sábado, 7 de abril de 2012

JUSTIÇA SEM ESPADA


Jorge Bengochea – Blog Falência Prisional


A literatura nos coloca Don Quixote como paladino empunhando sua lança contra os moinhos. Aqui no Rio Grande do Sul, a realidade nos coloca um magistrado abnegado, dedicado, voluntarioso e com a coragem para exercer seu ofício público com todo o comprometimento e dignidade que ela merece.

Durante toda a sua carreira, o juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Penais de Porto Alegre, tem se mostrado atuante e voltado às questões prisionais que atentam aos direitos dos presos e às condições em que eles cumprem as suas penas. É um homem que vai olhar o que está acontecendo, que conversa com presos e agentes e busca conhecer as dificuldades dos custodiados pelo Estado e daqueles que têm o dever de guardar, custodiar e assegurar a estadia, controle e segurança dos primeiros nos estabelecimentos penais.

Apesar de todo este esforço e das inúmeras interdições e acórdãos emanados da justiça, em 17 anos, continua a perdurar nas casas prisionais, em especial no Presídio Central, a pecha de depósito humano e de ser o pior presídio do Brasil, o descontrole, a superlotação, a insalubridade, a ociosidade, a permissividade, o horror, a exclusão social, torturas, mortes e desrespeito à dignidade de ser humano sob supervisão judicial e guarda e custódia do Poder Executivo.

A situação é tão ruim que até a Brigada Militar, uma instituição de policiamento preventivo e repressivo, foi retirada das ruas e desviada de forma ilegal e predatória para administrar e fazer a segurança dentro dos presídios, mudando apenas o interventor, pois a sala é a mesma. Os agentes prisionais de carreira nada podem fazer, pois não são apenas componentes de uma estrutura sem comando e sem hierarquia. Não são eles que constroem os presídios e a “organização” que integram não tem comando próprio, categorias distintas de direção e execução, uniforme, disciplina e efetivos suficientes para compor uma organização prisional eficiente e de qualidade com capacitação dirigida ao tipo de presídio.

Por outro lado, aqueles que deveriam respeitar as decisões da justiça, sensibilizar-se com as denúncias da mídia e esforço do juiz Brzuska, e reconhecer as condições desumanas dentro dos presídios, impunemente, ignoram e abandonam seus agentes e as pessoas que deveria guardar e custodiar à própria sorte. O Chefe do Poder Executivo, que é o responsável direto pela construção de construir presídios e pela execução das políticas prisionais previstas na constituição do RS, parece escudado por aqueles que deveriam fiscalizar seus atos e pelos outros que deveriam exigir nos Tribunais o cumprimento efetivo das decisões judiciais e a lei que rege os direitos humanos. Estes governantes nunca são ameaçados politicamente e nem judicialmente pela omissão e pelos atos de negligência e compadrio que fomentam a permanência da situação de depósitos e violações de direitos humanos nos estabelecimentos prisionais. Dá a entender que existem interesses corporativos abrandando os atos do Executivo e regendo uma conivência absurda entre os Poderes de Estado que nem o mais intrépido e sagaz paladino conseguirá vencer, muito menos uma sociedade adormecida. Este descalabro vem permitindo que seres humanos fiquem sem oportunidades de recuperação, descontentes com a sociedade e a mercê das facções, para os quais colocam na contrapartida seus familiares e sua dignidade a serviço do mal.

São fatos notórios e manchetes de rotina nas capas, divulgadas no calor da emoção e no surreal em todos os veículos de comunicação e nas redes sociais, sendo de percepção pública; bandeira nas promessas dos candidatos ao governo e ao parlamento; relatório oficial das organizações policiais e prisional; conhecimento oficial das autoridades com mandato no Piratini e na Assembléia Legislativa e no exercício de cargos no Tribunal de Justiça do RS; e tarefa de muitos políticos, magistrados e policiais que foram ao exterior com dinheiro público buscar estratégias prisionais.

Todos sabem as razões, as causas, os efeitos e as devidas soluções para esta calamidade, mas até agora não apareceu uma ação real, reação ou processo capaz de impor a lei, resgatar a dignidade e a segurança dos presos, restabelecer o direito de seres humanos e respeitar as determinações judiciais. Todas as ações até agora praticadas foram insuficientes, desmoralizadoras, e tão ingênuas que até um dirigente prisional fez promessa de colocar o cargo a disposição se fracassasse e não cumpriu. Porém, nada disto foi capaz de tirar da inércia os integrantes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e nem sequer colocou em cheque o mandato de Governador.

Existe sim uma solução para o caos prisional. Depende apenas do exercício pleno de obrigações e responsabilidades previstas em lei e da aplicação coativa das leis. A construção de estabelecimentos penais estruturados, capacitados e adequados ao nível de segurança precisa do fiel cumprimento dos dispositivos previstos na Constituição Estadual do RS, do respeito à Constituição Federal e da aplicação das leis federais e internacionais que regulam o setor prisional e os direitos humanos. Se não forem obedecidas, cumpridas ou aplicadas, cabe às instituições responsáveis pedirem o impeachment do Governador, a cassação, a demissão e a punição de todos que obstruíram, se omitiram ou negligenciaram seus deveres.

Se isto não for feito é porque o Judiciário perdeu a espada da severidade, capitulado pela má vontade de um Estado onde os políticos fazem o que querem com a lei e com a justiça, desanimando aqueles que exercem a guarda e custódia, desesperançando os que tem o dever de supervisionar a execução penal e abandonando apenados e famílias à própria sorte e ao desmonte de valores sociais e morais.

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