domingo, 18 de novembro de 2012

A PREFERÊNCIA DO MINISTRO

 
ZERO HORA 18 de novembro de 2012 | N° 17257

EDITORIAIS



O ministro José Eduardo Cardozo, da Justiça, despertou a indignação nacional ao dizer na última terça-feira, numa palestra a empresários paulistas, que preferiria morrer a ficar preso no sistema penitenciário brasileiro. Sua intenção, explicitada em várias entrevistas posteriores, foi evidenciar as condições desumanas das nossas cadeias e deflagrar um movimento nacional pela reforma e construção de presídios, com o propósito de solucionar o déficit de 200 mil vagas carcerárias no país. A manifestação contém uma verdade inquestionável – os presídios brasileiros, em sua maioria, se equivalem a masmorras medievais –, mas é inoportuna, incoerente e perigosa.

Por que é inoportuna? Simplesmente porque foi feita no dia seguinte à condenação pelo Supremo Tribunal Federal de lideranças do Partido dos Trabalhadores, o mesmo do ministro, algumas das quais ao cumprimento de pena em regime fechado. Fica escancarada a preocupação do senhor Cardozo com os companheiros de militância. Até parece que só agora o sistema carcerário se tornou inadequado para receber prisioneiros.

Por que é incoerente? Porque cabe exatamente ao ministro e ao governo do qual ele faz parte, que já completa uma década no comando do país, adotar as providências reclamadas. A verdade é que, nos oito anos da administração Lula e nos dois já cumpridos pela presidente Dilma Rousseff, o déficit penitenciário se manteve crescente – ainda que novos presídios estejam sendo construídos.

E por que é perigosa a declaração do senhor Cardozo? Bem, esta é uma questão mais complexa, que certamente merece uma reflexão maior. Embora a Constituição, o ordenamento jurídico, as instituições democráticas e os valores universais da civilização digam que criminosos presos devem ser tratados com humanidade e justiça, a verdade é que muitos cidadãos desenvolveram um sentimento de vingança em relação aos delinquentes e desejam abertamente que eles morram ou sofram os piores castigos. Trata-se de uma irracionalidade, pois já está fartamente comprovado que tratamentos cruéis tornam as pessoas mais agressivas. Já é consenso que as cadeias brasileiras, pela superlotação, pela promiscuidade e pelo descontrole, se transformaram em verdadeiras escolas do crime. Mas os criminosos encarcerados, que comandam suas quadrilhas do interior dos presídios, mandam executar policiais e promover a violência, precisam de maior vigilância e não de um incentivo à rebelião por parte da mais alta autoridade prisional do país. Antes de fazer a infeliz declaração, o ministro deveria considerar que existe uma coisa mais degradante do que o sistema carcerário: a dor e a infelicidade das vítimas da criminalidade.

--

O editorial ao lado foi publicado antecipadamente no Twitter @opiniaozh, no site e no Facebook de Zero Hora, na sexta-feira. Os comentários selecionados para a edição impressa mantêm a proporcionalidade de aprovações e discordâncias. A questão proposta aos leitores foi a seguinte: Editorial diz que crítica do ministro da Justiça à degradação dos presídios é inoportuna e incoerente. Você concorda?

O leitor concorda

Concordo com o editorial da ZH e acrescento: o que está gerando o aumento da violência é a frouxidão da legislação penal, que cria a certeza da impunidade. Esse governo empenha-se em proteger e dar garantias a criminosos e abandonou o cidadão honesto e trabalhador. Criou leis e promoveu campanhas de desarmamento da população, a qual ficou entregue à própria sorte, pois lhes foi tirado o sagrado direito da legítima defesa. Empenha-se em descriminalizar as drogas, o que certamente vai gerar mais violência e criminalidade.Gelson Lemos – Canela (RS)


Concordo, já que como ministro não empregou senão uma ínfima parte da verba que tinha para construção de novas penitenciárias e não tomou medidas para corrigir os erros que, agora, aponta.Arnaldo Novaes – Pelotas (RS)


O ministro da Justiça perdeu uma grande oportunidade para ficar calado. Se não pode ajudar, que não atrapalhe. Com relação à declaração de que prefere a morte a ser preso, é muito simples: é só não roubar como seus companheiros Zé Dirceu, Zé Genoino e Delúbio Soares, que ele não corre nenhum perigo. Aliás, nem ele, nem ninguém que andar na linha. José Carlos Ben – Nova Araçá (RS)


É uma afirmação que não espero de um ministro. Deveria tomar atitude para resolver a situação. Presídio deve ser espaço de correção, se o Estado não está organizado para esta medida, de pouco adianta recolher presos para tal espaço, pois de lá saem muito pior do que quando entraram. A afirmação do ministro deixa claro que não tem metas para a sua função e o estado dos presídios é a prova disso. Romério Gaspar Schrammel - Taquari (RS)


É inoportuna e incoerente, porque só se manifestou após a condenação de seus “companheiros” pela Justiça. Antes, estava tudo dentro dos parâmetros legais, senhor ministro? Argeu Garcia – Cidreira (RS)


Editorial muito bom e pouco ou nada teria a acrescentar. A decisão da AP 470 (mensalão) pelo STF, surpreendendo até os mais pessimistas, além de abrir luz no fundo do túnel no que diz respeito ao combate à corrupção, certamente trará outros benefícios à sociedade. Entre eles, a melhoria e ampliação do sistema carcerário, tão criticado e condenado desde a abertura política, principalmente após a CF de 1988. Reneu José Kerber - Novo Hamburgo (RS)


O leitor discorda

Lamentável o editorial. Preconceituoso, incoerente e paradoxal. Afinal, o ministro falou apenas a verdade. Há 500 anos, as condições do cárcere são as mesmas. Não foi nos últimos 10 anos que essa desgraça foi inventada, ao contrário. Ademais, quando se defende o respeito à dignidade humana dos encarcerados, como quer transparecer o editorial, não se pode fazer com preconceito e discriminação. Por fim, com todo o respeito, a preocupação do editorialista com o destino dos condenados no mensalão merece ser examinada pelas ciências clínicas. José Ferraresi – Porto Alegre (RS)


Discordo do viés dado pelo editorial à manifestação do ministro da Justiça. A realidade do sistema prisional brasileiro – do qual temos no Presídio Central a comprovação mais redundante – é construção de muitas mãos e governos e, principalmente, do povo brasileiro, que vota sem qualquer critério crítico que vá além da preocupação com o próprio umbigo. Nas campanhas políticas, temas como este da segurança, da construção de novos presídios, de melhorias e ampliação dos serviços de policiamento, são tangenciados. Os debates são ocos, os programas de governos não são documentos apresentados a priori, mas construídos no andar da campanha para agradar ao eleitorado, sem qualquer preocupação com a viabilidade. Daí temos o governo que temos e a situação que hoje nos espanta, no que tange a segurança pública. Daniel Ribeiro - Estância Velha (RS)

Nenhum comentário: