sexta-feira, 16 de novembro de 2012

CARDOZO E AS DORES DA PRISÃO

O ESTADO DE SÃO PAULO, 16/11/2012

João Bosco Rabello, Diretor da sucursal de Brasília


Não resta qualquer dúvida sobre o acerto do diagnóstico do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em relação ao sistema prisional brasileiro. Da mesma forma, não há dúvida de se tratar de uma daquelas coisas que só contaram a ele e…à torcida do Flamengo.

A novidade, portanto, não está na informação sobre nossos presídios, mas na solução formulada pelo ministro: “eu preferiria morrer”. Simples assim.

Como ministro da Justiça, responsável maior pelo sistema que condena, Cardozo passa à sociedade não mais a sensação, mas a certeza da impotência, ao apontar a morte como saída. Como quem começa a medir no minuto seguinte a bobagem dita, apressa-se na emenda que sai pior que o soneto: “Falo como cidadão”, não como ministro.

Como as duas condições – a de cidadão e de ministro – são indissociáveis e também não mudam a realidade carcerária, Cardozo deve ao distinto público algo melhor. Até porque, nada foi mais notório em sua gestão à frente do ministério do que a infeliz frase proferida como cidadão.



Ou seja, não se tem conhecimento de qualquer esforço do ministério da Justiça , sob a gestão atual, para atenuar o problema, ainda que se reconheça que ele é uma construção de décadas e que não seria justo culpar este governo pelo drama.

Mas o aspecto que parece mais relevante, e que torna mais impróprio o diagnóstico, é o desdobramento do raciocínio do ministro. Ao eleger como foco principal do problema as penas estabelecidas pelo Judiciário, com base na legislação vigente, Cardozo torna inevitável a associação entre sua fala e a condenação dos principais dirigentes do PT, José Dirceu e José Genoíno.

Como ministro da Justiça, Cardozo não fizera desabafo semelhante, o que autoriza a leitura de que o cidadão da palestra de ontem falou motivado pela solidariedade aos correligionários, cujas condenações consternam seus pares e imobiliza o partido, refratário à aplicação das penas previstas em seu próprio estatuto aos que se encontrarem na situação de Dirceu e Genoíno.

“…É preferível um sistema com penas bem dosadas, que funcionem, do que um com penas muito severas”, disse. Difícil não ver na dosimetria aplicada pelo Supremo Tribunal Federal aos réus do mensalão a motivação para a manifestação súbita do ministro,especialmente quando parece pinçar do inconsciente a palavrinha chave – dose.

É, sem dúvida, uma inversão de prioridade: se o sistema carcerário agride os direitos humanos – e agride – enfrentar essa distorção deve preceder a revisão de leis e critérios de apenação. Embora a legislação precise ser melhorada e melhor aplicada, no cenário atual qualquer tempo na cadeia em regime fechado ou aberto, já representa risco ao condenado.

De nada adianta penas mais bem dosadas, quando um dia de prisão pode ser suficiente para transformar uma sentença judicial em pena de morte.

O diagnóstico que nivela nossas prisões ao inferno está correto, mas simplesmente fazer seu registro, como ministro responsável pela área, não é válido se a constatação não vier acompanhada de algum sinal de vontade política de enfrentar o drama.

A legislação é insana ao sentenciar usuários como traficantes, entre outros tantos absurdos que produzem a superlotação das prisões, misturando criminosos de alta periculosidade com praticantes de pequenos delitos sem consequência direta para a sociedade.

Isso depende também do bom senso dos juízes no julgamento desses casos e na aplicação das penas. Mas diante da circunstância das condenações decorrentes do julgamento do mensalão, fica a impressão de que ao ministro a dosimetria que incomodou é a da hora – a aplicada aos dois líderes do PT.

A fala do ministro Cardozo, como percepção, é tardia. Como constatação, inócua. Como desabafo de cidadão, tem relação de causa e efeito temporal: ocorre 24 horas após as penas estabelecidas para os dirigentes históricos do PT, num tom de indignação que não merecera, até aqui, a população carcerária brasileira.

Da qual ambos farão parte, sem regalias especiais, como presos comuns.

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