quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

MAIS UM PRESO É MORTO NO MARANHÃO

ZERO HORA 30 de janeiro de 2014 | N° 17689


O 5º EM 2014



Um detento que estava na Unidade Prisional de Ressocialização (UPR) de Balsas, a 760 quilômetros de São Luís, capital do Maranhão, morreu na noite de terça-feira, no hospital, depois de ter sido espancado na cela por outros quatro presos no último domingo.

Com isso, sobe para cinco o número de mortes no sistema penitenciário maranhense neste ano. Desde janeiro do ano passado, foram registrados 65 assassinatos em cadeias do Estado – a maioria no Complexo de Pedrinhas, em São Luís. A vítima foi identificada como Valdiano Fernandes da Silva, 27 anos.

O espancamento teria ocorrido depois de uma briga. Ele foi levado em estado grave em uma ambulância do Samu para o hospital de Balsas.

Em seguida, foi transferido para o hospital municipal de Imperatriz, onde morreu. Preso depois de um assalto na cidade de Fortaleza dos Nogueiras, Silva foi transferido para a UPR de Balsas na sexta-feira da semana passada.

Em nota, a Secretaria de Justiça e Administração Penitenciária (Sejap) do governo Roseana Sarney (PMDB) informou que o detento “foi espancado por outros quatro companheiros, tendo sido socorrido por agentes penitenciários de plantão”.

Um inquérito foi instaurado na 11ª Delegacia Regional de Balsas para investigar o crime. Três suspeitos foram identificados e serão ouvidos nos próximos dias. Segundo a Polícia Civil, os responsáveis serão indiciados por homicídio qualificado.

DOIS ANOS DE ALUGUEL POR ALBERGUE FEMININO DESATIVADO

ZERO HORA 30 de janeiro de 2014 | N° 17689

LETÍCIA COSTA

R$ 130 MIL. Dois anos de aluguel, inutilmente

Desde um incêndio provocado por detentas, prédio que abrigava albergue feminino, em Novo Hamburgo, segue em desuso



Um prédio alugado pelo governo estadual, que chegou a abrigar presas do regime semiaberto no Vale do Sinos, está de portas fechadas há quase dois anos. Danificado em um incêndio em março de 2012, o Anexo Feminino do Instituto Penal de Novo Hamburgo passou por reformas e ainda precisa corrigir questões de segurança contra incêndio para poder voltar a receber detentas. Enquanto isso, a despesa na estrutura inutilizada já passa dos R$ 130 mil.

Com custo mensal de R$ 5,9 mil, o prédio, localizado no número 153 da Rua Guararapes, era usado pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) como um anexo da cadeia masculina, situada a cerca de dois quilômetros de distância.

Na época responsável por fiscalizar as casas prisionais de Novo Hamburgo, o juiz Sidinei Brzuska lembra que o incêndio foi resultado de uma briga interna entre as presas. O albergue, segundo o magistrado, comportava pouco mais de cem pessoas, mas em 2012 não tinha a lotação máxima.

No site da Susepe, ainda há identificação de endereço e telefone do Anexo Feminino, mas, ao informar que a capacidade de engenharia e a população carcerária é nula, o órgão acrescenta a informação: “interditado, motivo incêndio”. Segundo a Susepe, há quase dois anos havia em torno de 40 presas que, após o incêndio, ganharam liberdade condicional ou foram transferidas para Porto Alegre.

O diretor do Instituto Penal de Novo Hamburgo, Paulo Oliveira, explica que o fogo atingiu principalmente a rede elétrica. Além da fiação, foi preciso renovar o sistema de gás e a pintura. A reforma só foi concluída em novembro do ano passado e, desde então, a liberação do prédio depende de ajustes para receber a autorização dos bombeiros.

– Como diretor, estou agilizando o PPCI (Plano de Prevenção Contra Incêndio) e acredito que em março (o prédio) já esteja em condições de receber apenados, mas a decisão será da Susepe – explica Oliveira, que diz desconhecer o valor pago pelo aluguel.

Adequações no PPCI barram a reabertura

O major Cleber Pereira, comandante do Corpo de Bombeiros de Novo Hamburgo, aponta que a notificação do órgão, exigindo correção em instalações como a central de gás, a iluminação de emergência e os extintores, foi retirada em 21 de novembro de 2013.

– Até agora o projeto não retornou com as correções – afirma.

Depois de regularizar alguns itens, uma equipe dos bombeiros deverá ir novamente ao local. Por causa da demora no retorno, o major explica que o órgão poderá receber uma multa por descumprir o prazo de 60 dias.


Presas são levadas para outras cidades


Sem um espaço adequado para receber mulheres no município do Vale do Sinos, as presas do semiaberto precisam ser levadas para Porto Alegre. A juíza Traudi Beatriz Grabin, da Vara de Execuções Criminais de Novo Hamburgo, acredita que o albergue faz falta na cidade.

– Facilitaria se esse espaço pudesse ser utilizado, porque as mulheres ficariam mais próximas da residência e das comarcas onde são condenadas – aponta.

Mesmo que tenham sido desembolsados R$ 130 mil durante os 22 meses que está sem uso, o advogado Felipe Ferraro, especialista em contratos, acredita que o gasto é a melhor saída se o governo pretende retomar o uso do local como presídio do semiaberto.

– Acaba sendo “mais barato” ficar e perder este tempo de aluguel enquanto faz o PPCI, do que fazer toda mudança para outro local – avalia.

Como o incêndio foi provocado, Ferraro diz que a obrigação da reforma é do inquilino, no caso o governo estadual.

A busca pelo PPCI também é uma demanda que deve ser feita pela Susepe, pois ela locou um prédio e o destinou para o fim específico de casa prisional. A única solução para gastar menos seria fazer um adendo ao contrato, solicitando a carência no período em que ocorrem as adequações, mas não é algo que os proprietários costumem aceitar.

– Não vale a pena para o proprietário aceitar uma redução do valor e o governo terá muito mais gasto se sair – comenta o advogado.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

CAOS PRISIONAL: CASO DE JUSTIÇA OU DE POLÍTICA?



Ângelo de Araujo Regis 



A morte de presos durante sua permanência nos cárceres é só mais um dos tantos resultados nefastos de uma política se segurança pública e prisional equivocada. 

A pergunta dessa postagem deveria ser respondida por membros dos tribunais superiores e do CNJ mas os compromissos dessas autoridades com assuntos de "maior "relevância" deixam em segundo ou terceiro plano a questão que afeta TODA a sociedade, pobres e ricos, bastando observar que temos fechaduras, trancas e em algumas casas dispositivos de segurança e em nossos carros e bens temos seguros e dispositivos de segurança. 

Por que se debruçar e discutir um assunto tão complicado como a violência e criminalidade? 

Essa pergunta as "autoridades" fazem constantemente. Vamos discutir outros assuntos relacionados a questões econômicas e assuntos que possibilitem deixarmos pessoas de pouca instrução vinculados a um sistema que renda votos, pensam e dizem as autoridades, completando com a afirmação de que “precisamos incentivar o povo a buscar seu espaço, exercendo de fato e de direito sua cidadania e por isso somos simpáticos aos movimentos sociais”. O que causa estranheza é que tais movimentos buscam a mesma coisa a mais de 5, 10, 15, 20 anos e continuarão buscando por mais anos e anos. Por que será que é assim? Os governos se sucedem com maior ou menor tempo de mandatos e por que nada muda? 

Os últimos governantes fizeram promessas de resolverem as demandas mais urgentes da sociedade e nos quatros anos de seus mandatos me parece que no último ano, que tem eleição, é que tudo será efetivamente solucionado. Morrer pessoas no cárcere é de um seriedade extrema mas a forma como conduzem os assuntos relacionados ao sistema prisional é também de grande preocupação! O que deveria ser um local de contenção, castigo e tratamento penal para um efetiva reintegração social se transformou em depósito de gente. Servidores mal formados, sem um treinamento que deve ser constante e eficaz, desmotivados por verem seu trabalho frustrado considerando que não vislumbram sucesso no objeto de seu labor, servidores sem o compromisso de gerarem resultados, servidores sem condições de trabalho, servidores com carga horária acima do legal e autoridades fiscalizadoras coniventes, servidores que buscam executar seu trabalho com pouco ou nenhum compromisso com resultado pois ao trabalharem carga horária dobrada não querem e nem podem se envolver muito com questões que NÃO são de seu local de lotação (diaristas) tanto da BM quanto da SUSEPE – Superintendência dos Serviços Penitenciários. 

O mais relapso dos alunos de curso DIREITO percebe que tais prática mais tarde gerarão ações contra o ESTADO que arcará com indenizações de muitos milhões de reais dos cofres públicos. O leigo percebe que algo está mal, o bem informado e o que conhece o assunto se estarrece com medidas adotadas. 

 Em meados de 2004 a UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul em convênio com o DEPEN -Departamento Penitenciário Nacional e a Escola dos Serviços Penitenciários do Rio Grande do Sul selecionou 45 vagas para um curso de Especialização em Gestão Prisional com reserva de duas vagas para a Defensoria Pública de Estado do Rio Grande do Sul, uma vaga para o Ministério Público e uma vaga para o Judiciário. As vagas restantes foram disputadas por servidores da SUSEPE que em grande número responderam e realizaram a prova de seleção. Tratando-se de dinheiro público e verba federal é correto afirmar que pessoas de TODO o Brasil pagaram para que 45 alunos cursassem a especialização que tinha professores de altíssimo nível. Agora sabem quantos dos formados foram aproveitados pela SUSEPE? NENHUM! Com exceção dos raríssimos formandos que estavam em cargos de chefia ao ingressarem no curso NENHUM dos egressos da especialização foi aproveitado. 

Talvez a solução esteja fora das fronteiras do Brasil onde diversas comitivas de políticos e CCs da SUSEPE viajam com a finalidade de conhecerem sistemas que de fato funcionem. Há anos essas “excursões políticas” partem para muitos lugares e os resultados são pífios ou inexistentes. Somos detentores de uma realidade de violência urbana e criminal que em termos de Brasil já é muito diversificada e dificilmente a experiência estrangeira será boa para a nossa realidade. 

Temos que JUNTOS buscar solução. A sociedade enxerga que o modelo atual não produz resultados positivos e que se gasta muito dinheiro com a violência e a criminalidade. Os gestores da área da segurança pública alardeiam que farão prédios seguros para 300, 400, 500 vagas para quem for preso e para os já condenados. Em menos de CINCO anos esses prédios estarão com suas capacidades extrapoladas. A pequenez os impede de perceber que não se recupera pessoas ou só se evita que pessoas presas se percam para facções que servem o crime organizado SE os mesmo estiverem em locais pequenos e com poucas pessoas, próximos de suas famílias, onde AMBOS (preso e família) serão acompanhados e se necessário tratados por pessoas capacitadas . Os criminosos de alta periculosidade (pouquíssimos) deverão ir para locais adequados. Mais de TRINTA anos trabalhando na área e estudando e tenho dificuldades de entender como os políticos fazem reuniões, "entendidos" fazem relatórios, Universidades fazem estudos e NÃO chegam e essa conclusão tão simples! No final TUDO vira política partidária e... Começamos bem 2014



Ângelo de Araujo Regis - Agente Penitenciário Aposentado. Formado em Direito. Pós graduado em Gestão Prisional pela UFRGS. Pós graduando em Metodologia e Didática do Ensino Superior pela Anhanguera'RG. Professor Escola dos Serviços Penitenciários. Ex-Delegado Regional Penitenciário
Ex-Diretor Administrativo do Presídio Central de Porto Alegre. Ex-Diretor Administrativo da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas

sábado, 25 de janeiro de 2014

É REPUGNANTE



10/01/2014 20h15

MURILO RAMOS


Douglas Martins: "É repugnante"

O juiz do Conselho Nacional de Justiça analisa a situação no Maranhão – e diz que os governantes permitem a barbárie nos presídios porque respeitar os direitos dos presos não dá voto


INSPEÇÃO. O juiz Douglas Martins. Ele foi ao Maranhão a mando de Joaquim Barbosa (Foto: Beto Barata)


Nascido há 45 anos em Presidente Dutra, cidade da região central do Maranhão, Douglas Martins, pai de sete filhos, ingressou na magistratura em 1997. Passou 13 anos em comarcas do interior do Maranhão antes de ser apresentado, em 2009, à selvageria das prisões em São Luís, quando se tornou titular da Vara de Execução Penal da capital. Nesse cargo, teve acesso privilegiado a um dos mais desumanos sistemas prisionais do Brasil. Em março do ano passado, o presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Joaquim Barbosa, o convidou para assumir a chefia das fiscalizações do CNJ nas prisões do país. Martins aceitou o desafio. No final de dezembro, produziu um relatório minucioso sobre a situação calamitosa em que vivem os presos do Complexo Presidiário de Pedrinhas, o maior do Maranhão. O presídio se tornou conhecido dos brasileiros nos últimos dias, em virtude da divulgação de imagens em que corpos de presos aparecem decapitados – vítimas, segundo as autoridades policiais, de brigas entre facções. Desde o começo de 2013, 62 presos foram assassinados nas dependências de Pedrinhas. O governo do Maranhão diz que partiram de Pedrinhas as ordens para atear fogo em cinco ônibus e numa delegacia de São Luís. Uma menina de 6 anos, que estava num dos ônibus, morreu queimada. As razões para os ataques ainda não estão claras. A crise é de tal ordem que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estuda seriamente pedir ao STF intervenção federal no Estado. O ministro da Justiça,José Eduardo Cardozo, foi a São Luís na semana passada oferecer ajuda para pôr fim à violência. Em meio à crise, a governadora Roseana Sarney, do PMDB, atacou nominalmente Martins, dizendo que o relatório do juiz tem como “único objetivo agravar ainda mais a situação nas unidades prisionais do Estado”. Apesar das críticas a seu trabalho, Martins disse a ÉPOCA que o relatório serviu para acordar o governo maranhense para um assunto de extrema gravidade. “A governadora saiu do silêncio”, afirmou.



ÉPOCA – O senhor está acostumado a visitar presídios. Ainda assim os relatos dos presos de Pedrinhas o impressionaram?

Douglas Martins – Sim. O que me chocou mais foram os relatos de como as mortes aconteciam. Os presos negam que seja briga de facções. Não está ocorrendo invasão dos pavilhões por presos de outras facções. Os presos que estão morrendo são os que não cumprem as determinações da facção dominante. Os agentes penitenciários já não avaliam a periculosidade ou perfil etário do preso, como determina a Lei de Execuções Penais. Os agentes encaminham de acordo com a facção à qual o preso pertence. Se o preso não pertence a nenhuma das facções, escolhe na hora para onde quer ir. Assim que entra no presídio já recebe ordens para arranjar dinheiro, celulares, drogas etc. É instruído a pedir ajuda dos familiares. Se não cumpre as missões, a punição é a mais severa possível. Isso acontece para mostrar aos outros presos que quando uma ordem é dada ela deve ser cumprida. Um dos presos mortos não pertencia a facção nenhuma. Estava pela primeira vez na cadeia por ter receptado pneus roubados. E esse sujeito foi decapitado. Certamente por não cumprir alguma determinação. A obrigatoriedade do preso de se enquadrar numa facção me chocou demais. Isso é repugnante.


ÉPOCA – Qual foi a razão de sua visita ao presídio de Pedrinhas no dia 20 de dezembro?

Martins – Depois da morte de três presos, o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, me pediu para ir lá fazer uma nova inspeção e atualizar as anteriores. Ao chegarmos, verificamos que a situação era exatamente igual à da visita que fizemos em outubro, quando morreram nove pessoas numa rebelião. Em outubro, havíamos apresentado um documento à governadora e apontamos as providências que deveriam ser tomadas – em especial a construção de dez unidades prisionais no interior. O Maranhão tem um percentual alto de presos provisórios, em razão da quantidade de presos do interior que cumprem pena na capital do Estado. O deslocamento é complicado, o que dificulta as audiências. O processo do preso que é do interior e está preso no interior corre rápido. Algumas pessoas criticam, dizem que deveriam ser feitas audiências por teleconferência. Na prática, isso não é possível. Imagine a qualidade da internet no interior do Maranhão. Para piorar, o presídio de Pedrinhas estava sem grades nas celas. Os presos transitavam livremente. Havia ainda a tal da visita íntima coletiva, momento em que várias mulheres entram no presídio de uma só vez, sem ter um lugar adequado para as visitas. Havia relatos de abusos de mulheres.


ÉPOCA – O governo do Maranhão diz não ter recebido denúncias de que presos violentavam sexualmente mulheres de outros presos nessas visitas.


Martins – Se um preso denunciar que sua mulher sofreu algum tipo de violência sexual, esse preso será morto rapidamente. Por isso, não existe essa formalização da denúncia. O Estado tem de tomar providência para que não exista a visita íntima coletiva. O correto é ter uma sala própria para a visita. Só quem pode controlar isso é o Estado. O governo tem de organizar as visitas íntimas. Não dá para colocar 100 mulheres de uma vez no presídio. Esperar ética dos presos, confiando que respeitarão as mulheres dos outros, é brincadeira. Tivemos a promessa do secretário de que isso não aconteceria. Mas aconteceu.


"A falta de atenção ao sistema prisional acaba influenciando a segurança pública"


ÉPOCA – Após a divulgação de seu relatório, a governadora Roseana Sarney criticou o senhor nominalmente. Ficou surpreso?

Martins – Sim. Porque não foi algo direcionado a ela. O relatório constata os problemas do sistema prisional do Maranhão. E esses problemas não surgiram hoje. Antes dela já falávamos dos problemas. Acontece que durante o governo dela os problemas não foram resolvidos. Ninguém pode alegar que o CNJ persegue um ou outro político. Há relatórios sobre vários Estados. Já apontamos irregularidades do Rio Grande do Sul ao Amazonas, passando por governos de todos os partidos políticos. Por que o Maranhão tem de ser exceção? Não apontamos nada bonitinho em lugar nenhum.


ÉPOCA – A situação no Maranhão é mais preocupante que em outros Estados?

Martins – Certamente. Foram 60 mortes em apenas um ano. Nem São Paulo, que tem mais de 200 mil presos, chegou perto desse número. O Maranhão responde por cerca de 1% dos presos do país. Se ficarmos na média (700 mortos por ano), o Maranhão responderá por quase 10% das mortes em presídios do país. Resumindo: o Maranhão tem quase dez vezes mais mortes que a média brasileira, que já é absurda.


ÉPOCA – Por que o preso no Brasil é tão maltratado?

Martins – Isso reflete uma opção política dos governantes. O discurso de que os presos devem ter seus direitos garantidos não motiva as pessoas. E, como não motiva a opinião pública, não motiva o governante. Uma política que respeita os presos não dá voto. Quem defende os presos geralmente é encarado como um defensor de mordomias para bandidos. Como essa visão prevalece, os governos não dão atenção. Mas é importante observar que a falta de atenção ao sistema prisional influencia na segurança pública.


ÉPOCA – De que forma?

Martins – Quando abandonado, o preso se aproxima das facções para dar proteção à família. As facções descobriram ser lucrativo arregimentar pessoas que cometem crimes nas ruas, após passagem pela cadeia. Primeiro, as famílias dos presos trabalham para a organização. Quando o preso é solto, torna-se um soldado do crime nas ruas. Talvez essa percepção ganhe corpo a partir de agora.


ÉPOCA – O que fazer no Maranhão, no curto prazo, para atenuar o problema?

Martins – Em primeiro lugar, cumprir o prazo de seis meses para construir 11 unidades prisionais. Outra medida é realizar concurso público para aparelhar o sistema prisional. Os agentes penitenciários são terceirizados e ganham um salário mínimo. Eles ficam vulneráveis a ofertas inescrupulosas, como facilitar a entrada de armas. Se ele for demitido, o que ele perdeu? Nada. Esse funcionário acaba se corrompendo.


ÉPOCA – Transferir detentos para presídios federais ajuda a resolver o problema no Maranhão?


Martins – Não resolve. Os presídios federais já contam com presos maranhenses, supostamente os chefes dessas facções. E, quando alguns são transferidos, rapidamente são substituídos nas prisões.


ÉPOCA – É verdade que o senhor, em 2002, numa cidade do interior, soltou presos condenados por crimes contra o patrimônio, depois que o tribunal do Maranhão decidiu livrar da cadeia políticos corruptos?

Martins – É o princípio da isonomia. Se réus confessos (ex-prefeito e vereadores) que lesaram os cofres públicos num esquema de mensalinho foram libertados, qual o sentido de deixar presas pessoas que roubaram muito menos? Mandei soltar quatro presos assim que os políticos foram soltos. Ainda fui processado por algumas declarações que dei na ocasião.


ÉPOCA – E o que aconteceu com esse processo?

Martins – Foi arquivado.

RELATÓRIO DO CNJ ESCANCAROU A BARBÁRIE NOS PRESÍDIOS DO MARANHÃO



08/01/2014 13h39

REDAÇÃO ÉPOCA

O que diz o relatório do CNJ que escancarou a barbárie nos presídios do Maranhão. Celas sem grades, crimes sexuais, decapitações. Em apenas oito páginas, o relatório do Conselho Nacional de Justiça traça um panorama de selvageria no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís



Superlotação no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, no Maranhão (Foto: Luiz Silveira/ Agência CNJ)


As cenas são fortes. Em um vídeo publicado nesta terça-feira (7) no site do jornal Folha de S. Paulo, presos do Complexo Presidiário de Pedrinhas, em São Luís, no Maranhão, ajeitam o foco de uma câmera para registrar a decapitação de três detentos rivais. Em meio a muito sangue, os detentos expõem as cabeças como troféus. As imagens de selvageria e barbárie são chocantes. Porém, segundo um relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), casos como esse são rotineiros em Pedrinhas, uma penitenciária sob controle absoluto do crime organizado. Só em 2013, 62 presos foram assassinados dentro da penitenciária.

O relatório do CNJ escancarou a rotina sangrenta e as dezenas de violações de direitos humanos que ocorrem em Pedrinhas. As denúncias do CNJ forçaram uma interveção policial no presídio, que resultou na apreensão de celulares e armamentos. Em represália, os criminosos ordenaram uma série de ataques a ônibus em São Luís. Em um deles, na sexta-feira (3), a Ana Clara Santos Sousa, de 6 anos, foi atingida pelo fogo. Internada com 95% do corpo com queimaduras, acabou morrendo na segunda-feira (6). A mãe de Ana Clara e a irmã, de 1 ano e 5 meses, ainda estão internadas.

O texto do CJN, assinado pelo juiz Douglas de Melo Martins, foi encaminhado no dia 27 de dezembro ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa. São apenas oito páginas. Mas o retrato traçado pelo juiz é desesperador.

A guerra de facções

A origem das facções que controlam o sistema prisional maranhense é consequência da falta de presídios no interior do Estado. Segundo o CNJ, há apenas um presídio no Maranhão, o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, que recebe a maioria dos detentos provisórios e definitivos do Estado. No interior, há apenas cadeias e delegacias. Há presos de municípios que ficam a mais de 800 quilômetros da capital cumprindo pena em Pedrinhas. O CNJ identificou uma divisão entre os detentos do interior e os da capital.

As facções que hoje mandam no presídio surgiram em 2002. Até aquele ano, as mortes que ocorriam eram sempre de detentos do interior. Após a rebelião, eles se organizaram na facção dos "baixadeiros", que depois passou a se chamar Primeiro Comando do Maranhão, com o objetivo de se defender. Uma dissidência gerou outra facção entre os detentos do interior, chamada de Anjos da Morte. Em resposta, os detentos da capital também se uniram em uma facção, chamada Bonde dos 40 – o grupo mais violento que atua em Pedrinhas.

As facções controlam toda a rotina da prisão, a ponto de agentes carcerários terem sido obrigados a pedir autorização dos líderes das gangues para que a inspeção do CNJ pudesse ocorrer. Os presos até mesmo vetaram a inspeção em data de visita íntima, alegando que seria "um ato de desrespeito". Segundo agentes prisionais, há inclusive uma espécie de recrutamento. No momento em que novos presos ingressam no complexo penitenciário, são obrigados a escolher uma facção. Ficar de fora do crime organizado não é uma opção.

Celas sem grades

As sucessivas rebeliões e a guerra de facções transformou as estruturas do presídio, que já eram precárias. Em uma das unidades do complexo, o Centro de Detenção Provisória, simplesmente não há grades nas celas. Todos os presos circulam sem qualquer restrição.

Crimes sexuais

Por exigência dos líderes das facções, a administração do presídio autorizou que as visitas íntimas acontecessem no meio das celas. Nos dias de visita íntima, todas as celas são abertas e as mulheres dos presos são colocadas, juntas, no pavilhão. Os encontros íntimos ocorrem em ambiente coletivo. "Essa circunstância facilita o abuso sexual praticado contra companheiras dos presos sem posto de comando nos pavilhões", diz o relatório. Detentos de menor influência nas facções são obrigados a entregar suas mulheres a outros presos, sob ameaças de morte. O CNJ suspeita que algumas das mortes de presos em 2013 estejam relacionadas com crimes sexuais. Uma das mais recentes, por exemplo, ocorreu em dia de visita íntima, possivelmente porque um dos detentos tentou impedir que sua companheira fosse estuprada.

Requintes de crueldade


A selvageria é a norma no Complexo Penitenciário de Pedrinhas. E não é de agora. O CNJ registra casos de decapitação há anos. Em 2010, pelo menos três presos foram decapitados em uma rebelião. Em 2011, outros três. Em dezembro de 2013, dias antes da inspeção do CNJ, outros três presos foram decapitados, como mostram as fortes imagens do vídeo divulgado pela Folha de S. Paulo.

Tortura e assassinato com requintes de crueldade também são comuns. "A extrema violência é a marca principal das facções que dominam o sistema prisional maranhense. Um vídeo enviado pelo presidente do sindicato dos agentes penitenciários mostra um preso vivo com a pele do membro inferior dissecada, expondo músculo, tendões, vasos e ossos, tudo isso antes de ser morto nas dependências do Complexo Penitenciário de Pedrinhas", diz o relatório.

Extermínio de doentes mentais

Durante a inspeção, o CNJ também encontrou doentes mentais cumprindo medidas de segurança no presídio. Segundo o relatório, como não há vagas no sistema de saúde do Maranhão, o Estado está encaminhando os doentes mentais para o sistema prisional. "Este fato por si só já constitui grave violação de direitos humanos, mas poderá ter outras consequências, tais como eventual extermínio dos doentes mentais", diz o texto.

Governo do Maranhão não fez nada

Em 2012, ÉPOCA publicou a reportagem "Não vai faltar comida", sobre licitação para compra de alimentos no governo maranhense. Eram mais de 68 toneladas para aquele ano. Entre outros mantimentos, os editais falavam em 8,3 toneladas de carne bovina de vários tipos, 384 quilos de peru, 160 quilos de lagosta fresca, 594 dúzias de ovos vermelhos e 3,7 toneladas de camarão.

Nesta quarta-feira (8), a Folha revelouque o banquete continuano Palácio dos Leões, mas, para 2014, houve um corte de 50% na compra de lagosta. Agora são somente 80 kg.

A responsabilidade pelo presídio e pela segurança dos detentos é do governo estadual, comandado pela governadora Roseana Sarney. Segundo o CNJ, o governo foi avisado dos casos de violação de direitos humanos nos presídios ainda em 2011, quando o conselho fez um mutirão nos processos penais no Estado. Em várias ocasiões entre 2011 e 2013, o conselho encaminhou recomendações e termos de ajustamento de conduta às autoridades estaduais, exigindo a construção de novos presídios no interior e a retomada do controle em Pedrinhas, todas elas sem obter resposta. A incapacidade do governo maranhense em lidar com o problema fez com que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acionasse um órgão internacional, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

A primeira reação do governo Roseana Sarney após a publicação do relatório do CNJ foi criticar o trabalho dos juízes. Em documento enviado à Procuradoria-Geral da União, o governo da Maranhão disse que o relatório estava repleto de "inverdades" que só atrapalhavam a atuação das autoridades. Na segunda-feira (6), no entanto, Roseana voltou atrás. Aceitou ajuda federal e concordou em transferir 25 presos para presídios federais. Roseana afirmou em pronunciamento: "Não fugirei à minha responsabilidade". E disse ser solidária as familiares da menina Ana Clara.

Os presos transferidos serão os líderes das facções, mas isso não deve aliviar o caos em Pedrinhas. Superlotada, a penitenciária tem um deficit de 500 vagas. O panorama geral do sistema prisional maranhense é ainda pior: com capacidade para abrigar 3.124 presos, precisa dar conta de uma população carcerária de 5.517 pessoas. Ou seja, há um deficit de 2.400 vagas em todo o Estado.

bc

A BARBÁRIE NO PRESÍDIO DE ALCAÇUZ

17/01/2014 20h50
HUDSON CORREA, DE NATAL, E RAPHAEL GOMIDE

A barbárie no presídio de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte. Um novo Maranhão?
Cenas desumanas mostram como a situação dos presídios do Nordeste está prestes a sair de controle

"É muito desumano”, resumiu o ministro Joaquim Barbosa ao inspecionar, em abril de 2013, a penitenciária estadual de Alcaçuz, localizada a cerca de 30 quilômetros de Natal, Rio Grande do Norte. Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Barbosa viu urina escorrendo pelas paredes, sentiu o forte cheiro de fezes e passou por celas e corredores escuros e sem ventilação. Quase um ano depois, um novo relatório do CNJ, obtido por ÉPOCA, referente a uma vistoria feita em dezembro, mostra que o drama observado pelo ministro continua. Pior ainda, o documento acrescenta novas tintas ao descaso.

SUPERLOTAÇÃO
Internos no presídio de Alcaçuz. São 800 presos num lugar onde caberiam, no máximo, 600 (Foto: Carlos Santos/DN/D.A Press)

As visitas íntimas ocorrem de “forma promíscua” no meio do pavilhão. Apenas oito agentes penitenciários cuidam diariamente de 800 internos. Confinados sem atendimento médico, os presos sofrem com doenças infecciosas, como a tuberculose. O quadro não deixa dúvidas de que, se nada for feito rapidamente, o Rio Grande do Norte é forte candidato a se tornar o próximo Maranhão. O Estado potiguar, porém, não é o único postulante na fila. Em Pernambuco, há unidade prisional com apenas dois agentes penitenciários para cuidar de 2 mil presos. Na falta de pessoal, o próprio bandido assume a chave da cadeia e impõe a lei do mais forte, mandando aplicar até surra.

Esse cenário é o ambiente perfeito para nutrir atitudes monstruosas como a de Antonio Fernandes de Oliveira, de 29 anos de idade. Conhecido com Pai Bola, ele age em Alcaçuz sob o efeito do crack. Em novembro de 2009, Pai Bola foi capaz de desferir 120 golpes de faca artesanal numa vítima que lhe negou o celular. Seis meses antes, matara outro interno por asfixia, usando um lençol. Dois anos depois, cometeu um crime ainda mais bárbaro. Decapitou um colega de cela, comeu literalmente seu fígado e depois espalhou suas vísceras pelas paredes. Mesmo diante de repetida atrocidade, a direção do presídio permitiu que em 2012 um rapaz se oferecesse para ler a Bíblia para Pai Bola. Durante a noite, o religioso foi morto com uma facada no pescoço enquanto dormia. “Me deu vontade”, respondeu Pai Bola quando questionado sobre o motivo que o levara a matar o religioso.

Nem a visita de Barbosa trouxe uma solução rápida para o preso sanguinário. Somente na semana passada, a Justiça mandou uma correspondência ao presídio em busca de algum atestado sobre a saúde mental do assassino. O Ministério Público Estadual pediu que seja declarada a insanidade dele. As funcionárias do Fórum de Nísia Floresta, município onde se localiza Alcaçuz, desviam os olhos e viram o rosto ao folhear os processos de homicídios cometidos por Pai Bola. O juiz Henrique Baltazar Vilar dos Santos, responsável pelo presídio, é mais frio e explica a violência na penitenciária. Ele conta que as facas usadas para matar são feitas com pedaços de ferro extraídos das próprias celas. Não são compridas o suficiente para atingir um órgão vital nem muito afiadas. Por isso, são necessários vários golpes para matar. O assassino geralmente começa o ataque pelo pescoço para deixar a vítima sem reação. Logo após a inspeção feita por Joaquim Barbosa, o CNJ elaborou um relatório que enumera 20 assassinatos de presos dentro de Alcaçuz desde 2007.

A afirmação de que o Rio Grande do Norte pode ser o novo Maranhão encontra base na comparação entre a situação carcerária nos dois Estados. Ambos também têm em comum governos poucos eficientes na aplicação de verbas no sistema penitenciário. Conforme dados da Justiça do Rio Grande do Norte, a governadora Rosalba Ciarlini (DEM) prometeu investir R$ 6 milhões em 2013 na reforma de estabelecimentos penais para abrir mais 500 vagas, mas aplicou apenas R$ 2 milhões. Roseana Sarney precisou devolver R$ 22 milhões ao Ministério da Justiça porque deixou de apresentar projetos que atendiam às exigências técnicas para a construção de presídios. Na tarde da quinta-feira passada, a diretora do presídio de Alcaçuz, Dinora Sima Lima Deodato, apontou o dedo para um saco de cimento e alguns tijolos comprados para reformas no presídio e que estavam no pátio de entrada da penitenciária – onde 800 internos vivem num lugar onde caberiam, no máximo, 600. Essa é a providência mais visível da administração da governadora Rosalba Ciarlini contra o caos nos estabelecimentos penais e em resposta ao alerta do CNJ.

RUÍNAS
Inspeção do ministro Joaquim Barbosa em Alcaçuz (foto acima) e a governadora Rosalba Ciarini (abaixo). O presídio potiguar reúne vários elementos de uma tragédia anunciada (Fotos: Tasso Pinheiro/TJRN e Ana Amaral/DN/D.A PressPress)

A diretora Dinora se dispôs a mostrar a ÉPOCA que nada ou pouquíssima coisa mudou desde a visita de Joaquim Barbosa à penitenciária. Mal a diretora tinha acabado de se levantar da cadeira de seu escritório para ir ao pavilhão, ela recebeu por telefone uma contraordem da Secretaria Estadual de Justiça. “Não autorizaram sua entrada”, disse Dinora. A decisão vinda de cima é política, e nada tem a ver com medidas de segurança, pois a própria diretora se prontificara a abrir os portões para a visita da reportagem de ÉPOCA.

As artimanhas dos governantes para maquiar números também influenciam o caos penitenciário. O atual governo potiguar diz que a governadora Wilma de Faria (PSB), que comandou o Estado entre 2003 e 2010, criou uma espécie de “presídio no papel”. Sem nenhuma reforma, Wilma simplesmente transformou, numa canetada, delegacias da Polícia Civil em centros de detenção. Atualmente, cerca de 1.430 presos, o que corresponde a 20% da população carcerária, cumprem penas nesses locais, muitas vezes sem banho de sol nem segurança contra fugas.

Vários outros Estados do Nordeste enfrentam situações extremas. Entre eles, Pernambuco, onde houve 98 assassinatos nos presídios entre 2011 e julho de 2013. Lá, o número de presos quase dobrou, chegando a 29 mil. O Rio Grande do Norte vem logo em seguida, com 89% de aumento. É provável que as prisões em massa tenham sido reflexo da explosão de violência na década passada, quando a alta criminalidade migrou do Sudeste para o Nordeste. São Paulo e Rio de Janeiro reduziram consideravelmente os homicídios, ao mesmo tempo que no Nordeste as mortes violentas quase duplicaram – Maranhão e Bahia multiplicaram por quatro seus índices. Assim, Alagoas, Piauí, Maranhão, Ceará, Bahia e Rio Grande do Norte entraram na lista dos dez Estados mais críticos do país. Para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a elevação de renda atraiu o tráfico de drogas, trazendo a violência em seu rastro.

Os 88.445 presos do Nordeste registrados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) representam 15% do total de encarcerados do país, 548 mil. Embora a gestão dos sistemas penitenciários caiba aos Estados da federação, é atribuição da União formular políticas criminais e penitenciárias e fomentar a melhoria das condições gerais. O Depen é o responsável ainda por distribuir aos Estados o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). A questão é a importância política que o governo federal está disposto a dar à área, que só tem destaque quando ocorrem tragédias como a de Pedrinhas, no Maranhão, onde presos foram decapitados. Em 2013, o Executivo federal só gastou 19% dos R$ 384 milhões do Funpen, ou R$ 73,6 milhões. Os recursos foram contingenciados para fazer o superavit primário. O Nordeste é a região onde Dilma Rousseff, proporcionalmente, teve mais votos nas últimas eleições. Mesmo que a segurança pública seja da alçada estadual, o governo federal também é responsável pelo atual descalabro. 
 
Nova tragédia à vista (Foto: ÉPOCA)

UM CRIME CONTRA O PAÍS


25/01/2014 10h00

O descaso com o sistema penitenciário brasileiro ameaça a vida de detentos nas prisões e de cidadãos fora delas. O desafio é prender menos e melhor

ALBERTO BOMBIG, VINICIUS GORCZESKI E MARCELO MOURA

O governante brasileiro é um obcecado. Poucas coisas conseguem afastar sua mente de seu maior foco de atenção: a urna. Durante quatro anos, políticos e seus assessores despejam dinheiro em áreas que eles – ou seus aliados – consideram prioritárias. Na grande maioria, são consideradas “obras que dão votos”, tudo feito com o olho fixo na urna. Setores como educação e saúde já são protegidos por lei, o que lhes garante investimento mínimo dos governos. O sistema penitenciário brasileiro não tem a mesma sorte. As insuficientes e violentas prisões do país mal recebem os recursos alocados para sua manutenção básica. Nas últimas décadas, o sistema penitenciário brasileiro transformou-se numa das grandes vítimas da perversa lógica eleitoreira da política nacional. “Uma política que respeita os presos não dá voto”, afirmou Douglas Martins, juiz do Conselho Nacional de Justiça, em entrevista a ÉPOCA na semana passada. “Quem defende os presos geralmente é encarado como defensor de mordomias para bandidos.” Essa ideia é uma enorme distorção da realidade. O abandono dos presídios no Brasil custa caro a toda a população, na forma do aumento da criminalidade do lado de fora das cadeias. Grupos de presos controlam o crime nas ruas de inúmeras cidades do país – e exportam, de uma forma ou de outra, o terror que vivem em suas celas para o restante da população.


INFERNOS BRASILEIROS
1. Páteo do Presídio Central de Porto Alegre
2. Protesto em João Pessoa, após rebelião
3. Detento no presídio do bairro de Serra
4. Presos aguardam revista em São Bernardo
5. Policiais em Pedrinhas, em São Luís
6. Rebelião em Contagem
7. Armas apreendidas em Campo Grande
8. Cela de distrito policial em Nova Iguaçu
(Fotos: Felipe Bächtold/Folhapress, Ovídio Carvalho/ON/D.A Press, Almeida Rocha/Folhapress, Bruno Miranda/Folhapress, Bine Morais/O Estado do Maranhão, Juarez Rodrigues/EM/D.A Press, Beto Barata/Estadão Conteúdo e Ricardo Moraes/Reuters)

O dinheiro investido no sistema penitenciário não tem quase prestígio algum. Perde de lavada dos recursos investidos no combate ao crime do lado de fora, que cumpre seu dever de afastar criminosos do convívio social, mas também ajuda a alimentar o barril de pólvora das prisões. Segundo pesquisa do Instituto Avante Brasil, com a reintegração social de presos foi gasto R$ 1,1 bilhão em 2008, ante os R$ 39,5 bilhões tomados pela segurança pública. Em 2012, os presos receberam pouco mais que o dobro, R$ 2,3 bilhões, mas a distância para a segurança, destino de R$ 52,7 bilhões naquele ano, continua gigantesca. “O valor é baixíssimo, certamente o que chega para essa função, no final das contas, é uma parcela muito menor”, afirma Augusto de Arruda Botelho, presidente do Instituto de Defesa ao Direito de Defesa (IDDD). “Os gastos deveriam ser focados na ressocialização, que é uma garantia de que você terá de não gastar mais na construção de novos presídios. Esses recursos são muito mais um investimento que uma despesa.”

