swoboda Calvo MPRS
138. Orlando Brunetti Barchini e Santos MPSP
139. Patrícia de Oliveira Robortella Advogada SP
140. Paulo Estevam Araújo MPRS
141. Rafael Thomas Schinner MPRJ
142. Rafaela Hias Moreira Huergo MPRS
143. Raphael Perisse MPF
144. Raquel Marconi Advogada
145. Renata de Andrade santos MPMG
146. Renata Lontra de Oliveira MPRS
147. Renata Pinto Lucena MPRS
148. Renato Barão Varalda MPDFT
149. Renato Teixeira Rezende MPMG
150. Roberto José Taborda Masiero MPRS
151. Robson Jonas Barreiro MPRS
152. Rodrigo Curti MPAC
153. Rodrigo de Magalhães Rosa MPDFT
154. Rodrigo Luiz Bernardo Santos MPF
155. Rodrigo Mendonça Pinto dos Santos MPRS
156. Rodrigo Merli Antunes MPSP
157. Rogério Leão Zagallo MPSP
158. Rômulo Paiva Filho MPMG
159. Ronaldo Lara Resende MPRS
160. Ruth Kicis Torrents Pereira MPDFT
161. Sandra Caramello dos Reis Advogada SP
162. Sergio Cunha de Aguiar Filho. MPRS
163. Sérgio Fernando Harfouche MPMS
164. Sérgio Luiz Rodrigues MPRS
165. Sheila Tavares Advogada SP
166. Silvia Regina Becker Pinto MPRS
167. Silvio Miranda Munhoz MPRS
168. Sílvio Rodrigues Alessi Júnior MPMT
169. Simone Sibílio do Nascimento MPRJ
170. Stefano Lobato Kaltbach MPRS
171. Susana Cordero Spode MPRS
172. Thomás Henrique de Paola Colletto MPRS
173. Tomás Busnardo Ramadan MPSP
174. Ursula Catarina Martins Micherian Advogada SP
175. Vera Bogalho Frost Vieira MPMS
176. Vercilei Lino Sirena MPRS
177. Walmor Alves Moreira MPF/SC
178. Werner Dias de Magalhães MPSP
179. Wesley L. Vaz MPMG
180. Wesley Miranda Alves MPF
181. Yeda Christina Ching San Fillizola Assunção Juíza RJ

A PRISÃO DE VERDADE

DEFESA NET 19 de Outubro, 2017 - 12:30 ( Brasília )




A Prisão da Verdade



Bruno Carpes
Promotor de Justiça



No dia 12 de setembro de 2017, o ex-diretor do Departamento Penitenciário Nacional, as três coordenadoras técnicas dos relatórios do Infopen e o Diretor-Presidente do Fórum de Segurança Pública publicaram artigo intitulado “A Fé no Encarceramento como Solução para a Violência e Criminalidade no País”, a fim de deslegitimar o artigo de minha autoria intitulado “O Mito do Encarceramento em Massa”.

Os autores da resposta afirmaram que o artigo desafiava a lógica, de modo a “querer legitimar a todo custo sua tese de que o aumento do encarceramento constitui a grande solução para o problema da violência e criminalidade”. Já nesse primeiro ponto, verifica-se a preocupação dos responsáveis pela coleta de dados prisionais em descaracterizar o estudo apresentado, utilizando-se de usual estratégia de atacar o autor, e não o conteúdo propriamente dito.

Em vez de se debruçarem nos números trazidos, baseado em dados objetivos, demonstraram ao público seu viés ideológico: preocuparam-se em confirmar a qualquer custo a tese de hiperencarceramento no Brasil, negligenciando a análise aprofundada e isenta da situação prisional, inclusive, eximindo-se da obrigação de prestar contas acerca da omissão na coleta de dados sobre o tempo médio de prisão no regime fechado para cada preso brasileiro, denunciada em nosso estudo.

Após, afirmam os autores que “distancia-se do bom senso” a exclusão dos apenados em regime semiaberto, o qual “guarda características arquitetônicas e operacionais típicas do regime fechado”. Explica-se, em larga medida o caos nos presídios quando os responsáveis pelo Sistema Penitenciário Brasileiro afirmam categoricamente que os regimes fechado e semiaberto “possuem similaridade”, com o fito de corroborar a tese do encarceramento em massa.

Ora, a realidade criada pelos autores é de que “os presos no semiaberto encontram-se em situação de confinamento e, apenas em pequena escala, são autorizados a ausentar-se da unidade penal para trabalhar”.

Dessa forma, pergunto: por que isso não foi confirmado em números? Por que continuarmos discutindo narrativas, em vez de dados objetivos? Por que o penúltimo relatório de junho de 2014 refere que 25% do total de presos (todos os regimes) exercem trabalho externo, sem demonstrar de forma individualizada o percentual dos apenados do regime semiaberto?

A resposta é encontrada através de uma leitura global do referido relatório. Ele aponta que apenas 15% dos apenados se encontravam em regime semiaberto e outros 3% em regime aberto; portanto, percentual menor do que o total de presos que exercem trabalho externo (25%). Ou o relatório novamente mostra falhas consideráveis, ou fica revelado que a maciça maioria dos apenados do regime semiaberto exerce trabalho externo, ao contrário do alegado pelos desencarceradores que formularam o próprio relatório.


Afinal, o trabalho externo no regime fechado é praticamente inexistente em solo brasileiro (ante a notória falta de recursos humanos para a necessária fiscalização contra a fuga - art. 36 da Lei de Execuções Penais). Cumpre reafirmar, pois, a regra da liberdade para os apenados que afirmarem trabalhar ou estudar durante o dia (sem qualquer fiscalização), além do direito às saídas temporárias, gozado especialmente durante feriadões, em irrestrita liberdade. Quem desconhece o exemplo paradigmático de Isabela Nardoni, em gozo de saída temporária durante o dia das mães?

Realmente não há como discordar da afirmação dos autores: “Em estatística é comum a afirmação de que, sob tortura os números confessam qualquer crime”.

A fim de exemplificar a evidente falsa percepção da realidade, a Superintendência dos Serviços Penitenciários do Estado do Rio Grande do Sul, responsável administrativamente pelas prisões nessa unidade federativa, respondeu ao veículo de comunicação que não tinha “obrigação de fiscalizar presos do regime semiaberto, já que o entendimento é que eles estão a um passo da liberdade”. Na mesma reportagem, veiculada no ano de 2016, apurou-se que 27% das prisões nas Delegacias são provenientes de foragidos do semiaberto.¹

É espantoso que o Diretório Penitenciário Nacional tenha sido comandado por quem desconhecesse a realidade prisional, buscando apenas fomentar antidemocrática e ilegalmente o ativismo desencarcerador (hipótese não contemplada ao Departamento Penitenciário Nacional, nos termos do art. 72 da Lei de Execuções Penais).

Lamenta-se, por conseguinte, as afirmações dos que outrora foram responsáveis por órgão tão relevante ao sistema prisional brasileiro. A Nação, especialmente as incontáveis vítimas (algumas que não se encontram mais entre nós) dos apenados do regime semiaberto, merecia pedidos sinceros de escusas pelo Ministério da Justiça e pela Presidência da República.

Ainda, os desencarceradores acusaram o autor de falta de bom senso, quando excluiu apenados do semiaberto na comparação em nível global.
Em verdade, a falta de bom senso advém de quem desconhece ou omite que o Brasil detém sistema progressivo leniente, o qual permite, por exemplo, que um assaltante portando arma de fogo (latrocida em potencial) inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto e progrida de regime com apenas um sexto de pena cumprida. Por outro lado, na pesquisa dos poucos países do mundo civilizado que adotam o sistema progressivo, tal como o nosso vizinho Argentina, bem como a Espanha (penas maiores de 5 anos), é permitido o deferimento da semiliberdade somente após o cumprimento de metade da pena.

Sem contar os países que não adotaram o sistema progressivo (maioria dos países europeus e dos de tradição anglo-saxônica). No próprio Mercosul, vizinhos de mesma tradição latina, tais como Chile e Uruguai, não adotaram o sistema progressivo e permitem o livramento condicional depois de cumprimento entre metade a dois terços da pena.

A título de observação, adotando-se o critério dos desencarceradores (englobando-se os apenados de todos os regimes), consoante dados do Conselho Nacional do Ministério Público, o Brasil figura em 42º lugar, com 274 presos a cada cem mil habitantes. Ou seja, taxa de encarceramento muito inferior ao número de 306 presos a cada cem mil habitantes, como afirmado no relatório do Infopen.

Quanto à questão dos presos provisórios, resta pouco a comentar, apenas reafirmar os índices e os comparativos trazidos pelo artigo “O Mito do Encarceramento em Massa”, que apenas reproduziu o comparativo global. Pontua-se apenas que, em vez de contrariar os apontamentos, os responsáveis anteriores pelo Infopen acabam por confessar que a estimativa de 40% de presos provisórios não passava de um palpite, sem qualquer referência real que lhes servisse de lastro.

Depois de confessar o palpite, surpreendentemente criticam os critérios adotados por este autor: “Para as edições de 2014, o formulário de coleta e toda a metodologia do estudo foram cuidadosamente discutidos com mais de uma dezena de pesquisadores da área. (...) A revisão metodológica realizada em 2014 buscou atender às regras de inferência científica para melhoria da confiabilidade, validade, rigor e integridade dos resultados através da transparência dos procedimentos de coleta e análise dos dados”.

Não há dúvida, portanto, de que essa afirmação destina-se somente àqueles que ousam divergir dos ativistas do desenceraceramento, pois conforme consta na página oito do relatório do Infopen de junho de 2014: “Os diagnósticos realizados e divulgados nesse relatório não esgotam, de forma alguma, todas as possibilidades de análise. A publicação dos dados em formato aberto, pela primeira vez na história do Departamento Penitenciário Nacional, permitirá a livre interpretação dos dados a partir dos mais diversos olhares e perspectivas, com análises críticas que poderão somar à compreensão da realidade prisional brasileira”.

Salta aos olhos a inaptidão dos autores para analisar a grave questão criminal brasileira quando - para referendar a ineficácia da prisão – afirmam que “paira a certeza de que as velhas fórmulas utilizadas nos últimos 30 anos não têm se mostrado eficazes”, sem perceberem que “as velhas fórmulas” são justamente aquelas por eles defendidas de maneira hegemônica há cerca de 30 anos, período no qual o número de assassinatos no Brasil saltou de 11 para quase 30 por cem mil habitantes.

Os autores apenas referendam outro falso mantra: o do punitivismo penal. Ignoram, a toda evidência, estudos fundamentais como o exemplar trabalho acadêmico intitulado “O Caráter Polifuncional da Pena e os Institutos Despenalizadores: Em Busca da Política Criminal Do Legislador Brasileiro”, de Jônatas Kosmann, que mapeou os intervalos de penas previstos em 1050 tipos penais. Conclusão: 50,67% das penas no Brasil comportam transação penal, 24,10% comportam suspensão condicional do processo, outras 3,42% admitem a substituição por penas privativas de direito e apenas 2,67% (28 tipos penais) impõe que o juiz aplique o regime inicialmente fechado.

Sim, caros leitores, o ordenamento pátrio obriga o juiz a estipular a efetiva prisão (inicialmente fechada) em apenas 2,67% das penas criminais existentes e possibilita, com absoluta certeza, em mais de 75% das penas, que sequer HAJA CONDENAÇÃO a qualquer regime de pena privativa de liberdade. Dizer que o Brasil vive uma onda encarceradora e punitivista equivale a algo tão desproporcional e distante da realidade quanto a comparação entre um cavalo e um cavalo-marinho.

Chama a atenção também à falta de interesse na apuração de dados quanto à impunidade brasileira, uma vez que, desde 1998, o economista J.C. Fernandez referia que não existiam dados que estimassem a probabilidade de detenção de um indivíduo no Brasil. Contudo, supôs ser ainda menor que a verificada nos Estados Unidos, que é de apenas 5%. Isto implicaria dizer que no Brasil a probabilidade de sucesso no setor do crime pode ser maior do que 95%².

Os autores ainda buscam autor estrangeiro para comentar acerca das facções criminosas nos presídios norte-americanos, algo totalmente fora do contexto do artigo que contestavam. De qualquer forma, enquanto demonstram interesse na questão carcerária dos Estados Unidos da América, não explicam porque não buscaram se espelhar naquele país, que possui ampla gama de dados sobre crimes e prisões desde a década de 60.

Ainda, desconsideram vários estudos, como o do Doutor pelo MIT, Steven Levitt, co-autor do Best-seller “Freaknomics”, que afirma: “Cada criminoso preso gera uma redução de 15 crimes patrimoniais por ano e que os benefícios sociais da prisão são maiores que os custos”³. Ou de Thomas Sowell, renomado economista, que demonstra, com base em dados do Reino Unido, que um criminoso solto custa vinte vezes mais caro à sociedade4. Ou ainda, que o aumento de número de prisões, após acompanhar o aumento no número de crimes, possibilitou a diminuição no número de crimes violentos, retornando a índices da criminalidade do início da década de 70, conforme demonstra o gráfico a seguir:



Por fim, pergunto: Por que os autores não coletaram dados quanto ao tempo médio de prisão dos apenados, pormenorizadamente, por regime? Por que não coletaram dados a fim de aferir a probabilidade de detenção de um criminoso no Brasil? Por que não coletaram dados a fim de aferir a quantidade de apenados que deveriam estar em cumprimento de regime semiaberto e aberto, mas que se encontram em recolhimento domiciliar, sem qualquer fiscalização? Por que não se interessaram em realizar uma radiografia completa do sistema prisional e denunciar o contingenciamento de valores do Fundo Penitenciário Nacional, que alcançaram o valor de 3,5 bilhões de reais no final do ano de 2016, enquanto a população era iludida sobre a inexistência de verbas públicas para construção de presídios?

