sexta-feira, 20 de abril de 2012

CAOS PRISIONAL


Central escandaliza autoridades. Depois de vistoriar o presídio, OAB pretende denunciar o governador do Estado na Corte Internacional de Direitos Humanos - JOSÉ LUÍS COSTA, ZERO HORA 20/04/2012

A situação é mais grave do que se imagina. Essa foi a constatação de representantes de entidades de classes ligadas ao direito, à medicina e à engenharia que vistoriaram ontem pela manhã o Presídio Central de Porto Alegre. A visita reforçou a ideia de que só medidas drásticas podem solucionar os problemas da cadeia, que enfrenta degradação estrutural com sérios danos nas redes elétricas e de esgoto, além de superlotação.

A inspeção foi proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS). O presidente da entidade, Claudio Lamachia, percorreu o presídio ao lado de dirigentes do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea/RS) e do Conselho Regional de Medicina (Cremers). As três entidades farão pareceres técnicos sobre as condições da estrutura do prédio, do atendimento médico e da violação aos direitos humanos. Os laudos deverão estar prontos até quarta-feira.

De posse dos documentos, a OAB pretende entrar com uma ação judicial para barrar o ingresso de novos presos no presídio e denunciar o governador do Estado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, por submeter aos 4,6 mil presos a condições subumanas.

Conhecedor do presídio há duas décadas, o advogado Ricardo Breier não escondeu sua desolação:

– É a demonstração de um sistema falido que faz proliferar a violência – lamentou Breier, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RS.

Lamachia foi incisivo:

– Por tudo que vimos aqui, é um verdadeiro descalabro. Um verdadeiro desrespeito à sociedade – afirmou.

O presidente do Crea/RS, Luiz Alcides Capoani, pisou pela primeira vez no presídio e saiu de lá impactado.

– Foi uma lição de vida. Tudo que não se deve fazer em termos de engenharia se vê aqui – garantiu.

O cirurgião-geral Fernando Weber Matos, vice-presidente do Cremers, lamentou não ter acesso a dados fidedignos sobre o número de doentes.

A possibilidade do constragimento mundial do governo gaúcho perante a Corte Interamericana dos Direitos Humanos por causa do caos no Presídio Central também é tema de discussão na Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris). O assunto deve estar na pauta da reunião do conselho e – que tem 81 magistrados – marcada para a próxima segunda-feira.

Formada por magistrados e sediada na Costa Rica, a Corte não tem poder punitivo, mas, em caso de a denúncia ser aceita, a entidade emitiria sentenças que manchariam a imagem do Estado na comunidade internacional.

Zero Hora procurou a Secretaria da Segurança Pública e recebeu a informação de que a mesma não se pronunciaria sobre o assunto.

Cadeia de problemas

- Em agosto de 1995, a Justiça proíbe a entrada de novos presos. O presídio tem 1,7 mil detentos e capacidade em torno de 650 vagas. No mês seguinte, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ) modificou a sentença, vetando apenas o ingresso de presos condenados;

- Em março de 1997, o governo projeta a desativação do presídio, mas a decisão de barrar presos condenados não é cumprida;

- Em outubro de 2003, o presídio conta com 900 vagas, mas rompe a barreira dos 3 mil presos, e o TJ renova cobranças ao Estado;

- Em abril de 2006, o presidio abriga 3,9 mil presos, e a direção da cadeia sugere transferências, pois considera ter atingindo o “limite máximo possível e sustentável”;

- Em novembro de 2008, a Justiça interdita a entrada de detentos na 3ª galeria do pavilhão C, que rendeu ao presídio o título de “o pior do Brasil”. O presídio soma 4,8 mil presos;

- Em novembro de 2009, o presídio sofre uma nova interdição, com a proibição de ingresso no pavilhão B;

- Com 5,3 mil presos, em novembro de 2010, a Justiça veda o ingresso de condenados e de foragidos do regime aberto, e proíbe a entrada no semiaberto a partir de novembro de 2011;

- Em agosto de 2011, a Justiça limita em 4.650, o número de detentos;

- A última interdição entra em vigor em 1º de maio. A partir dessa data, nenhuma pessoa condenada poderá ser recolhida ao Central.

REPERCUSSÃO

Claudio Lamachia. presidente da OAB/RS - "Por tudo que vimos aqui, o Presídio Central é um verdadeiro descalabro, um verdadeiro desrespeito à sociedade. Quando falamos em direitos humanos dos presos, estamos falando de direitos da sociedade, que, depois, recebe essas pessoas nas ruas sem que elas tenham sido ressocializadas.

Fernando Weber Matos, vice-presidente do Cremers - "Nós, da área da saúde, acostumados com a superlotação dos hospitais, não estranhamos o que está acontecendo aqui. Falta gestão aqui e falta gestão nos hospitais. Encontramos presos doentes junto com presos, teoricamente, sadios. Então, a proliferação de doenças tende a aumentar na medida que não existe isolamento.

Luiz Alcides Capoani, presidente do Crea/RS - Infelizmente, o que a gente viu é tudo que não pode acontecer em termos construtivos. Inclusive risco à saúde. Tudo que não se deve fazer em termos de engenharia se vê aqui. Instalações elétricas aparentes, com gatos, que pode matar qualquer pessoa. Para mim, foi uma lição de vida, vir aqui no presídio. Fiquei impressionado.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Estão de parabéns a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS) na figura do seu presidente Claudio Lamachia e os dirigentes do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea/RS) e do Conselho Regional de Medicina (Cremers)pela iniciativa popular e cidadã de fazerem uma vistoria no Presídio Central para elaborar "pareceres técnicos sobre as condições da estrutura do prédio, do atendimento médico e da violação aos direitos humanos." Estão fazendo o que o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Tribunal de Justiça do RS são pagos pela sociedade para fazer de ofício. Infelizmente, a opção de denunciar "o governador do Estado na Corte Internacional de Direitos Humanos" é apenas simbólica. O certo seria uma denúncia oficial deste caos levada ao Supremo Tribunal de Justiça pelo MP, TJ-RS e Defensoria Pública contra violações de direitos humanos, omissão, desrespeito à constituição, negligência na execução penal e descaso nas decisões judiciais que pediram mais vagas no sistema prisional. A maior vergonha é, em todos estes anos de denúncias e reportagens na mídia, estes poderes se omitirem e apadrinharem o caos prisional instalado no Presídio Central de Porto Alegre. Algo que faz a sociedade repensar nos motivos de continuar pagando um alto custo dos salários e da existência de máquinas estatais inoperantes e coniventes neste vergonhoso crime de Estado.

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