Os investimentos no sistema penitenciário não acompanham o ritmo das prisões. Só no Estado de São Paulo, de janeiro a novembro de 2013, a Polícia Militar fez 143.044 prisões. “O Brasil prende muito e desnecessariamente”, diz Botelho. Segundo especialistas, o que está por trás do encarceramento em massa que desemboca em violência são as rigorosas leis brasileiras, que encontram respaldo no Judiciário. Nos últimos 15 anos, elas ajudaram a diminuir a criminalidade, mas solaparam a capacidade de controle e regeneração dos presídios. Uma lei de medidas cautelares, lançada em 2012, buscou contornar esse problema, ao priorizar as penas alternativas. Por ela, cairiam os números de presos provisórios nas cadeias – o que não aconteceu. “Os juízes não vêm adotando o que diz a lei. Alegam que falta fiscalização sobre os que cumprem as penas alternativas e por isso mantêm as pessoas presas. É um equívoco”, afirma Botelho. Outra explicação tem raiz histórica. “No país, o preconceito e a rejeição são a forma pela qual a nossa sociedade lida com a população carcerária”, afirma a socióloga Camila Nunes Dias, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP. “Quando não valorizamos a vida do preso, não podemos querer que esse indivíduo dê valor a nossa vida nas ruas.”

O resultado dessa equação é uma multiplicação da população carcerária. Em 1990, havia no país 90 mil presos. Em 2012, esse número atingiu 548 mil – um aumento de 508%, em comparação com 105% dos gastos no setor. Nesse período, a população brasileira cresceu 31% – de 147 milhões para 193 milhões, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mais significativo ainda é o aumento de presos provisórios – sem condenação, ou seja, que podem ser inocentes – ocupando vagas na cadeia. Eram 16 mil em 1990 e hoje são 195 mil, uma expansão de 1.118%. Em todo o país, 38% dos encarcerados estão em situação provisória, sem julgamento. O número de provisórios multiplicou-se por 12, enquanto o total de vagas no sistema cresceu pouco. Elas passaram de 136 mil para 310 mil, entre 2000 e 2012, um aumento de 127%. O que acontece com as prisões? Ficam superlotadas, receita ideal para rebeliões, fugas, aumento da periculosidade dos criminosos e fortalecimento do crime organizado. A taxa de ocupação nos presídios brasileiras é hoje, em média, de 176,7% – quase dois presos para cada vaga.

A matemática da cadeia mostra que quanto maior a superlotação, maior será o índice de violência atrás das grades. “Sem vagas, piora-se a higiene, não há ressocialização e, consequentemente, não se tira nada de positivo do presídio nessas condições”, diz o especialista em segurança pública Luiz Flávio Gomes, diretor do Instituto Avante Brasil. “Os presos passam a integrar facções criminosas, e os presídios não ficam mais em poder do Estado.” As mortes ocorridas recentemente no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, são exemplos dessa situação. Em imagens gravadas em vídeo, os presos de uma facção criminosa denominada O Bonde dos 40 exibiram, orgulhosos, cadáveres que decapitaram no presídio. As cenas, que detonaram uma crise de proporções internacionais, deveriam e poderiam ter sido evitadas. Em 2009, um relatório da CPI do Sistema Carcerário da Câmara dos Deputados apontou a cadeia maranhense como uma das dez mais perigosas do país.

De acordo com especialistas ouvidos por ÉPOCA, em menos de uma década seria possível melhorar consideravelmente as condições nos presídios – e, por consequência, a segurança nas ruas do país. De início, é necessário investimento em novos presídios. Também essencial é a aplicação de penas alternativas a presos não violentos. Isso pode aliviar a superlotação nas penitenciárias – caminho seguido por nações como Noruega, Suécia ou Portugal. Outra medida são as parcerias público-privadas. “Não é privatizar. É deixar com a iniciativa privada a função de construir, equipar e colocar o pessoal de atendimento médico, nutrição”, diz o coronel José Vicente da Silva, secretário nacional de Segurança no governo Fernando Henrique Cardoso.

Faz sentido. Os disputados recursos públicos do Estado brasileiro precisam ser bem utilizados, para oferecer retorno positivo à sociedade. Se o setor privado contribuir com o aspecto físico do sistema prisional, o Estado terá mais condições de se concentrar na gestão das penas e das condições dos presos. “Precisamos de menos prisões, menos encarceramento e uma política de drogas compatível com a realidade”, diz Luiz Eduardo Soares, também secretário nacional de Segurança Pública no governo Lula. Esquecer o problema ou imaginar que suas únicas vítimas sejam os presos não levará o país a lugar algum. Se a epidemia de criminalidade do Brasil não for um dia vencida, de pouco servirão investimentos em saúde e educação. Uma sociedade em guerra consigo mesma não pode ser saudável.
 
Os presos no Brasil (Completo) (Foto: ÉPOCA)
Colaboraram Aline Imercio e Felipe Germano

OAB PROPÕE COMITÊ DE DISCUSSÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO

REVISTA ÉPOCA - 22/01/2014 - FELIPE PATURY


POR TERESA PEROSA - A OAB de São Paulo capitaneia o esforço para a formação de um comitê de discussão no Judiciário sobre o sistema carcerário do país. 

Na semana passada, representantes da Ordem, do Tribunal de Justiça de São Paulo, do Ministério Público, da Secretária de Justiça e Defesa da Cidadania e da Defensoria Pública do Estado se reuniram no TJ para o tema e contribuir com sugestões para aprimoramento das prisões. 

“Precisamos solucionar as questões da execução penal, que são urgentes, como a superlotação das unidades prisionais, que pune duplamente o apenado e impede o controle das facções criminosas. A sociedade perde duplamente porque não consegue ressocializar o preso e ainda possibilita o surgimento condições para que ele seja enredado pelo crime. Isso tem reflexos na segurança pública”, diz Marcos da Costa, presidente da OAB de São Paulo. 


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O setor carcerário é parte extrema e final de um Sistema de Justiça Criminal e deveria ser estudado dentro desta cadeia de ações, processos e procedimentos envolvendo poderes, instituições e órgãos de diferentes poderes e atribuições e espaço de atuação, mas com o mesmo foco que é a finalidade segurança pública (Paz Social). Ser for estudo separadamente, equívocos vão permanecer e a solução será provisória.

Duas questões importantes precisam ser respondidas para se chegar às possíveis soluções no sistema carcerário brasileiro:

1) Qual é o nível de independência do Poder Legislativo para fiscalizar os atos do Executivo e do Judiciário?
2) Qual é o tamanho da força e nível de independência do Poder Judiciário, poder que mandar prender, manda soltar, processa, julga, sentencia, muda regime, concede os benefícios e supervisiona a execução penal, para exigir do Poder Executivo controle total, condições humanas, segurança, salubridade, cumprimento das leis penais e colaboração nas políticas de reeducação, ressocialização e reinclusão?

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

MAIS UM DETENTO É MORTO NO MARANHÃO

ZERO HORA - 24 de janeiro de 2014 | N° 17683. 


A Secretaria de Estado de Justiça e Administração Penitenciária (Sejap) do Maranhão informou ontem que está investigando a morte do detento Cledeilson de Jesus Cunha, de 29 anos, encontrado morto no fim da tarde de quarta-feira na Central de Custódia de Presos de Justiça (CCPJ) de Santa Inês, a cerca de 250 quilômetros da capital São Luís.

A Delegacia Regional de Santa Inês também abriu inquérito para apurar as circunstâncias da morte do detento conhecido como Verruga ou Engraxate, que cumpria pena pelos crimes de roubo e homicídio. Para a polícia, há indícios de que a morte de Cledeilson de Jesus ocorreu por enforcamento.

Segundo o presidente do Sindicato dos Servidores do Sistema Penitenciário do Maranhão (Sindspem), Antonio Benigno Portela, o preso foi esquartejado e colocado dentro da lixeira.

Essa é a quarta morte registrada este ano no sistema prisional do Maranhão. As outras três ocorreram dentro do Complexo Penitenciário de Pedrinhas.

A última delas ocorreu na terça-feira e pode ter sido uma reação à transferência de presos, líderes de facções criminosas, para presídios federais de segurança máxima.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

AJURIS RESPONDE AO SECRETÁRIO ADJUNTO DA SSP-RS





PORTAL AJURIS, Publicado em: 20-janeiro-2014



AJURIS responde ao secretário substituto


O presidente da AJURIS, Pio Giovani Dresch, comentou hoje (20/1) as novas declarações do secretário substituto de Segurança Pública, Juarez Pinheiro, que voltou a atacar a Magistratura em razão da crise do Presídio Central. Em declaração veiculada na Página 10 do jornal Zero Hora, Pinheiro afirmou, mencionando a AJURIS e a OAB: “Algumas pessoas não têm mais nada para fazer a não ser discutir presídio. Essas instituições só querem cobrar direitos humanos no sistema prisional, e não se preocupam, por exemplo, com a violência doméstica, que só tem uma vara especializada em Porto Alegre.”

Segundo Pio Dresch, o secretário praticou uma falácia muito conhecida, que consiste em procurar defeito na prática dos outros para esconder os próprios erros. “Podemos discutir também a questão da violência doméstica, mas não fica bem desviar o assunto de uma coisa tão grave, como a questão do Presídio Central.” Dresch também estranhou o argumento de que a lotação do Central não diminuiu porque o Judiciário proibiu a colocação de mais detentos na Penitenciária Estadual do Jacuí: “Parece que o Judiciário tem culpa de estarem fazendo no Jacuí o mesmo que no Central. Esvaziar o Central à custa da explosão da PEJ não é solução.”

O presidente lembrou que, desde o início de 2012, quando a AJURIS decidiu oferecer a representação à OEA, a posição da entidade sempre foi a de deixar claro que não há uma responsabilidade única pelo caos, e que sucessivos governos e também os diversos poderes têm participação nesse estado de coisas. “Imediatamente após realizarmos a discussão que levou à representação, cobramos do Tribunal de Justiça a criação da 2ª Vara de Execuções Criminais e a implantação de um posto avançado da VEC no Central, e as duas coisas foram obtidas.”

Afirma Pio Dresch que a AJURIS será a primeira a saudar o Governo do Estado se, como vem sendo prometido, até o final da gestão o problema estiver resolvido, mas a falta de cumprimento de compromisso, comunicado em maio de 2012, de criar 1.672 vagas em três meses, impõe cautela no trato dessas promessas.

Dresch disse ainda que a questão do Presídio Central é apenas uma das várias frentes de atuação da AJURIS, algumas até em parceria ou em defesa de interesses do Governo, como ocorre na questão da dívida do Estado ou na luta contra a homofobia, e por isso é de estranhar a reação intempestiva de Juarez Pinheiro, que insinua não ter a entidade mais o que fazer: “Talvez a interinidade não permita ao Secretário ter maior conhecimento das nossas ações, mas ele poderia ter se informado melhor antes de falar desse modo sobre nossa atuação.”

O presidente disse ainda que a AJURIS está à disposição para discutir a questão da violência doméstica, desde que isso não signifique escamotear a questão do Presídio Central: “Compartilhamos da visão de que a estrutura para atendimento de matérias relacionadas à violência doméstica é precária. Temos insistido na criação da 2ª Vara da Violência Doméstica, porque uma única vara, ainda que com quatro juízes, é insuficiente.”

Dresch lembrou que a AJURIS cobrou do Tribunal de Justiça a criação de Varas da Violência Doméstica nas maiores cidades do Estado, e que o TJ enviou Projeto de Lei à Assembleia Legislativa para a criação de varas nas comarcas de Canoas, Caxias do Sul, Novo Hamburgo, Passo Fundo, Pelotas, Santa Maria, Rio Grande e São Leopoldo. O Projeto, de nº 313/2013, está atualmente na Comissão de Constituição e Justiça.

Departamento de Comunicação
Imprensa/AJURIS

TORTURA É UM PROBLEMA CRÔNICO EM CADEIAS DO BRASIL


Tortura é problema crônico em cadeias do Brasil, diz Human Rights Watch. Em relatório, ONG também critica abusos cometidos por policiais no país

MARCELLE RIBEIRO
O GLOBO
Atualizado:21/01/14 - 8h57


SÃO PAULO - A tortura é um problema crônico de centros de detenção e delegacias do Brasil, segundo a Organização Não-Governamental Human Rights Watch, que também criticou a superlotação dos presídios. No seu Relatório Mundial de Direitos Humanos de 2014, divulgado nesta terça-feira, a ONG destacou as condições carcerárias como um dos principais problemas do Brasil. A entidade ressaltou que a população carcerária adulta ultrapassa 500 mil pessoas, 43% além da capacidade do sistema prisional.

“A superlotação e a falta de saneamento facilitam a propagação de doenças; o acesso dos presos à assistência médica continua inadequado”, afirma a ONG. O relatório diz que as autoridades que cometem abusos contra detentos “raramente são levadas à Justiça” e cita a condenação de 48 policiais pela morte de detentos na prisão paulista do Carandiru, em 1992, como exceção.

Segundo a Human Rights Watch, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, criado em agosto de 2013 pelo governo federal, ainda não havia entrado em funcionamento até a conclusão do relatório. O Mecanismo deveria ser formado por 11 peritos, para fazer visitas periódicas a locais onde pessoas são privadas de liberdade e investigar casos de tortura.

A ONG também fez duras críticas à conduta de policiais brasileiros, que se envolvem em práticas abusivas e continuam impunes, e classificou o problema como “grave”. “Recentemente, os governos dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro adotaram medidas para melhorar o desempenho das polícias e cessar os abusos, mas falsos boletins de ocorrência e outras formas de acobertamento persistem”, afirma o documento.

De acordo com a Human Rights Watch, nos protestos de junho de 2013, a polícia usou gás lacrimogênio, spray de pimenta e balas de borracha contra manifestantes “de forma desproporcional”. O relatório citou dados que mostraram que os policiais foram responsáveis por 362 mortes no primeiro semestre de 2013 nos estados do Rio e em São Paulo, e ressaltou que nem todas elas resultaram do “legítimo uso da força”.

Após mencionar a iniciativa do governo paulista de proibir policiais de removerem corpos de vítimas de cenas do crime (para tentar impedir que execuções cometidas por policiais sejam acobertadas) , a ONG disse que ainda há muitos obstáculos a serem enfrentados para que os responsáveis por execuções extrajudiciais em São Paulo sejam punidos. Entre eles, estão falhas na preservação de provas e a falta de profissionais e recursos para que o Ministério Público possa exercer o controle externo da polícia.

A Human Rights Watch também menciona o desaparecimento de Amarildo Dias de Souza, morador da Rocinha, no Rio, após ser preso por policiais, e a condenação de policiais pela morte de dois jornalistas em Minas Gerais.

O relatório também cita, como exemplos de violações dos direitos humanos no Brasil, o aumento de 166% de denúncias de violência contra lésbicas, gays, travestis e transexuais de 2011 para 2012 e as contínuas ameaças sofridas por ativistas rurais e líderes indígenas envolvidos em conflitos de terra.

O Brasil participou menos de processos e negociações do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2013 que em anos anteriores, segundo a Human Rights Watch, apesar de o país ter mantido uma trajetória positiva. O relatório lembra que o Brasil se absteve de uma resolução em maio que condenou a violência na Síria e também se absteve, em novembro, de resolução da Terceira Comissão da Assembleia Geral da ONU que demonstrou preocupações sobre violações de direitos humanos no Irã.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É evidente que há tortura de presos no Brasil. Começa no ingresso do preso provisório que é colocado em galerias dominadas por facções, onde se submete às ordens e leis paralelas, passa a ser soldado do crime e pode ter sua família também recrutada direta ou indiretamente. É abrigado num cela já superlotada, depredada, insalubre e insegura, tendo que dormir no chão em colchão improvisados como cama. Tudo isto já é um cenário de tortura que fica sob a supervisão da justiça, custódia do Poder Executivo e fiscalização do Poder Legislativo. O restante é apenas reflexo do descaso, do descontrole e do estresse que assumem suas formas num caos social patrocinado pelo Estado.

ESTRUTURA PRECÁRIA, LOTAÇÃO E POBREZA EXPLICAM O CAOS

FOLHA.COM, 21/01/2014
Estrutura precária, lotação e pobreza explicam caos em Pedrinhas

JULIANA COISSI
DE SÃO PAULO



Bastou quebrar uma parede de tijolos, sem ferro nem aço, para membros do Bonde dos 40 deixarem sua ala, invadirem o espaço do PCM e iniciarem uma rebelião na Cadet (unidade do complexo de Pedrinhas) que deixou dez mortos em outubro passado.

O relato é de Pedro (nome fictício), 55, que deixou Pedrinhas no fim do mês passado após cumprir pena por tráfico.
O Maranhão atualmente abriga 4.663 detentos. São 1.242 presos a mais do que comportam as 32 unidades prisionais em São Luís e no interior.

Pedrinhas, com oito presídios, tem 2.196 detentos onde caberiam 1.770, excesso que se repete pelo país. A estrutura das alas no complexo, no entanto, submete os detentos a um confinamento quase diário.

Marlene Bergamo - 6.jan.2014/Folhapress

Presos em cela do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís (MA)


Diferentemente de penitenciárias em outros Estado em que presos podem permanecer em pátios durante o dia e jogar futebol, por exemplo, no presídio maranhense o banho de sol ocorre, no máximo, três vezes por semana, por duas horas. No resto do tempo, a opção é ficar na cela, sentado ou deitado.

Com poucas penitenciárias no interior, a concentração de presos na capital agrava a tensão. Como um preso definiu à defensora pública Caroline Nogueira: "É como misturar fogo e gasolina".

O Estado conta com 382 agentes penitenciários concursados, cem a menos do que uma década atrás. O vácuo foi preenchido com 1.500 terceirizados.

O Maranhão foi ainda o terceiro Estado que menos gastou em segurança pública em 2012: R$ 127 por pessoa, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Roberto de Paula, juiz de execuções penais em São Luís, aponta ineficiência do governo maranhense. "Esse sistema é fácil de resolver. Temos 5.000 presos, menos do que os que saem [em indulto] no Natal em São Paulo."

MISÉRIA

A pobreza contribui para o aumento da população carcerária, avalia o magistrado.

Apesar de a governadora Roseana Sarney (PMDB) ter afirmado que o crime cresce porque o Estado está mais rico, o Maranhão ainda é um dos mais pobres do país.

De 2000 a 2010, o Estado ficou parado no ranking brasileiro com o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que considera renda, escolaridade e expectativa de vida, atrás só de Alagoas.

"Há uma total omissão em saúde, educação e geração de renda. Não basta só construir presídio", afirma a defensora pública Lize Maciel de Sá.

PRESO É ENCONTRADO MORTO POR ENFORCAMENTO EM PRISÃO NO MARANHÃO

CORREIO DO POVO 21/01/2014 10:02


Complexo de Pedrinhas, em São Luís, já contabiliza três mortes este anos


Um preso foi encontrado morto no início da manhã desta terça-feira em uma cela do Centro de Custódia de Presos de Justiça (CCPJ), uma das oito unidades prisionais do Complexo de Pedrinhas, em São Luís, no Maranhão. É o terceiro detento achado morto este ano no local. Desde o ano passado, foram registradas 63 mortes de presos no complexo.

De acordo com o governo do Maranhão, as primeiras informações dão conta de que o detento morreu por enforcamento com uma "teresa" (corda feita com pedaços de pano). A vítima foi identificada como Jô de Sousa Nojosa.

Na última quinta-feira houve dois princípios de rebelião no CCPJ. Segundo a Secretaria de Justiça e Administração Penitenciária (Sejap), os presos estariam insatisfeitos com a presença da Polícia Militar e da Força Nacional no presídio. O princípio de motim foi controlado, e as celas foram vistoriadas. Nessa segunda-feira, nove detentos do Complexo de Pedrinhas foram transferidos para o presídio federal de segurança máxima de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.