Duvido sinceramente que o façam. O próprio título do artigo “Fé no Encarceramento em Massa” dá conta de que o jargão pseudocientífico e a montanha de clichês empregados pelos “especialistas” apenas escondem uma fé cega na “causa” da impunidade, que há de ser defendida a qualquer custo e por todos os meios.

Parafraseando Grouxo Marx, àqueles que não comungam dessa mesma fé, os especialistas parecem nos dizer: "Você prefere acreditar em mim ou em seus próprios olhos?".


¹ http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/07/semiaberto-origina-27-das-prisoes-da-delegacia-de-capturas-do-rs.html
² FERNANDEZ, J. C. A economia do crime revisitada. Economia & Tecnologia. Campinas, v. 1, n. 03, Jul.-Set./1998. p.36-44.
³ LEVITT, S. D. The effect of prison population size on crime rates: evidence from prison overcrowding litigation. The Quarterly Journal of Economics. vol. 111, n. 2, maio 1996, p.319-351.
4 Dados do Reino Unido. Fonte: Basic Economics, Thomas Sowell

CHEFES DO TRÁFICO, O RETORNO PELO AVAL DE UMA JUSTIÇA PERMISSIVA




ZERO HORA 09/07/2018


Preocupa a decisão da Justiça que pode permitir o retorno de líderes do crime organizado às cadeias gaúchas. "A segurança não é mais uma agenda política, uma opção do gestor, é, isto sim, uma prioridade absoluta e declarada da sociedade"


Por Fabiano Dallazen, procurador-geral de Justiça


A atual situação de insegurança pública é muito complexa para ser tratada apenas em termos jurídicos. Exige atitudes concretas e articuladas de todo o poder público, especialmente em relação aos presídios e às facções, que necessitam de medidas sistêmicas para evitar seu colapso e manter níveis de violência adequados ao padrão civilizatório. A segurança não é mais uma agenda política, uma opção do gestor, é, isto sim, uma prioridade absoluta e declarada da sociedade.


Um exemplo é a Operação Pulso Firme, que transferiu 27 líderes de facções que comandavam a criminalidade de dentro os presídios gaúchos, em ação integrada da Secretaria de Segurança Pública, Ministério Público, Forças Armadas, Ministério da Justiça e, inclusive, do Poder Judiciário. Revelou-se um acerto que já nos meses seguintes pode ser medido pela redução nos principais indicadores de criminalidade. Mas não pode ser interrompida, sob pena de recrudescimento da situação instalada antes de sua deflagração. Por isso são preocupantes as decisões dos juízes da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, ao permitirem o retorno de 17 dos principais líderes do crime organizado e violento às cadeias gaúchas. A sociedade exige de todos os poderes e instituições responsáveis que ações resolutivas sejam consolidadas e replicadas. Nunca desmontadas!


Certo que a má gestão do sistema penitenciário está na raiz da atuação das facções. Mas a responsabilidade deve ser compartilhada, especialmente pelos juízes da VEC, cujas decisões impactam no dia a dia da administração dos principais presídios. Assim sendo, é o próprio Judiciário que, por algumas decisões, tem conduzido – e às vezes impedido – a gestão do sistema penitenciário. Não se pode imputar responsabilidade exclusiva por um problema que tem em sua causa a participação de muitos.


O Ministério Público não se furta à sua parcela de responsabilidade e está ciente da necessidade de permanência desses criminosos em presídios federais. Por isso, recorrerá das decisões, confiando em sua reversão no Tribunal de Justiça, uma vez que a responsabilidade pela manutenção da ordem e da segurança é de todo o Estado.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

SUCATEAMENTO DAS FORÇAS PRISIONAIS



JORNAL NACIONAL Edição do dia 22/02/2018


Monitor da Violência ressalta número reduzido de agentes penitenciários. Recomendação é de um agente para cinco presos. Apenas oito estados estão na média recomendada, revela relatório.



Dezenove estados brasileiros têm menos agentes penitenciários do que o recomendado para manter o controle dos presídios. O levantamento é do Monitor da Violência - uma parceria do G1, com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Uma população de 686 mil pessoas, equivalente à de uma cidade como Osasco, na Grande São Paulo. São os presos do sistema penitenciário brasileiro. O problema é que existem apenas 407 mil vagas. O déficit é de 279 mil.

Os agentes penitenciários são os responsáveis por manter a ordem dentro das unidades. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária diz que, dentro de uma cadeia, deve haver pelo menos um agente para cada cinco presos.

A pesquisa avaliou dados de 26 estados e do Distrito Federal e concluiu que 19 não cumprem a resolução do Conselho Nacional. Apenas oito estão na média recomendada.

Pernambuco tem a pior média: 20 presos para cada agente penitenciário. E a situação se torna mais grave por causa da superlotação. É o estado que tem a maior quantidade de presos por vaga no país: 10.800 vagas para 30 mil presos.

De acordo com o Sindicato dos Agentes Penitenciários de Pernambuco, são 1.500 profissionais trabalhando. Faltariam 4.500 para Pernambuco cumprir o que estabelece o Conselho de Política Penitenciária.

“Com poucos agentes penitenciários e os plantões reduzidos, a gente guarda a gaiola. Lá dentro os presos, é preso mandando em preso”, conta uma pessoa que não quis ser identificada.

Desde 2010, o quadro de agentes não é reforçado em Pernambuco. O governo diz que fez concurso para 500 novos agentes em 2017, mas o concurso está em análise jurídica pela Procuradoria Geral do Estado.

“Hoje a gente tem que trabalhar muito mais com inteligência, com desempenho de atividades, com equipamentos que nos deem informação porque na força bruta não resolve”, disse o secretário de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, Pedro Eurico.

O levantamento nacional revela também que, em cinco anos, nove agentes penitenciários morreram, 300 foram feitos reféns e 594 ficaram feridos dentro das prisões.

