domingo, 22 de abril de 2012

PARA ENTENDER A CRISE PRISIONAL


Marcos Rolim, jornalista - ZERO HORA 22/04/2012


Minha primeira visita e meu primeiro pronunciamento sobre as condições do Presídio Central de Porto Alegre ocorreram há exatos 22 anos. Na época, ele tinha cerca de 2 mil presos e a situação já era horrorosa. Depois disso, foram dezenas de inspeções, denúncias, debates, textos, propostas e relatórios, o que me valeu entre alguns segmentos o epíteto de “defensor de bandidos”. A incompreensão generalizada sobre as prisões parte da ideia de que condenados devem sofrer, porque praticaram crimes graves e enlutaram famílias. Os que pensam assim terão uma surpresa se consultarem o InfoPen no site do Ministério da Justiça.

Os dados consolidados em dezembro de 2011 mostram que dos 30 mil presos no RS, mil deles cumprem pena por terem matado alguém (homicídios e latrocínios), ou seja: apenas 3,3% do total da massa carcerária, praticamente o mesmo número dos condenados por receptação. Os presos por estupro são 244, o que, somado aos 191 que cumprem pena por atentado violento ao pudor, perfaz 435 presos, ou 6,8% do total dos encarcerados no RS. No Brasil, a proporção de presos por crimes sexuais é ainda menor, atingindo 3,7% dos mais de 500 mil detentos. No RS, não há presos por corrupção passiva, nem por tortura, nem pela Lei Maria da Penha, uma façanha que não deve servir de exemplo a toda a Terra e que diz mais sobre a natureza da persecução criminal que temos do que seus operadores gostariam de saber. Para que não restem dúvidas, bastaria lembrar que o RS possui mais presos por furto simples do que por estupro e a incrível marca de 9.578 presos por tráfico de drogas, o que significa quase 32% do total de encarcerados (quem encontrar entre estes “traficantes” alguém que seja dono do negócio, responsável pelo refino da droga ou pela lavagem de dinheiro em bancos, ganha um ingresso para o show da Madonna).

O enfrentamento à crise prisional brasileira exige que se inverta a demanda de encarceramento em massa, com a mudança da legislação penal para que as prisões sejam reservadas aos que praticaram crimes especialmente graves (crimes com violência real e delitos de corrupção, por exemplo).

O desafio aqui é o de convencer a presidenta Dilma (que demitiu Pedro Abramovay da Secretaria Antidrogas por ter expressado a opinião de que pequenos traficantes não deveriam ser presos) e as lideranças do Congresso de que é preciso prender menos e melhor, responsabilizando a maioria dos delitos com penas alternativas e socialmente úteis. O Poder Judiciário e o Ministério Público poderiam ajudar, especialmente se houvesse empenho para que as prisões preventivas fossem, de fato, a exceção prevista pelo Código de Processo Penal. Hoje, do total dos presos brasileiros, 33% estão em prisão cautelar, o que demonstra que a medida se banalizou. A crise prisional brasileira tem sido construída meticulosamente pelo descompromisso político e pela incompetência de gestão, ambos sustentados pela ignorância pública e pela demagogia histórica. A boa notícia é que talvez estejamos assistindo à emergência de uma nova sensibilidade sobre o tema. Tomara.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Discordo do amigo Rolim. Primeiro: mudar a legislação penal "para que as prisões sejam reservadas aos que praticaram crimes especialmente graves" é uma falácia, pois é na impunidade e benevolências oferecidas aos criminosos de de menor potencial ofensivo que se escola bandidos perigosos e cruéis. A solução passa por condições dignas, segurança, controle absoluto e presídios identificados em níveis de segurança, todos com trabalho obrigatório. Os presídios de segurança mínima abrigariam autores de crimes de menor potencial ofensivo que teriam oficinas de trabalho para inserir o preso no mercado de trabalho e impedir o aliciamento por facções e a reincidência em crimes.

Segundo: Fazem 22 anos da primeira visita do Rolim, uma pessoa que teve a oportunidade de conhecer o problema prisional brasileiro e comparar a situação com outros países visitados por ele às custas do erário. Pergunto: após todo este tempo e oportunidades, que resultados produziram as "dezenas de inspeções, denúncias, debates, textos, propostas e relatórios" que lhe valeram o epíteto de “defensor de bandidos”?

Respondo: Nada mudou devido à incapacidade, impotência e apatia dos Poderes e autoridades com responsabilidade na execução penal de obrigarem o Poder Executivo a cumprir a lei e o respeito aos direitos humanos dos presos. A constituição do RS possui um capítulo especial que trata da política penitenciária que vem sendo desrespeitado pelos governantes do Piratini, sob silêncio absoluto da Assembléia Legislativa, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública e dos especialistas pagos pelo Estado para sugerir soluções, apesar da indignação do juizes das varas de execuções penais, das denúncias dos presos e agentes prisionais e das reportagens publicadas na mídia.

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