quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

FUNDO PENITENCIÁRIO TEM UM BILHÃO EM CAIXA



Apesar do déficit de mais de 200 mil vagas, Fundo Penitenciário tem R$ 1 bi em caixa. Dinheiro não é o problema principal em crise do sistema penitenciário

JAILTON DE CARVALHO
O GLOBO
Atualizado:16/01/14 - 8h35


BRASÍLIA — Rebeliões com cenas de selvageria, presos abarrotados em celas escuras e sujas, e a rápida proliferação do crime organizado a partir das prisões podem ser explicadas de muitas maneiras, menos pela falta de dinheiro. Nos últimos anos, mesmo com a crescente onda de violência nos presídios, o governo federal acumulou e agora mantém em caixa R$ 1,065 bilhão que, por lei, deveria ser investido da construção e modernização do sistema penitenciário nacional. Este é o atual saldo do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen).

O dinheiro em caixa é o fruto da acumulação de valores arrecadados e não gastos desde 1994, ano de criação do fundo. O Funpen é formado por recursos repassados pelas loterias da Caixa Econômica Federal e de parte de custas judiciais, entre outras fontes. O Funpen recebe uma média de R$ 300 milhões por ano, conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), mas só uma parcela desses recursos se converte em investimentos nos presídios, como determina a lei complementar nº 70. Pela lei, todo o dinheiro deve “financiar e apoiar as atividades e programas de aprimoramento” do sistema penitenciário.

Pelas informações do ministério, ano passado, o Funpen recebeu autorização para investir R$ 384,2 milhões na construção e na reforma de presídios em obras administradas por governos estaduais. Mas apenas R$ 40,7 milhões, ou 10,6% desse total, foram efetivamente gastos conforme o planejamento inicial. Neste mesmo período, a crise do sistema penitenciário chegou ao ponto máximo. Só no Maranhão, um dos estados mais castigados pela falta de vagas, 60 presos foram assassinados, alguns com as cabeças decepadas.

— Os estabelecimentos prisionais estão explodindo em violência. São mortes, decapitações, rebeliões. E esse dinheiro todo sendo acumulado. Tudo isso é resultado da falência administrativa — afirma o presidente da Comissão de Segurança da Câmara, Otavio Leite (PSDB-RJ).

A coordenadora-geral do Funpen, Michele Silveira, reconhece as dificuldades de reaplicação do dinheiro do fundo. Parte do problema, de acordo com ela, tem origem no contingenciamento anual do Orçamento da União. Desde sua criação, o fundo tem sido alvo de frequentes cortes. O dinheiro é mantido em caixa, mas não pode ser gasto por decisão da equipe econômica do governo. Trata-se do que o governo chama de esforço fiscal, cortes de despesas para evitar desequilíbrio nas contas públicas.

— A gente só pode utilizar o dinheiro que a lei orçamentária dispõe. A gente tem (o dinheiro), mas não tem. O contingenciamento é uma política de Estado — afirma Michele.

A coordenadora atribui parte das responsabilidades também aos estados. Ela argumenta que, mesmo se tivesse autorização para gastar todo o dinheiro em caixa, ainda assim não seria possível repassar o montante integral para os estados. Isso porque alguns projetos de construção de presídios apresentados por governos estaduais acabam esbarrando em problemas técnicos ou ambientais, ou em denúncias de corrupção. Muitas vezes, até o dinheiro repassado para os estados tem que ser devolvido.

A mais recente tabela de restituições do Depen mostra que, só nos últimos anos, governos estaduais devolveram R$ 187,1 milhões. Os recursos tiveram que ser restituídos porque, após anos de espera, os governos sequer conseguiram dar início às obras. O Depen não informou quais os valores das obras de construção de presídios que estão paradas e que, por isso, podem resultar em devolução de recursos. Entre os estados que receberam recursos, mas não conseguiram aplicar devidamente o dinheiro, está o Maranhão.

Ano passado, a governadora Roseana Sarney teve que devolver R$ 23,9 milhões ao Funpen. O dinheiro deveria ter sido usado para a construção do Presídio Regional de Pinheiros, com 168 vagas, uma cadeia pública na cidade, com 129 vagas, e também uma cadeia pública em Santa Inês, com 384 vagas. As vagas do presídio e das duas cadeias não seriam suficientes para resolver a crise da superlotação dos presídios do estado. Mas o Depen entende que poderiam amenizar a crise.

Numa tentativa de resolver parte do problema, o Depen passou a oferecer aos governos estaduais projetos específicos para a construção dos presídios. Até então, falhas técnicas eram as mais frequentes barreiras para a liberação de recursos federais. Mas alguns governos estariam resistindo a aderir as propostas. Pelos projetos do Depen, os governos não podem gastar mais que R$ 30 mil por vaga num presídio. Alguns administradores não gostam de trabalhar com esses limites e buscam fontes alternativas de financiamento.

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