“O agente prisional, ele é na verdade o responsável por fazer a fronteira entre o legal e o ilegal, quase que cuidar da muralha de um presídio. O que entra e o que sai, e o que pode e o que não pode. As prisões hoje estão sob o comando das facções criminosas e não do estado. A gente, primeiro passo é retomar esse controle, e retomar esse controle é valorizar o agente prisional, é estabelecer regras de governança, e é revisar a política criminal”, explica o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

CENTRO DE TRIAGEM NÃO É CADEIA

ZERO HORA 01/12/2017


"Centro de triagem não é cadeia", diz juíza que interditou a estrutura junto ao Presídio Central. Estado pediu aumento do prazo de permanência de detidos em centro de triagem de cinco para 20 dias. Local está interditado desde a última segunda-feira (27)




Eduardo Torres






Presos voltaram a dormir em viatura da Brigada Militar em frente ao Palácio da PolíciaTadeu Vilani / Agencia RBS


Ainda sem encontrar uma solução para desafogar o sistema prisional, depois da interdição das 96 vagas do centro de triagem montado junto ao Presídio Central, a Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) respondeu à ordem de fechamento da estrutura com um pedido de prorrogação de prazos. A ordem judicial é de que os presos não permaneçam mais do que cinco dias na triagem até serem encaminhados a algum presídio. A Susepe pede que esse prazo seja alterado para 20 dias. Antes de se manifestar, a juíza Sonáli Zluhan, que determinou a interdição, aguarda um posicionamento da Defensoria Pública, que denunciou o descumprimento das funções do centro de triagem. Até lá, o local segue impedido de receber presos.


— A situação é muito clara. Centro de triagem não é cadeia, não tem estrutura para isso. O Estado optou por este investimento com a condição de que abriria vagas em cadeias, mas não é o que verificamos. Se a intenção é fazer com que os centros sejam novas cadeias, então que se invista para adaptá-los para este fim — diz a juíza.


Conforme a ordem de interdição, havia presos que completavam um mês ali. Inclusive detentos que deveriam estar cumprindo penas em regime semiaberto. De acordo com o diretor de polícia metropolitana, delegado Fábio Motta Lopes, a situação do Palácio da Polícia, com seis presos em viaturas, é única na região até o final da manhã desta sexta-feira (1º), mas ele admite que a situação das delegacias agravou nos últimos dias.


— Já estávamos nos habituando à agilidade da Susepe no encaminhamento dos presos em horas. Dificilmente passando de 24 horas com algum preso em delegacia. Essa velocidade diminuiu desde o começo da semana. Claro que ainda estamos longe da situação caótica que tivemos, por exemplo, em Gravataí, mas é preocupante — aponta o delegado.


Entre as duas delegacias de pronto-atendimento de Porto Alegre, há 16 presos nas carceragens nesta sexta. É a capacidade máxima dos dois locais. Em Canoas, há 19 presos e, em São Leopoldo, outros 10.


De acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP), em duas semanas há a perspectiva de abrir o segundo centro de triagem junto ao Presídio Central, com 112 vagas. A juíza Sonáli Zluhan garante que não há impeditivo para que isso aconteça, mas alerta:


— Vamos fiscalizar. É fundamental que o Estado cumpra o propósito de um centro de triagem.



ZH 27/11/2017

TULIO MILMAN

Justiça determina o fechamento provisório do Centro de Triagem da Cadeia de Porto Alegre
Secretário de segurança Cezar Schirmer afirma que está buscando uma alternativa para o impasse e que interditar o local não resolve o problema.


Depois de determinar no fim de outubro a remoção de presos da Capital para presídios em Charqueadas, a Justiça ordenou o fechamento do Centro de Triagem de presos provisórios em Porto Alegre.

A sentença da juíza Sonáli Zluhan, da Vara de Execuções Criminais (VEC) decide que enquanto houver presos há mais de cinco dias no Centro de Triagem está proibida a entrada de mais detentos no local.

Também ordena a imediata transferência dos presos ali recolhidos há mais de cinco dias. A decisão foi tomada a partir de um pedido da Defensoria Pública do Estado.

Entre as justificativas listadas pela magistrada está o período de permanência de presos no local. Alguns estão lá há mais de 30 dias — a lei determina que o período máximo seja de 5.

O secretário de segurança Cezar Schirmer afirma que a superintendente da Susepe, Marli Ane Stock, já esteve reunida com a magistrada e que ainda está sendo construída uma alternativa para o impasse.

Ele lembra que a construção de novos presídios leva pelo menos 10 meses:

— Estamos construído uma alternativa factível. Interditar não resolve o problema. Interditar só gera um problema mais à frente, ali ou em outro lugar.

A situação do centro de triagem é novo capítulo no caos prisional do Estado. Há duas semanas, a juíza Patrícia Fraga Martins, da 2ª VEC, chegou a ordenar a interdição do módulo 2 da Penitenciária de Canoas (Pecan 2), alegando falta de recursos para recolhimento de presos no local em condições similares às da Pecan 1. Neste primeiro módulo, que abriga 377 presos desde julho, não há, por exemplo, lideranças de galeria, os detentos recebem atendimento ambulatorial, médico e jurídico, a alimentação é toda produzida dentro do complexo e quem controla a prisão são agentes penitenciários.

No último dia 21, contudo, a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS) deferiu liminar suspendendo a decisão, sob o argumento de que não havia razões suficientes para manter a unidade paralisada. No dia seguinte, o Estado retomou a transferência de presos para a Pecan2, assumida pela Brigada Militar (BM), como forma de desafogar as celas de delegacias.

A juíza Sonáli determina que a responsabilidade em caso de eventual descumprimento da ordem é do próprio secretário, da superintendente da Susepe, Marli Ane Stock, e também do diretor da Casa Prisional, Marcelo Gayer Barboza.

Procurada, a Defensoria Pública não quis se manifestar.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

MENTIRAS DO CÁRCERE



GAZETA DO POVO 11/07/2017

Ignorando os dados concretos, os apólogos do desencarceramento, como donos da verdade e da razão, exercem forte pressão para que todo o sistema penal se curve às suas prescrições.


Diego Pessi e Leonardo Giardin de Souza


 

A narrativa da moda nos debates sobre criminalidade no Brasil é baseada na proposição fundamental de que somos um país violento porque padecemos de um mal chamado “encarceramento em massa”. Essa é a base de um novo mantra: urge o desencarceramento de delinquentes, na realidade vítimas de um sistema injusto. Na mesma velocidade com que foi adotado como panaceia pela cúpula da Justiça brasileira (a começar pelo CNJ e pelo STF) – sem qualquer debate público digno do nome – o desencarceramento tornou-se objeto de feroz campanha publicitária que envolve, dentre outros grupos ativistas, uma tal “Rede Justiça Criminal”, ente fantasmagórico que diz reunir 8 ONGs “preocupadas com o sistema criminal brasileiro” (prisaonaoejustica.org). Dentre as reivindicações da abnegada militância, destaca-se a inarredável proibição de prender, pois cadeias superlotadas geram “mais violência”, sendo necessário apostar em mecanismos que dificultem a prisão ou induzam a soltura de criminosos. Afinal, no Brasil, prende-se demais. Será?


De acordo com Relatório do CNMP, em 2015 havia no Brasil 196.749 presos provisórios e 259.359 condenados submetidos ao regime fechado (num total de 456.108 indivíduos efetivamente presos). Proporcionalmente ao número de habitantes, ocupamos o 30° lugar no ranking mundial de população prisional (prisionstudies.org), caindo para 77° no que concerne ao número de presos provisórios. O raquitismo desses índices salta aos olhos quando cotejado com a cifra negra da criminalidade: o Brasil registra cerca de 60 mil mortes intencionais por ano (um brasileiro é morto a cada nove minutos). Apenas entre 2000 e 2015 cerca de 800 mil brasileiros foram assassinados (número equivalente à população de João Pessoa-PB), com um percentual de elucidação que gira entre constrangedores 5 e 8%, segundo o Diagnóstico da Investigação de Homicídios da ENASP. Ou seja: no brevíssimo período de 15 anos, já deduzido o recorde de 19% de elucidação obtido nos 43.123 inquéritos finalizados pelo programa Meta 2, é possível estimar que mais de 700 mil homicídios cometidos no Brasil sequer tiveram a autoria apurada! Somam-se a isso os quase 600 mil mandados de prisão pendentes de cumprimento, os mais de 100 mil com prazo expirado (dados do Banco Nacional de Mandados de Prisão) e o baixíssimo índice de elucidação verificado em relação a outros crimes graves (apenas um em cada 53 roubos registrados tem a autoria esclarecida no Rio de Janeiro). Eis uma boa noção de quão falaciosa é a narrativa do “encarceramento em massa”. Segundo a teoria da escolha racional, de Gary Stanley Becker – economista americano agraciado com o Prêmio Nobel em Ciências Econômicas –, a quantidade de crimes cometidos é determinada por um cálculo de risco e recompensa envolvidos na empreitada (a alta probabilidade de condenação é fator preponderante para inibir o criminoso). Os números acima apresentados são reveladores do estado de anomia a que foi reduzido o Brasil, que, não por acaso, é campeão mundial em número absoluto de homicídios (com 11% dos assassinatos do planeta).

Contando com 21 das 50 cidades mais violentas do mundo, o País que entre 2011 e 2015 registrou mais mortes violentas do que a guerra da Síria figura na vergonhosa 108ª posição do ranking de 162 países do Global Peace Index – 2017.  

Ignorando os dados concretos, os apólogos do desencarceramento, como donos da verdade e da razão, exercem forte pressão para que todo o sistema penal se curve às suas prescrições, sem incluir entre elas nada que possa melhorar as condições dos sistemas penitenciário e de persecução criminal. Só há uma solução aceitável: manter assaltantes, homicidas, traficantes e estupradores longe das cadeias, mas no seio da sociedade cujas regras desprezam, em meio às suas vítimas atuais e potenciais. Mais vagas prisionais, mais polícia judiciária e policiamento ostensivo, e, sobretudo a retomada, pelo Estado, dos espaços prisionais dominados por criminosos, são vistas como indesejáveis medidas de afirmação de um sistema injusto. Preferindo uma verborragia falaz à realidade, refletem os postulados marxistas da criminologia crítica, baseada na premissa neurótica de que o sistema penal é apenas uma estrutura de controle de uma classe social, dominada por uma elite que busca manter sua hegemonia, reduzindo a problemática da criminalidade ao pauperismo fantasioso dos estereótipos da luta de classes. A união de 8 ONGs numa rede financiada por fundações como Open Society, OAK, Ford e outros braços da elite globalista – ramos artificiais de um único grupo de pressão, criados para simular uma pluralidade de manifestações independentes e espontâneas a reverberar a ideologia de que criminosos agem em nome dos pobres, mesmo que sejam exatamente os pobres as vítimas preferenciais do banditismo – explica porque o Brasil se comprometeu a reduzir em 10% seu contingente carcerário perante a ONU, que atualmente nada mais é que a estrutura burocrática do globalismo.

Transformar deliberadamente o sistema prisional num espantalho – no ano de 2013 o CNJ já sugeria a responsabilização das autoridades de 11 Estados, que deixaram de investir R$ 103,4 milhões destinados aos presídios – para em seguida denunciar-lhe a ineficácia e promover a agenda do desencarceramento é uma monstruosidade inominável. Ao eleger como prioridade a soltura de criminosos, o governo brasileiro reafirma o compromisso com a impunidade, cospe nas famílias enlutadas e escarnece de milhares de cadáveres, cujo sangue derramado clama aos céus por justiça.
Diego Pessi e Leonardo Giardin de Souza são Promotores de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e autores do livro Bandidolatria e Democídio, ensaios sobre garantismo penal e criminalidade no brasil.

CRISE, INTERVENÇÃO E O FLAGELO DOS "ESPECIALISTAS"





GAZETA DO POVO, 19/02/2018


É claro que os críticos à intervenção no Rio citariam o “encarceramento em massa” e o “fracasso da guerra às drogas”. É pura má-fé


Bruno Carpes e Diego Pessi



A intervenção federal no estado do Rio de Janeiro se insere numa perspectiva de crise, tal como definida pelo filósofo Mário Ferreira dos Santos, mais especificamente no que diz respeito à corrupção do ciclo cultural, à tensão entre vetores de conservação e destruição e às fases cráticas (de cratos, “poder”) da história, cujo ciclo de decadência compreende, em seus estágios finais: plutocracia (a sociedade é dirigida pelos dominadores do dinheiro); argirocracia (o dinheiro é denominador comum de todas as coisas e o Estado se transforma num amplo negócio, acabando por desmoralizar-se, provocando agitações que levam à fase seguinte); oclocracia (domínio “das vontades” e da desordem destruidora) e cesariocracia, quando o cratos é entregue a homens poderosos, apoiados nas forças militarizadas da sociedade como único meio de salvação à catástrofe. Seria excesso de otimismo esperar de nossos “especialistas” uma análise centrada no cotejo da história recente do Brasil com essas fases cráticas (que não se sucedem, necessariamente, com exatidão mecânica) ou um debate sobre a corrupção do ciclo cultural. Entretanto, deixando de lado o aspecto histórico e restringindo a questão ao plano prático, a intervenção federal bem poderia ser debatida sob o prisma da dinâmica de contrainsurreição aplicada à narcoguerrilha urbana, escrutinada à luz dos critérios de avaliação inicial para emprego das Forças Armadas, tais como transformação do ambiente político-social, cerceamento das fontes de receita, isolamento de apoio externo às forças irregulares e privação de seus refúgios ativos (para citar apenas quatro dos quase 40 itens elencados por Alessandro Visacro em sua obra clássica sobre combate irregular).

Desgraçadamente, a tônica dos debates públicos em torno da intervenção federal resume-se a: 1. minimizar a gravidade da situação, atribuindo à mídia um alarmismo histérico e, portanto, injustificado; 2. de forma assimétrica, condenar de antemão qualquer possível ação do Estado como ilegítima e violadora dos direitos civis, sem mencionar as violações efetivamente cometidas pelos criminosos; 3. Reafirmar o fracasso da “guerra às drogas”, sugerindo, muito vagamente, que sua descriminalização abriria caminho para um novo mundo de paz e harmonia. Nele, traficantes que, armados de fuzil, hoje caçam policiais e eliminam concorrentes em execuções sumárias (transmitidas quase que em tempo real pelas redes sociais) irão depor as armas e se adaptar às restrições e livre concorrência do mercado formal, quem sabe até (suprema realização!) pagando tributos...