Fonte:

BRIGADA SAI DOS PRESÍDIOS EM 5 ANOS



ZERO HORA 21 de janeiro de 2014 | N° 17680


JOSÉ LUÍS COSTA



SAÍDA EM 5 ANOS. 1,1 mil PMs voltarão às ruas

Governo deve retirar policiais militares que atuam na segurança interna e externa de prisões gaúchas


A Brigada Militar (BM) pretende devolver às ruas 1.115 PMs que estão em desvio de função administrando cadeias. A saída dos policiais será gradual, em até cinco anos, conforme a capacidade da contratação de agentes por parte da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). O controle de presídios pela BM foi estabelecido temporariamente em 1995 para durar seis meses, mas se arrasta por quase 19 anos.

Os 1.115 PMs estão escalados entre atividades administrativas, segurança interna e externa. Esse contingente equivale ao número de policiais de pelo menos três dos maiores batalhões de policiamento na Capital. A tropa da BM conta com 26,1 mil PMs, quando deveria ter 35,3 mil, déficit de 9,2 mil policiais.

– Se os PMs (que estão nos presídios) estiverem nas ruas, vão ajudar muito – afirma o comandante-geral da BM, coronel Fábio Duarte Fernandes.

O projeto para tirar a BM dos presídios será formatado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) e depois passará pela análise do governador do Estado para, por fim, chegar à Assembleia. A medida necessita ser submetida ao crivo dos deputados porque trata-se de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Estado. Além de trazer PMs de volta para os batalhões, a BM também quer afastá-los da vigilância nos muros e guaritas das casas prisionais, a chamada guarda externa. E é isso que exige uma PEC, pois, a tarefa está expressa na Constituição Estadual como missão da BM.

A Susepe reconhece que tem de retomar o controle das cadeias que estão nas mãos da BM, correspondente a 25% da população carcerária.

– Cabe à Susepe esta função – diz o superintendente Gelson Treiesleben.

A saída dos 1,1 mil PMs forçará a contratação de 1,9 mil agentes. Este número corresponde ao déficit no quadro da Susepe, considerando recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU). Pela ONU, a proporção ideal para controle de prisões é de um agente vigiando cinco presos. Como são 28 mil detentos no Estado, o contingente adequado seria de 5,6 mil servidores, e a Susepe conta com 3,7 mil.

A crise de pessoal na Susepe tem sido alvo constante de críticas por parte do Ministério Público, em especial, em estabelecimentos no complexo Porto Alegre/Charqueadas, que operam com reduzido quadro de agentes.


DUAS DÉCADAS DE INTERVENÇÃO - Medida extrema duraria apenas seis meses

25 DE JULHO DE 1995
 - O governo do Estado decide criar a Operação Canarinho, mais conhecida como força-tarefa da BM, para administrar o Presídio Central, o Hospital Penitenciário, a Penitenciária Estadual do Jacuí ( PEJ), a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) e a Penitenciária Estadual de Charqueadas (PEC). Elas representam as cinco maiores casas prisionais do Rio Grande do Sul. A portaria deveria vigorar por 180 dias, mas foi renovada por iguais períodos.

27 DE JANEIRO DE 1999 - O secretário da Justiça e da Segurança, José Paulo Bisol, prorroga a permanência da força-tarefa por seis meses, a partir de um parecer do superintendente dos Serviços Penitenciários, Airton Michels. O superintendente admite que faltam agentes para retomar a administração das grandes prisões.

SETEMBRO DE 1999 - A PEC volta ao controle da Susepe

24 DE JULHO DE 2000 - No dia em que completa cinco anos, a permanência da força-tarefa da BM nos presídios é renovada por mais 12 meses. A Susepe anuncia a intenção de retomar o controle de todos os presídios em um ano.

14 DE SETEMBRO DE 2000 - A SJS (transformada em Secretaraia da Segurança Pública) anuncia que, a partir de janeiro de 2001, a força-tarefa nos presídios será desmontada e, até abril, serão retomadas as direções da Pasc e da PEJ.

20 DE MARÇO DE 2001 - Agentes retomam a Pasc, onde estão os criminosos mais perigosos do Estado.
26 DE MARÇO DE 2002 - Em meio a uma rebelião no Presídio Central, o responsável pela Susepe, Airton Michels (hoje secretário da Segurança Pública), anuncia a provável manutenção dos PMs na PEJ e no Presídio Central.

29 DE JULHO DE 2002 - Agentes penitenciários entram em greve, e a Brigada Militar assume 27 presídios e albergues. Com o encerramento da greve, em 3 de setembro, a Susepe admite a permanência da BM no comando de algumas instituições por prazo indeterminado.

FEVEREIRO DE 2008 - O então comandante-geral da BM, coronel Nilson Bueno, anuncia que vai se retirar dos presídios em até três anos pelo fato de ter contratado 500 novos policiais militares. Desde então, o assunto vem sendo discutido, contudo, sem medidas concretas.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

POR QUE A CELAS PEGAM FOGO




O ESTADO DE S.PAULO, 20 de janeiro de 2014 | 2h 05


EDITORIAL


O governo federal acumulou e mantém em caixa R$ 1,065 bilhão que, por lei, deveria ser empregado para construir e modernizar o sistema penitenciário nacional. Este é o saldo atual do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), constituído pelo repasse de parte dos recursos arrecadados pelas loterias da Caixa Econômica Federal. De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), este fundo incorpora R$ 300 milhões por ano, em média. Mas a maior parte de todo esse dinheiro não é investida nas prisões, como é previsto na Lei Complementar n.º 70: esta determina que ele deveria "financiar e apoiar as atividades e programas de aprimoramento" do sistema penitenciário. No ano passado, o Funpen foi autorizado a investir R$ 384,2 milhões na construção e na reforma de presídios em obras administradas pelos governos estaduais. Mas apenas R$ 40,7 milhões, 10,6% desse total, foram efetivamente aplicados.

Essa distorção evidente do dispositivo legal ocorre, de acordo com a coordenadora-geral do Funpen, Michele Silveira, principalmente pelo contingenciamento anual do Orçamento da União. Como este não é impositivo, nem toda a verba orçada é usada e este fundo tem sido alvo frequente de cortes determinados pela equipe econômica do governo para cumprir o chamado esforço fiscal, que impõe redução de despesas para evitar o desequilíbrio nas contas públicas. Por isso, tanto dinheiro é mantido em caixa.

A coordenadora também atribui parte da responsabilidade aos Estados. Segundo ela, mesmo que pudesse, não teria como repassar o montante integral do fundo para eles, porque alguns projetos de construção de presídios apresentados por governos estaduais esbarram em problemas técnicos e ambientais ou em denúncias de corrupção. Esses problemas às vezes motivam a devolução de dinheiro encaminhado a Estados.

Nove meses após o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, ter denunciado a situação "desumana e caótica" dos presídios brasileiros e a dois de o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, os haver chamado de "medievais", enfatizando que preferia morrer a viver neles, permanecem entraves burocráticos para ampliar e aprimorar o sistema. Uma resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), tida por especialistas como muito rigorosa, entre vários despropósitos, exige que toda penitenciária tenha um determinado número de vagas em estacionamentos, uma metragem específica para a sala do diretor, salão de cabeleireiro e barbearia, além de infraestrutura médica - laboratórios de diagnóstico e salas para raio X. Isso, é óbvio, dificulta e até torna inviáveis vários projetos.

A revelação recente da tragédia do presídio de Pedrinhas, em São Luís, chamou a atenção para o fato de o Brasil ter um déficit de 168.934 vagas para detentos, que são amontoados em presídios espalhados pelo País: em 68% das prisões há mais do que nove presos por vaga. Os dados do sistema Geopresídios, do Conselho Nacional de Justiça, revelam que a situação poderia ser pior: há em aberto 162.550 mandados de prisão que ainda não foram cumpridos. Caso fossem, o déficit dobraria. Este não é o único problema, mas na certa o uso das verbas que a lei prevê para construir e modernizar presídios como o maranhense e a supressão de exigências descabidas como as citadas aliviariam o inferno em que vivem os presos, como sardinhas em lata.

Uma das maiores tragédias sociais brasileiras é a violência e esta resulta, em grande parte, da ferocidade com que os chefões do crime organizado condenados disputam espaço e poder em cadeias em que não lhes é permitido viver de forma minimamente digna. A culpa não é de um governo, um partido ou um Poder isolados, mas da inércia dos agentes responsáveis, que, a agirem para pôr fim a absurdos como engordar o saldo do Funpen em vez de empregar bem o dinheiro que a lei manda aplicar e para remover obstáculos absurdos como os entraves burocráticos citados, preferem cruzar os braços e ver as celas pegarem fogo.

ATRÁS DAS GRADES



ZERO HORA 20 de janeiro de 2014 | N° 17679

ARTIGOS


Paulo Brossard*



Graças ao avanço das comunicações e a conivência de autoridades, criminosos dirigem as ações de dentro do presídio para serem executadas fora dele. A administração nas penitenciárias passa a ser feita por facções de criminosos que concorrem com o Estado, e o resultado não é difícil antever.

Hoje, o problema não é simples nem fácil. A população carcerária não é do melhor perfil e pode ser do menos bom, do mesmo modo que o elemento externo nem sempre estará qualificado a exercer as necessárias atribuições específicas que lhe cabem. Nem são ideais as relações que, por vezes, se não muitas vezes, se estabelecem entre presidiários e seus guardas. Enfim, não é necessário ser especialista para intuir que as qualificações dos servidores lotados no serviço de carceragem não poderiam ser vulgares. Se as relações entre o preso e o que deve guardá-lo são complexas, o problema se centuplica, consideradas as condições dos presídios. De maneira geral, são deficientes em todos os sentidos, o primeiro deles, visível a olho nu, decorre da habitual superpopulação carcerária.

