domingo, 15 de abril de 2012

UMA FORTALEZA IMUNE A JORNALISTAS E A GOVERNOS


CARTA DA EDITORA | Marta Gleich - ZERO HORA 15/04/2012

David Coimbra provocou uma avalanche de manifestações com sua coluna “Para sentir vergonha”, sobre as terríveis condições do Presídio Central, publicada em Zero Hora de sexta-feira.

“Quando abri minha caixa de e-mails às 8h da manhã”, conta David, “deparei com duas mensagens escritas às 5h30min comentando minha coluna. Os leitores continuaram se manifestando durante todo o dia, sem parar. Até o começo da noite, foram pouco mais de 180 e-mails. A grande maioria a favor do texto. No meu blog ocorreu o contrário. Até a noite havia cerca de 230 comentários sobre a coluna. A grande maioria contra.” (Confira a coluna e a reação dos leitores em www.zerohora.com/davidcoimbra)

O texto começava assim: “Governador Tarso Genro, o senhor não tem vergonha? O Estado que o senhor governa confina seres humanos em masmorras onde fezes e urina escorrem pelas paredes, onde dezenas de pessoas se amontoam...”. E prosseguia: “Sinto vergonha pelo que é cometido contra esses homens no meu lugar, o Rio Grande do Sul, e no meu tempo, o século 21. Mas isso não me absolve. Não absolve a nenhum de nós.”

O governador Tarso Genro se manifestou em blogs e sites, numa entrevista reproduzida em nota enviada pela bancada do PT à redação de Zero Hora. “Acho que todos os gaúchos estão envergonhados com a situação do Presídio Central”, disse Tarso. “Mas eu, particularmente, sinto-me, além de envergonhado, contente por estar orientando o governo, desde o início da gestão, para incidir fortemente sobre aquela vergonha nacional.” Em outro trecho, o governador declarou: “Convido o jornalista que escreveu o isento artigo a ter vergonha comigo. Mais vergonha, talvez, porque, afinal, os dois governos que nos precederam foram eleitos com o apoio ostensivo das editorias da rede de comunicação onde ele trabalha. Os últimos oito anos de total descaso com o Presídio Central é que resultaram esta situação dramática que, paulatinamente, vamos corrigir”.

Zero Hora tem um longo histórico de reportagens e colunas sobre o inferno instalado no Presídio Central – publicadas não só no governo Tarso, mas também nos de seus antecessores Rigotto (2002-2006) e Yeda (2006-2010), Olívio, Britto, Collares, Simon.

Nem o assunto, nem a realidade são novos. Palavras semelhantes às de David Coimbra foram escritas em 2008 por Paulo Sant’Ana sobre o mesmo presídio, à época do governo Yeda: “Um quadro dantesco que se desenvolve no centro da capital gaúcha, no centro dos três poderes do Estado, aqui nas nossas barbas. São cascatas de fezes e de urina que brotam das paredes e se derrubam sobre as galerias. Nada existe igual. É a doença, a imundície cercando os presos, que vivem como ratos, como insetos, como baratas, como percevejos. É uma vergonha e uma chaga que o Rio Grande do Sul não pode desconhecer.”

É triste constatar que o Presídio Central é uma fortaleza que resiste a governos, a colunistas, a reportagens, a comentários de leitores, a nossa vergonha ou à falta de. Não é um assunto agradável nem para os leitores, nem para os governos. Mas nem por isso vamos nos omitir, como jornal, e deixar de publicá-lo.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Esta fortaleza citada pela Diretora de Redação (ZH 15/04) só é imune a jornalistas e a governos pelo corporativismo dos Deputados Estaduais que são fiscais dos atos do Executivo, pela pusilanimidade do Poder Judiciário que insiste nas medidas superficiais, pela abdicação do MP e da Defensoria que não denunciam o governante negligente e pela inoperância dos órgãos de defesa dos direitos humanos que se omitem diante do tratamento desumano, insalubre e permissivo oferecido na guarda de apenados.

Está falido o sistema político brasileiro. Aos invés dos parlamentares representarem os Estados (senadores) e o povo (deputados e vereadores), eles vêm representando interesses partidários de bancada, eleitoreiros e individuais, formando coligações por vantagens e votando conforme determinação de lideranças. No cumprimento de função normativa se submetem ao Executivo e Judiciário. E ainda deixam de fiscalizar os atos do Poder Executivo por estarem submetidos à uma base sólida construída a favor dos interesses e proteção do governo vigente. Que república é esta? Que democracia é esta vigente no Brasil? A falta de ação dos parlamentares nas questões prisionais evidenciam esta realidade.

Para refletir: No Brasil, a justiça é ágil e audaz quando trata de questões salariais e vantagens, mas se torna burocrata, morosa, fraca, leniente e corporativa quando enfrenta ilicitudes, descaso, imoralidades e improbidades do poder político. Por que será? Que justiça é esta afinal? Uma justiça sem a espada da coatividade, é uma justiça desmoralizada. Quantas vezes a justiça do RS solicitou a construção de vagas prisionais aos Chefes do Executivo? Até quando vai continuar implorando?

Leia o meu artigo neste blog:

http://prisional.blogspot.com.br/2012/04/justica-sem-espada.html

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