O verdadeiro problema que enfrentamos não é o “encarceramento em massa”; é a impunidade

Raras são as menções aos mais de 130 policiais assassinados no Rio de Janeiro apenas no ano de 2017, muitos deles executados com requintes de crueldade, como o sargento Fábio Cavalcante e Sá, morto diante do próprio pai, sob os gritos “Mata! Mata! É PM”. Nenhuma palavra é dita sobre as crianças vitimadas pela explosão de violência urbana, como a pequena Emily Sofia, morta aos 3 anos numa tentativa de assalto ocorrida na zona norte do Rio de Janeiro há menos de duas semanas. Os apologistas do desarmamento, que se escandalizam ante a mera perspectiva de que um pai de família adquira um revólver para defesa pessoal, fazem cara de paisagem e se mantêm em obsequioso silêncio quando se trata de exigir a intervenção da força pública para desarmar traficantes que desfilam impunemente ostentando fuzis AK-47 (segundo noticiado, cerca de 250 fuzis apreendidos em apenas cinco meses no ano de 2017, 60 deles no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro). Silêncio idêntico, aliás, àquele dos autoproclamados defensores dos direitos humanos, quando, em setembro de 2017, traficantes submeteram moradores da Rocinha a revistas visando à identificação de possíveis delatores, expulsando da própria casa aqueles que julgavam suspeitos.

O cidadão brasileiro tornou-se refém de uma oligarquia que há décadas vem servindo a ideologias e interesses espúrios, negando a crueza da realidade circundante e recusando amparo às vítimas da violência. Diante de índices que fazem do Brasil campeão mundial em número de homicídios, essa casta insular, “enfurnada, em seus próprios valores, maneirismos e vocabulário”, cuja opinião detém “o monopólio sobre os meios de expressão e circulação de ideias” (tal como denunciado por Flávio Gordon no monumental A Corrupção da Inteligência), insiste em brandir um espantalho: o Brasil tem um sistema “punitivista”, do qual resulta, como subproduto, o “encarceramento em massa”.

Nunca é demais lembrar que um brasileiro é morto a cada nove minutos(cerca de 60 mil por ano) e que, do total desses casos, não mais que 8% são objeto de denúncia (segundo o Diagnóstico da Investigação de Homicídios da Enasp). Como falar em punitivismo se, no brevíssimo período de pouco mais de 15 anos, cerca de 700 mil homicídios cometidos no Brasil nem sequer foram denunciados? Como falar em punitivismo quando, apenas no ano de 2016, foram registrados mais de 3 assaltos por minuto no país (totalizando 1.726.757 roubos) e quando se estima que apenas um em cada 53 desses casos tem a autoria esclarecida no Rio de Janeiro? Somem-se a isso os mais de 130 estupros registrados por dia (cerca de 50 mil por ano) e os mais de 2,5 mil latrocínios cometidos anualmente e resta claro que o verdadeiro problema que enfrentamos se chama impunidade.

Por outro lado, de acordo com o último relatório do Conselho Nacional do Ministério Público (o Infopen peca em razão da imprecisão na contagem de presos pelos estados, conforme exposto pioneiramente pela Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais e recentemente pelo CNJ), o Brasil tinha, em 2015 (último ano divulgado), o total de 456.108 pessoas efetivamente presas – isto é, provisórios e no regime fechado. Isso deixava o país na 59.ª posição mundial em números proporcionais. Em relação ao número de presos provisórios para cada 100 mil habitantes, o Brasil figura em 117.ª posição no ranking mundial, segundo o site que computa os dados prisionais globais. Teses desviantes como a do “encarceramento em massa” computam como “presos” apenados que se encontram nos regimes semiaberto e aberto (inclusive aqueles em recolhimento domiciliar sem fiscalização, ou com tornozeleiras eletrônicas desfuncionais, que se encontram vinculados no sistema eletrônico a ambos os regimes brandos – chamados de “presos na nuvem” pelo órgão administrativo prisional).

Quando alguém – como vimos recentemente – menciona a existência de 750 mil “presos” e 350 mil “presos provisórios” no país, sem esclarecer que está a apontar como “presos” indivíduos que não estão encarcerados, tampouco correlacionar esses números aos altíssimos índices de criminalidade registrados, o faz por flagrante ignorância ou imperdoável má-fé. No afã de comprovar a “fúria punitivista” do sistema de persecução criminal brasileiro, omite-se inclusive o fato de que o país adota sistema progressivo de pena extremamente leniente, permitindo a mudança de regime prisional com o cumprimento de apenas um sexto da pena. Nossa vizinha Argentina apenas permite a progressão após cumprimento de metade da pena. Chile e Uruguai, que não adotaram o sistema progressivo, permitem o livramento condicional após cumprido período que varia entre e a metade e dois terços da pena. Aqueles que clamam aos céus pela adoção de penas alternativas à prisão não esclarecem que, atualmente, em apenas 2,67% dos tipos penais o juiz é obrigado legalmente a estipular o regime inicial fechado para cumprimento de pena. Enquanto isso, 78,19% dos intervalos de pena possibilitam que o acusado (por meio de benefícios legais) não sofra qualquer risco de prisão. O vale-tudo para justificar a narrativa de uma “Justiça Penal repressora, seletiva e estigmatizante”, tal como referido em recente “manifesto antipunitivista”, remete a uma adaptação da famosa blague de Groucho Marx: “Estes são meus fatos. Se você não se convencer com eles, crio outros”.

O Direito é a força que controla a força e, quando enfraquecido, leva inevitavelmente ao barbarismo. A realidade do Brasil segue essa regra, magistralmente exposta por Gilberto Callado de Oliveira na obra Garantismo e Barbárie. O tempo dirá se estamos diante de mais uma etapa em nossa marcha rumo ao colapso civilizacional ou do início de um processo de refluxo histórico, apto a reverter a degeneração do ciclo cultural. Uma coisa é certa: a intervenção federal nos traz à lembrança o dever do Estado de promover a paz social, ainda que tardiamente. Deve servir, sobretudo, como alerta para que se abandone a torpe ideologia que nos trouxe até aqui, pois continuar fazendo a mesma coisa na expectativa de obter resultados diferentes é a definição einsteniana de insanidade.



Bruno Carpes é promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e membro do Núcleo de Pesquisa e Análise da Criminalidade da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais.