Suponha-se que o melhor hotel da cidade, com a capacidade para receber 300 hóspedes, tivesse de acomodar 600 ou 900. É evidente que o melhor hotel instantaneamente se converteria no pior; é o que vem ocorrendo com os presídios. A antiga Casa de Correção de Porto Alegre foi disso exemplo ilustrativo. Claro que o problema não é insolúvel, contudo, a primeira dificuldade está na carência de recursos financeiros e na existência do número de necessidades a satisfazer. É natural que o administrador seja levado a deixar para depois a construção de um presídio que, embora necessário, não se compara com outras obras, mais palatáveis ao gosto popular. O fato é que, de um modo geral, em todos os Estados os presídios foram ficando para melhor oportunidade, agravando-se a deficiente quando não a má qualidade dos seus serviços.

Não faz muito, um titular do Ministério da Justiça determinou fosse apurado, Estado por Estado, quando fora construída a última cadeia e o resultado foi penoso, razão por que o ministro, com apoio de seu presidente, se dirigiu a todos os governadores propondo-lhes construir uma cadeia no seu Estado. O plano foi cumprido à risca, um em cada Estado. Era o mínimo e deveria ser o começo, mas o ministro deixou o ministério e não houve a esperada continuidade. Essas e outras dificuldades são conhecidas, mas verificar que em alguns Estados os detentos estão amontoados é indefensável e imperdoável. E essa desumanidade não pode continuar.

Não é só. Um fato veio acrescentar elemento novo ao pungente quadro conhecido; entidade veio a constituir-se aglutinando dois tipos, os condenados e por isso detentos e os que se encontram fora do presídio, porque não condenados; aqueles planejam o empreendimento e estes em liberdade são os executores dos planos traçados; não demorou que um segundo grupo decidiu instalar-se na mesma área e entrou a disputar com o anterior a primazia de sua exploração, resultando feroz concorrência entre ambos e têm sido divulgadas notícias de eliminação por parte de um ou outro, até mediante degola. É inacreditável.

A meu juízo, de Norte a Sul o problema é praticamente o mesmo: basta dizer que o Estado de São Paulo abriga 40% da população carcerária do país e nove em cada 10 unidades prisionais estão superlotadas; para 206.900 detentos, as vagas são 123.400. Isso em São Paulo.

*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF

VERGONHA MÁXIMA


ZERO HORA 20 de janeiro de 2014 | N° 17679


PAULO SANT’ANA



Além das monstruosidades ocorridas no Presídio de Pedrinhas no Maranhão, além das acusações que membro do Judiciário e integrantes do Ministério Público estão lançando sobre o Presídio Central, afirmando que se maquiam ali mortes violentas e torturas ocorridas entre os próprios presos, que como se sabe são os administradores da própria cadeia, espantou-me ontem o número de presos que morrem de pneumonia e tuberculose no nosso maior presídio gaúcho.

*

O levantamento ontem publicado em Zero Hora transmite a ideia de que os presos que morrem por doenças são atirados à própria sorte no Presídio Central, sem tratamento, quando deveriam estar recolhidos a hospitais. Ou seja, se morre ali tanto de doença quanto de tortura e violências generalizadas.Isso é uma vergonha para a sociedade gaúcha, que não quer saber do que ocorre no Presídio Central.

*

O fato de os presos administrarem a si próprios nas galerias do grande presídio é inacreditável. Imaginem o que acontece lá de submissão, tortura, escravidão. Imaginem as sevícias impostas pelos que se erigem, apesar de serem detentos, como comandantes das celas e das galerias. Essa é sem dúvida a maior mancha da sociedade brasileira e dos governos brasileiros, que não se importam com o destino dos presidiários e dão de ombros com o que acontece lá na escuridão dos cárceres, onde bichos dominam outros bichos, sob o silêncio das pessoas que estão pelo lado de fora das grades.

*

Vergonha! Vergonha! Vergonha! Vergonha! Vergonha! Vergonha! Vergonha! Que nos envergonha a todos pelas ações de muitos e pela omissão de todos nós.

domingo, 19 de janeiro de 2014

EM 15 ANOS, BRASIL PRENDEU 7 VEZES MAIS QUE A MÉDIA

CARTA CAPITAL, 16/01/2014 02:05, última modificação 17/01/2014 11:42



O Brasil prende em massa e tem a quarta maior população carcerária do mundo, mas não sabe o que fazer com os detentos. 

Por Marsílea Gombata


Luiz Silveira / Agência CNJ


Relatório do CNJ contabiliza 60 mortes em Pedrinhas ao longo de 2013Leia também


As cenas de horror no Maranhão conseguiram, mais do que expor a barbárie no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, trazer à luz as mazelas de um sistema sufocado por sua própria política de encarceramento em massa. Dono da quarta maior população carcerária do mundo, o Brasil prende, em termos relativos, 7,3 vezes mais que a média mundial. Enquanto o total de presos cresceu cerca de 30% nos últimos 15 anos em todo o mundo, segundo estudo do Centro Internacional de Estudos Penitenciários (ICPS, na sigla em inglês) da Universidade de Essex (Reino Unido), no Brasil a taxa foi de 221,2% – passando de um total de 170,6 mil presos em 1997 para 548 mil em 2012, de acordo com o Ministério da Justiça.

Com 513.713 presos no sistema prisional e 34.290 em instalações policiais, o Brasil tem hoje 1.478 instituições prisionais com capacidade para comportar 318.739 presos. O déficit de cerca de 230 mil vagas demonstra o sufocamento de um sistema que opera muito acima do que sua estrutura comporta. Segundo números compilados pelo ICPS, o Brasil atingiu um nível de ocupação de 171,9% de suas prisões.

Dos quatro países com maior população carcerária do mundo (os outros são Estados Unidos, China e Rússia), o Brasil é o único cujo sistema carcerário está muito acima da sua capacidade. O País aparece em sétimo na lista de sistemas prisionais com supertaxa de ocupação, perdendo apenas para Haiti, Filipinas, Venezuela, Quênia, Irã e Paquistão. Apesar de representarem as três maiores populações carcerárias do mundo, EUA, China e Rússia operam dentro de sua capacidade prisional.

Para Vinícius Lapetina, advogado criminalista e coordenador do Projeto Educação para Cidadania no Cárcere do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, três pontos principais contribuem para o quadro degradante no Brasil. O primeiro é a política de encarceramento adotada como solução das mazelas sociais. “Hoje tudo é crime e a prisão é o maior - e mais falso - símbolo de que a ‘Justiça’ está sendo feita”, observa Lapetina, ao ressaltar que o cárcere como caráter punitivo e correcional deveria ser uma medida de exceção, quando é regra. Um segundo ponto diz respeito à falta de investimentos do Estado na melhoria e construção de estabelecimentos prisionais. De modo geral, ressalta o advogado, os estados brasileiros assistiram ao crescimento da população carcerária e não ofereceram vagas aos novos ingressos do sistema nos últimos anos.

Soma-se a isso problemas no campo do Poder Judiciário, mais especificamente no processo de execução penal, que falha no cumprimento da pena. Resultado: os presos acabam não sendo soltos quando deveriam e contribuem para a superlotação dos presídios. “Falta planejamento administrativo. Se o Brasil adotou políticas de encarceramento em massa, ao menos deveria ter se preparado para as consequências”, avalia Lapetina.

Pesquisa do ICPS de 2013 mostra que a população carcerária mundial atingiu a marca dos 10,2 milhões de pessoas. No topo da lista, os EUA aparecem com o maior número de presos, com 2,28 milhões de detentos. Em seguida vem a China, com 1,64 milhão e a Rússia com 680,2 mil presos. Enquanto os EUA têm 707 detentos por 100 mil habitantes, a Rússia tem 474 para cada 100 mil habitantes. Em seguida aparecem a China (121 presos por 100 mil habitantes) e o Brasil, com 274 por 100 mil habitantes. De modo geral, a população carcerária cresceu 30% nos últimos 15 anos, mais rápido que os 20% de crescimento da população mundial como um todo.

Sem condenação. Dentre as inúmeras irregularidades do sistema prisional brasileiro, há um outro dado alarmante: dos 548 mil presos, 42% (230 mil) estão presos provisoriamente, ou seja, sem condenação definitiva. Segundo a ONG Conectas Direitos Humanos, os dados do InfoPen (Sistema Integrados de Informações Penitenciárias) mostram que enquanto no estado de São Paulo esse índice chega a 35%, no Piauí os presos sem condenação definitiva representam 66% do total encarcerado, e no Maranhão, 65%.

Parte desse total é consequência direta da chamada “guerra às drogas” – e seu decorrente endurecimento das penas. Encabeçada por Washington, a política é seguida por países como o Brasil. Dos quase 2,3 milhões de pessoas atrás das grades nos EUA, mais de 500 mil estão presos especificamente por violar a Lei de Drogas. Por aqui, entre 2005 e 2010 a quantidade de pessoas condenadas por tráfico mais do que triplicou. O aumento foi de 220%, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional. Desde que entrou em vigor, em 2006, a controversa Lei de Drogas (que muitos veem como dúbia por não distinguir com clareza usuários de traficantes) foi responsável pelo encarceramento de 138 mil pessoas, 25,5% do total. Até então, a taxa de encarcerados por delitos relacionados a entorpecentes era de 11,7%.

“A política de guerra às drogas, inventada e pulverizada pelos EUA e amplamente adotada aqui, tem papel fundamental no aumento da população prisional no Brasil, especificamente entre as mulheres”, reforça Rodolfo Valente, advogado colaborador da Pastoral Carcerária e militante da Rede 2 de Outubro. “Apesar de as mulheres presas representarem 8% do total da população carcerária, na última década a população prisional feminina aumentou cerca de 260% contra aumento de cerca de 105% da população prisional masculina. Mais da metade dessas mulheres está presa por tráfico de drogas.”

Do total de brasileiros que vivenciaram o sistema carcerário, mais de 60% reincidem, segundo dados da Unicef, órgão da ONU. “São números que demonstram, acima de tudo, um equívoco enorme nas políticas públicas, por parte da polícia, do Ministério Público, do Poder Judiciário. Se temos quase 70% de reincidência é sinal de que nada foi feito: não houve educação, não houve trabalho, não houve lazer”, afirma Marcos Fuchs, diretor adjunto da Conectas. “Um sistema que deveria zelar pelo preso, mas que, claramente, não está funcionando.”