A Execução Penal é um dos extremos do Sistema de Justiça Criminal, importante na quebra do ciclo vicioso do crime pela reeducação, ressocialização e reinclusão. Entretanto, há descaso, amadorismo, corporativismo e apadrinhamento entre poderes com desrespeito às leis e ao direito, submetendo presos provisórios e apenados da justiça às condições desumanas, indignas, inseguras, ociosas, insalubres, sem controle, sem oportunidades e a mercê das facções, com reflexo nocivo na segurança da população.
domingo, 18 de novembro de 2012
NOTAS DO CÁRCERE
ZERO HORA 18 de novembro de 2012 | N° 17257. ARTIGOS
Percival Puggina *
Raramente leio páginas policiais. Evito fazê-lo para não acrescentar doses extras de horror a meus próprios calafrios. Vivemos com medo, aferrolhados. Em nossas conversas habituais, não faltam relatos de pavor e sangue. São apontamentos nos diários do cárcere, do cárcere em que nos recolhemos, inseguros e acossados. Há um pânico instalado no país e ele não distingue classe social nem cor da pele, campo e cidade. Como consequência, quem de nós, quando um bandido é morto no exercício de suas atividades, não exclama intimamente – “Um a menos!”?
É sobre essa síndrome que escrevo. Ela tem agentes causadores bem determinados. Não encontro pessoas com medo de serem vítimas de grandes crimes novelescos, por vingança, ciúme, herança ou dívida. O que encontro são pessoas com medo da criminalidade hoje considerada trivial, corriqueira, cotidiana. As pessoas temem ser espancadas ou mortas nas calçadas por motivo fútil. Percebemo-nos sujeitos a isso. Volta e meia alguém, ao nosso redor, foi parar na mala do carro ou experimentou o metal frio do revólver encostado na cabeça. Quem sai vivo de tais enrascadas ajoelha-se gratificado e lava o passeio com lágrimas de ira e júbilo. Um ano depois, os mais extremados rememoram a data, reúnem a família e sopram velinha. Festejam aniversário. São sobreviventes da criminalidade cotidiana.
O que descrevo tem tudo a ver com luta de classes, com pobres e ricos, com oprimidos e opressores. Mas não pelo motivo que lhe indicam certos analistas. É a bolorenta leitura marxista, conflituosa, da realidade social, sem a qual não conseguem pensar, que produz essa inoperância do Estado e suas consequências. É ela que responde pelo abandono do sistema carcerário e pelo desapreço às instituições policiais. É ela que redige a generosa benignidade dos códigos e os favores concedidos por leis penais que desarmam os juízes bons e compõem o arsenal dos maus. É uma leitura da realidade que minimiza aquilo que apavora o cidadão e aterroriza a sociedade. É uma leitura da realidade que legisla e atua na contramão do que todos temos o direito de exigir. Criminaliza a vítima e absolve o réu.
O bandido que nos sobressalta certamente já foi preso. O desmanche para onde vai nosso automóvel roubado durante o assalto já foi fechado várias vezes. Mas alguém no aparelho estatal não fez e não faz o que lhe corresponde. O legislador brasileiro dispõe sobre matéria penal como se vivesse numa realidade suíça.
Inúmeros magistrados desvelam-se em zelos para com os bandidos. Elevam desnecessariamente os riscos a que está exposta a sociedade sob sua jurisdição. E não faltam formadores de opinião para pedir penas brandas exatamente para esse tipo de crime cotidiano, covarde e violento, de consequências sempre imprevisíveis. Em tal contexto, conceder indultos generalizados e soltar presos a rodo é uma bofetada oficial nas vítimas.
Progressão automática de regime, na realidade brasileira? Quanta irresponsabilidade! Existe coisa mais escancarada do que o tal semiaberto? Prisão domiciliar? Estão brincando. “Mas faltam presídios!”, alegam os protetores dos apenados. A situação dos presídios brasileiros extrai hipérboles do ministro da Justiça. Mas há 10 anos o grupo do ministro governa, dá as cartas e joga de mão no país. Quem sabe Sua Excelência espera que os contribuintes, à conta própria, saiam por aí a construir presídios? Lidam irresponsavelmente com coisa seriíssima, senhores! Da rendição do Estado ante a criminalidade sobrevirão a anomia e o caos.
*Escritor
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