Diego Pessi é promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e coautor de “Bandidolatria e Democídio – Ensaios Sobre Garantismo Penal e Criminalidade no Brasil”.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

EXECUÇÃO PENAL TEM 2,3 BILHÕES PARA PRESÍDIOS PARADOS

  CONTAS ABERTAS 12.01.2018


Governo fecha ano com R$ 2,3 bilhões para presídios parados






Entra ano e sai ano e a situação crítica de presídios por todo o país não muda. Logo no início do ano, novas rebeliões em Goiás deixaram nove detentos mortos na penitenciária de Aparecida do Norte. Com três rebeliões seguidas, a presidente do Supremo Tribunal Federal chegou a desistir de visitar o local.

Enquanto isso, R$ 2,3 bilhões exatamente para investimentos em presídios estão parados nos cofres públicos. De acordo com dados da Contas Abertas, esses recursos são lançados como “disponibilidades” do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). Há anos os recursos do Fundo, constituído na década de 90, não são plenamente aplicados.

Dessa forma, o saldo contábil do Fundo cresceu sistematicamente. Para se ter ideia, em 2000 o saldo disponível e não aplicado atingia apenas R$ 175,2 milhões. Em 2016, as disponibilidades chegaram a atingir R$ 3,8 bilhões.

No ano passado, no entanto, após rebeliões de presos no Norte e Nordeste do país com mais de 100 mortes, fizeram o governo federal liberar R$ 1,1 bilhão para para a construção, reforma e ampliação de presídios. No entanto, a promessa de repassar outros R$ 700 milhões no primeiro semestre deste ano ainda não foi cumprida.

O Funpen foi instituído pela Lei Complementar nº 79, de 7 de janeiro de 1994, com a finalidade de proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades e programas de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro. O Fundo é coordenado pelo Ministério da Justiça (MJ)

O secretário-geral da Contas Abertas, Gil Castello Branco, explica que os recursos entram regularmente nos cofres públicos - visto que a maior parte é proveniente das loterias - e são contabilizados no Funpen, no entanto, não são inteiramente utilizados. Ele lembra que, por vezes, o Ministério da Justiça tentou utilizar os recursos, mas recebia da área econômica resposta negativa por “não haver espaço fiscal” para as liberações.

Apenas metade dos recursos disponíveis são utilizados

Os dados da Contas Abertas mostram ainda que os recursos que estão disponíveis no orçamento para o Funpen não são utilizados com eficácia. Entre 2001 e 2017, cerca de R$ 9,8 bilhões foram autorizados para presídios. No entanto, somente R$ 4,9 bilhões, isto é, metade da previsão, foram efetivamente aplicados na área.

Com as liberações ocorridas após as rebeliões do ano passado, no entanto, a execução foi recorde em 2017. Cerca de 76,1% do total de R$ 1,6 bilhão autorizados para o fundo, isto é, R$ 1,3 bilhão, foram desembolsados. Cabe ressaltar que a dotação inicial do Funpen era de apenas R$ 682,2 milhões para 2016.

Rebeliões

Na primeira semana do ano, o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia registrou três rebeliões em cinco dias. Desta vez, o levante dos presos ocorreu na unidade de regime fechado. As duas primeiras ocorreram na Colônia Agroindustrial, onde ficam os presos do regime semiaberto; a primeira delas deixou nove detentos mortos

Com a situação grave na segurança, a ministra Carmem Lúcia desistiu de vistoriar um conjunto de presídios em Goiás. A presidente do Supremo Tribunal Federal, no entanto, visitou uma grande cadeia no Paraná.

A ministra escolheu para visita o maior complexo penitenciário do estado, em Piraquara, região metropolitana de Curitiba. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, são 6.361 presos num espaço construído para 6.185.

Cármen Lúcia conheceu um lugar que abriga presos provisórios e uma unidade considerada modelo, onde todos os detentos trabalham e estudam em tempo integral. As 33 penitenciárias do Paraná têm capacidade para pouco mais de 18 mil presos, mas abrigam quase 20 mil.



 http://contasabertas.com.br/site/orcamento/governo-fecha-ano-com-r-23-bilhoes-para-presidios-parados

sábado, 27 de janeiro de 2018

NÃO TEM DISCUSSÃO SÉRIA SOBRE SEGURANÇA




ENTREVISTA


"Não tem discussão séria sobre segurança"


JOSÉ ANTÔNIO DALTOÉ CEZAR, Desembargador do TJ do RS




Especialista em Direito Penal, aos 57 anos, o desembargador José Antônio Daltoé Cezar já foi titular em vara e câmara criminal e em juizados da infância. É escritor e conferencista sobre o tema. Com 30 anos de magistratura, Daltoé deixa a área criminal devido ao descontentamento com o sistema penal do país.

Em 2013, o senhor criticou o fato de presos irem para casa com tornozeleiras por falta de vaga no semiaberto. Agora, condenados estão sendo soltos sem qualquer controle.

É preciso construir presídios. Grande parte dos réus fica presa somente no andamento do processo. Depois são julgados, condenados e liberados por falta de vagas. É pior do que enxugar gelo. Em dezembro, pedi transferência para a 8ª Câmara Cível.

Está desiludido?

Sim. O sistema prisional é muito ruim. No Brasil, não tem discussão séria sobre segurança, sobre presídios, sobre como cumprir a pena. O Poder Executivo não se responsabiliza.

O trabalho para se manter um condenado preso, às vezes, parece ser desfeito?

Sim. Há muitos gastos. Envolve as polícias, o Ministério Público, o Judiciário no primeiro e segundo graus, até em Brasília. E, no final, as condenações caem como castelos de cartas.

Como o senhor interpreta as diferenças de tratamento entre jovens infratores e criminosos adultos?

Conheço bem os dois sistemas. O dos adolescentes é ruim, mas o dos adultos é muito pior. Em muito casos, os jovens ficam, de fato, recolhidos. São mais responsabilizados do que os adultos. Deve ter adolescente na Fase querendo ir para um presídio, porque não ficará preso.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Concordo com o sr. desembargador José Antônio Daltoé Cezar de que as questões de segurança  não tem uma discussão séria no Brasil. O principal motivo é o corporativismo dos poderes que impede tratar a segurança como um DIREITO a ser garantido por um SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL e não por gestões político-partidária focadas em forças e departamentos de controle, sem finalidade e sem objetivos. E neste "sistema de justiça criminal" há o subsistema de execução penal envolvendo poderes e órgãos relacionados na LEP com competência,  atribuições e incumbências nas questões prisionais. Entre estas "incumbências" há a devida apuração de responsabilidade em caso de ilicitudes e irregularidades. Por que não são apuradas pela justiça? Por que a justiça não lidera esta discussão? Está na hora das autoridades de justiça pararem de se omitir e começar a enfrentar a irresponsabilidade de seus membros e do poder político para que a Lei de Execução Penal seja cumprida na finalidade, no objetivo e na humanidade.

CADEIA VIRTUAL



ZERO HORA 27 de Janeiro de 2018

JOSÉ LUÍS COSTA

SEGURANÇA. 693 PRESOS CUMPREM PENA EM CADEIA VIRTUAL. 



