A Execução Penal é um dos extremos do Sistema de Justiça Criminal, importante na quebra do ciclo vicioso do crime pela reeducação, ressocialização e reinclusão. Entretanto, há descaso, amadorismo, corporativismo e apadrinhamento entre poderes com desrespeito às leis e ao direito, submetendo presos provisórios e apenados da justiça às condições desumanas, indignas, inseguras, ociosas, insalubres, sem controle, sem oportunidades e a mercê das facções, com reflexo nocivo na segurança da população.
sábado, 14 de abril de 2012
PARA SENTIR VERGONHA
DAVID COIMBRA - ZERO HORA 13/04/2012
Governador Tarso Genro, o senhor não tem vergonha? O Estado que o senhor governa confina seres humanos em masmorras onde fezes e urina escorrem pelas paredes, onde dezenas de pessoas se amontoam em cubículos do tamanho de um banheiro, mal havendo lugar para dormir no chão, onde a sífilis, a hepatite e a aids são disseminadas através do estupro, onde homens convivem com ratazanas maiores do que gatos, onde a comida é preparada em meio à imundície.
Essas pessoas, quando o Estado as mete em tais calabouços, ao mesmo tempo em que as pune por algum ilícito, esse Estado torna-se responsável por elas. Elas estão sob a tutela do Estado. É do Estado, ou seja, do governador e de todos nós, cidadãos, a responsabilidade de alimentar, abrigar e cuidar dessas pessoas. Se o Estado não tem condições de tratá-las com dignidade, não pode assumir esse encargo. Não pode puni-las. Pelo menos, não com a reclusão.
Tempos atrás, surgiu a proposta de privatização dos presídios. Houve todo tipo de argumentos humanitários contra a ideia. Seriam bons argumentos, se os gestores do sistema, entre eles o governador, sentissem vergonha pelo que é perpetrado contra esses homens. Se, movidos por essa vergonha, os gestores do sistema agissem com urgência para impedir que o Estado continuasse a supliciar homens sob sua tutela. Como ninguém sente vergonha, nem age, o Estado tem a obrigação de desistir da tarefa e entregá-la para quem possa cumpri-la a contento.
Sinto vergonha pelo que é cometido contra esses homens no meu lugar, o Rio Grande do Sul, e no meu tempo, o século 21. Mas isso não me absolve. Não absolve a nenhum de nós.
Nesta mesma semana em que o Brasil inteiro ficou ciente do que o Rio Grande do Sul faz com os homens que estão sob sua responsabilidade, um pitbull foi morto a tiro pelo segurança de uma universidade. O caso fez o Rio Grande se levantar como se fosse um só homem. Estudantes organizaram um protesto na universidade contra o segurança, uma passeata está prevista para ocorrer nos próximos dias, ouvintes de rádio, telespectadores de TV e leitores de jornal se manifestaram em espaços interativos, defensores do cão e do homem se bateram munidos de argumentos furiosos. Leio, também, que em Pelotas um cachorro acidentado mobilizou a comunidade, que ele recebe 30 visitas por dia no hospital e que se alimenta com filé.
E os milhares de homens martirizados do Presídio Central? Ninguém se importa com eles? Onde está a solidariedade da espécie? Há manifestações ruidosas a favor até das bicicletas, mas ninguém sai às ruas para protestar contra um Estado que mantém seres humanos vivendo em meio aos excrementos, dormindo na pedra dura, comendo lixo e sendo currados todos os dias. Não sentimos vergonha por isso. Isso ocorre aqui, no Rio Grande do Sul, não no Afeganistão; isso ocorre hoje, em 2012, não na Idade Média. Não se pode aceitar isso, governador. É preciso que se faça algo já. Se não porque é o certo a fazer, pelo menos porque temos vergonha.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA: David. Tu tens toda razão, é "para sentir vergonha". O David Coimbra (ZH 13/004) enalteceu uma "vergonha" que deveriam sentir os Governadores que passaram pelo Piratini; deputados da Assembléia Legislativa que são coniventes com o descaso do Executivo; promotores e defensores públicos que se omitem diante de graves violações de direitos humanos; magistrados que continuam insistindo em medidas inúteis; e a sociedade que não percebe os efeitos nocivos na segurança pública pelo descumprimento de deveres e não aplicação das leis pelos Poderes. A Constituição do RS (texto constitucional de 3 de outubro de 1989) prevê um capítulo (CAPÍTULO II) específico só para tratar da política penitenciária (arts. 137 a 139). Se o Governador não cumpre a maior lei do Estado, o que esperar deste governante? Se os deputados que são os fiscais dos atos do Poder Executivo não exigem a aplicação da lei maior do RS, o que esperar destes "representantes do povo"? Se o MP e a Defensoria não agem, o que esperar deste dois instrumentos de cidadania? Se o Tribunal de Justiça se omite e os magistrados continuam a insistir em decisões judiciais fracas e incapazes de acabar com o descaso, evitar violações de direitos humanos e tirar o Governador da postura de promessas e projetos sem resultados, como confiar numa justiça coativa e eficiente contra crimes e improbidades envolvendo Poderes de Estado?
Leitores comentaram a coluna de David Coimbra “Para sentir vergonha” publicada ontem, que aborda a situação do Presídio Central. SOBRE ZH, 14/04/2012
Tereza B. Soares não achou justo “que se defenda tanto um lado (presos) em detrimento do outro (população); existe uma maneira de não passar pelos horrores do presídio: procurar viver e trabalhar honestamente”.
Ismael de Oliveira Façanha elogiou o colunista pela “bela e corajosa crônica, inusitada em nossa mídia provinciana, tão vezeira em louvaminhar o poder”.
Sérgio Becker se disse frustrado: “De fato, os presidiários gaúchos estão submetidos a um regime bárbaro. Mas não foram atos de barbárie que enlutaram e destruí-ram famílias que os levaram à masmorra?”.
Waldir J. Palma agradeceu ao colunista “pela coragem, sem meias palavras, indo direto ao ponto, sem procurar agradar a quem não merece, que se esconde”.
Embora se confesse fã de David, Wanderlen Castanheira ficou “indignado com a coluna desta sexta, pois preocupar-se com o bem-estar de presidiários, estupradores, bandidos e ladrões é demais”.
Paulo Flores Menna Barreto e Sali Marroni telefonaram para dizer que “David dá voz a quem não a tem”.
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