COM CONDENADOS POR CRIMES cometidos na Grande Porto Alegre, maior unidade do regime semiaberto do Estado só existe no computador



Nos corredores de órgãos de segurança tornou-se comum ouvir a expressão "o preso está na nuvem". Aos mais desavisados, pode soar como brincadeira. Mas, na prática, a frase significa que o condenado está recolhido virtualmente.

Enquanto 551 apenados estão em albergues na Região Metropolitana, 693 estão na "nuvem", sem tornozeleira eletrônica. Ou seja, cumprem pena em casa, livres, sem controle. Oficialmente, seus nomes constam no "Estabelecimento Susepe de Vagas", a maior cadeia do semiaberto no Estado, que só existe nos computadores da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). O fenômeno é um novo estágio do caótico sistema prisional gaúcho.

Somado aos 792 presos monitorados com tornozeleiras, o número de criminosos em casa é quase o triplo dos recolhidos em albergues na Região Metropolitana. O "Estabelecimento" é, na prática, uma lista eletrônica de apenados à espera de uma tornozeleira ou vaga em albergues do semiaberto. Como não existem equipamentos em quantidade suficiente nem espaços nas cadeias, a Susepe não sabe qual destino dar aos condenados no momento em que eles devem começar a cumprir a pena no semiaberto.

A ordem é, uma vez por semana, apresentarem-se em busca de vaga ao Instituto Padre Pio Buck, unidade ao lado do Presídio Central de Porto Alegre, que na década passada já foi um semiaberto e cujo setor administrativo é usado hoje para instalar tornozeleiras. Todos os dias, filas se formam na frente do Pio Buck, onde apenados "batem o ponto". A maioria volta para casa com a recomendação de retornar nas semanas seguintes, o que se repete sucessivamente meses afora. Estão nesse grupo traficantes, homicidas, sequestradores, estupradores, assaltantes de banco e de carros e estelionatários.

Chamado por policiais de "sempre aberto" pela facilidade com que os detentos chegam às ruas, os albergues entraram em colapso há uma década. Em parte por causa da flexibilização da lei penal que abrandou as normas de progressão do regime fechado. Iniciativas para endurecer as regras não faltam. Há cinco anos, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ) encaminhou a uma comissão de juristas, em Brasília, proposta de extinção do semiaberto. E, ao menos, quatro projetos de lei sobre o tema tramitam no Congresso sem avanços, sufocados por discussões de maior interesse do governo federal, como a reforma previdenciária.

"ESTÃO JOGANDO DINHEIRO PÚBLICO PELA JANELA"

Outro motivo para a falência do semiaberto é a escassez de investimentos em albergues. As últimas obras ocorreram em 2010, quando foram erguidas seis unidades emergenciais. Apenas uma segue de pé, mas em ruínas, jamais ocupada (leia ao lado). Três anos depois, o governo do Estado desistiu de construir albergues, optando pelo monitoramento eletrônico. Prometeu 5 mil tornozeleiras, mas o número máximo chegou à metade. O promotor Alexander Thomé, da Promotoria de Execução Criminal, lembra que, no final do ano passado, um ofício da Susepe informou que o órgão chegou ao seu limite operacional de controle das tornozeleiras - atualmente são 2,4 mil apenados monitorados.

Segundo o promotor, a Susepe não pode aumentar o número de servidores nem de equipamentos por questões financeiras. Rodrigo Kist, diretor jurídico do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado (Amapergs-Sindicato), lembra que, entre 2016 e 2017, o número de presos monitorados subiu de 1,6 mil para 2,4 mil, enquanto o quadro de agentes para o trabalho caiu de 90 para 60.

- Soubemos que vai aumentar o volume de tornozeleiras. Isso, necessariamente, vai exigir contratação imediata de mais servidores. Temos 2 mil candidatos aprovados em concurso que não foram chamados para curso - afirma.

Segundo Thomé, o Estado não fez nova licitação para tornozeleiras e está prorrogando o atual contrato. Isso o motivou a solicitar audiência para obter explicações.

- Acendeu a luz vermelha. São muitas pessoas na rua a deus-dará. A crise na segurança é enorme, precisa de, ao menos, algum controle. Do contrário, desmoraliza o sistema - observa o promotor.

Para o juiz da Vara de Execuções Criminais da Capital Sidinei Brzuska, a situação é fruto de deficiências de gestão. Ainda segundo o magistrado, os albergues estão sem segurança, têm fugas frequentes e viraram bocas de fumo, pontos de prostituição, esconderijo de assaltantes e até cemitério de presos, executados por desafetos.

- O Estado abandonou as casas, e foi perdendo o controle do semiaberto. Isso levou ao fechamento de unidades por iniciativa de governo e outras por interdições judiciais - observa o magistrado.


Assaltante de carro-forte fugiu da "nuvem" em julho



Rafael Oliveira de Azambuja, 30 anos, foi preso em 2014. Desde então, tem três condenações por assalto que somam 23 anos de cadeia, até 2036. Em junho de 2017, após cumprir um sexto da pena, ganhou direito ao regime semiaberto.

A progressão foi registrada em processo de execução, mas a transferência da Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ) para um albergue não se efetivou. A partir daí, a Vara de Execuções Criminais de Novo Hamburgo determinou que ele fosse liberado da PEJ e procurasse a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). O órgão deveria remover Azambuja para um estabelecimento prisional compatível com o semiaberto.

Em 3 de julho de 2017, Azambuja foi até o Instituto Penal Padre Pio Buck, e acaboui incluído na nuvem, ou seja, no "Estabelecimento Susepe". Ficaria dois dias na nuvem para depois se apresentar na Colônia Penal Agrícola, em Charqueadas, para seguir cumprindo pena. Jamais apareceu. Em 11 de janeiro, segundo a polícia, Azambuja estava no comando da quadrilha que atacou um carro-forte, roubou valores e amarrou falsas bombas-relógio na cintura de vigilantes, no bairro Anchieta, zona norte de Porto Alegre.

As condenações impostas a Azambuja são por conta de roubo de R$ 300 mil do Banco do Brasil, em Içara (SC), em 2011. A segunda, pelo assalto, em junho de 2013, a uma agência do Itaú, em Porto Alegre. Levou R$ 353 mil e dois revólveres de vigilantes. O terceiro crime, em julho de 2013, foi o roubo de R$ 184 mil de uma agência do Santander, no bairro Petrópolis.

Segundo o delegado Joel Wagner, da Delegacia de Repressão a Roubos e Extorsões, Azambuja é suspeito de participar de assalto a uma agência do Banrisul, na zona norte de Porto Alegre, em novembro de 2017, e, 10 dias depois, de roubo a malote de lotérica, em um hipermercado.

- É um risco para a sociedade esse tipo de pessoa solta. Precisa maior rigor na lei e reformulação do semiaberto - avalia Wagner.