A Execução Penal é um dos extremos do Sistema de Justiça Criminal, importante na quebra do ciclo vicioso do crime pela reeducação, ressocialização e reinclusão. Entretanto, há descaso, amadorismo, corporativismo e apadrinhamento entre poderes com desrespeito às leis e ao direito, submetendo presos provisórios e apenados da justiça às condições desumanas, indignas, inseguras, ociosas, insalubres, sem controle, sem oportunidades e a mercê das facções, com reflexo nocivo na segurança da população.
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
MINISTROS DO STF CRITICAM SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
Foto divulgada por juiz gaúcho que tem a coragem e ousadia de divulgar as omissões, o descontrole e a barbárie nos Presídios.
Revista Consultor Jurídico, 14 de novembro de 2012
Por Rafael Baliardo e Rodrigo Haidar
Os ministros do Supremo Tribunal Federal fizeram nesta quarta-feira (14/11) duras críticas ao sistema prisional brasileiro durante o julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão. Provocados por Dias Toffoli, alguns dos ministros debateram a crise do sistema penitenciário no país.
Toffoli iniciou a discussão ao referir-se à declaração do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que afirmou, na terça-feira (12/11), durante encontro de empresários em São Paulo, que “preferia morrer a ficar preso no sistema penitenciário brasileiro”. Dias Toffoli aproveitou, então, para protestar contra as penas estabelecidas pelo Supremo aos réus do mensalão. Para ele, as penas definidas no processo “não têm parâmetros contemporâneos no Judiciário brasileiro”.
Nesta quarta, os ministros definiram as penas do ex-diretor do Banco Rural, José Roberto Salgado e do ex-presidente do banco, Vinícius Samarane. Salgado foi condenado a 16 anos e oito meses de reclusão pelos crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta, similar à da presidente do Banco, Katia Rabelo. Vinícius Samarare foi condenado a oito anos, nove meses e dez dias de prisão por lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta.
Dias Toffoli, no entanto, ao votar na dosimetria da pena por lavagem de dinheiro contra José Roberto Salgado, protestou em relação às penas fixadas pelo tribunal. “Temos que repensar o que estamos sinalizando para a sociedade brasileira nesse julgamento”, disse, ao observar que crimes violentos contra a vida são apenados no Brasil de forma menos severa do que o que está sendo imposto aos réus condenados no julgamento.
“A filosofia da punição daquele que comete um delito está em debate na sociedade brasileira”, acrescentou. “Penas restritivas de liberdade combinam com o período medieval. Vamos a Foucault, pra ver o porquê disso. Vamos ser mais contemporâneos”, disse.
O ministro afirmou ainda estar sendo mais severo nas penas pecuniárias por considerar que nelas é que reside a verdadeira punição, e não no cerceamento à liberdade, um modelo esgotado e cada vez mais questionado, segundo ele: “O pedagógico não é colocar as pessoas na cadeia. O pedagógico é recuperar os valores desviados. Pois vale a pena passar um tempo na cadeia para depois desfrutar dos valores auferidos ilegalmente. Por isso, no que diz respeito às multas, tenho acompanhado o relator, muitas vezes acima do que ele estabelece”.
Toffoli aproveitou ainda para criticar o que qualificou como “condenação fácil à fogueira” dos réus do mensalão, afirmando que tem uma “visão mais liberal e mais contemporânea” do assunto. O ministro disse ainda que os crimes ocorreram apenas por conta do interesse pessoal e financeiro dos réus e não na escala de danos apregoada pelo Ministério Público Federal.
“[Os crimes julgados] não atentaram contra a democracia ou o Estado de Direito, porque são mais simples do que isso. Era o vil metal, e então que se pague com o vil metal”, disse Toffoli. “Pesam mais os efeitos pecuniários do que os efeitos restritivos de liberdade. Há pessoas que, desde 2006, não têm condições de sair à rua. Há o caso de ministros agredidos em razão de seu voto e advogados agredidos por conta da defesa que fazem”, protestou.
Os ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Luiz Fux aproveitaram também para repudiar o sistema penitenciário brasileiro, sem se ater às críticas feitas pelo colega às penas estabelecidas pela corte.
Celso de Mello chamou de “descaso, negligência e total indiferença do Estado” no que toca a situação extrema das penitenciárias no país. “A pessoa sentenciada acaba por sofrer penas sequer previstas no Código Penal, que nossa ordem jurídica repudia”, disse o decano ao se referir ao abandono das pessoas presas pelo Poder Público e às humilhações a que estão submetidos os brasileiros presos.
O ministro disse ainda que a Lei de Execução Penal tornou-se “um exercício de ficção judicial”, uma vez que, “não obstante as garantias ali estabelecidas, estas têm sido menosprezados pelo Poder Público”. O decano ainda lembrou que é grande a responsabilidade do Ministério da Justiça da resolução do problema.
Gilmar Mendes lembrou que há cerca de 250 mil presos provisórios no Brasil e lamentou o fato de o ministro da Justiça só ter abordado o tema apenas agora. “Todas as horas estamos decidindo nas turmas as questões de excesso de prazo”, disse
Gilmar Mendes, ao lembrar um caso de presos no Pará que passavam fome e que o Judiciário é responsável, também, por agir para enfrentar a questão. “Também louvo a preocupação do ministro da Justiça. Só lamento que ele tenha se manifestado só agora”, disse Mendes.
Contudo, a exemplo de Celso de Mello, Gilmar Mendes defendeu as penas estabelecidas no julgamento da Ação Penal 470. “Temos uma definição, que o próprio texto legal, [o Código Penal], adota para esses crimes. O que nos cabe aqui é apenas fazer a adequada individualização”, afirmou.
Núcleo financeiro
Na 46ª sessão de julgamento da Ação Penal 470, os ministros estabeleceram as penas de José Roberto Salgado e Vinícius Samarane. Salgado foi condenado a 16 anos e oito meses de prisão e ao pagamento de multa de R$ 1,6 milhão pelos crimes de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, gestão fraudulenta e evasão de divisas. Samarane foi condenado, por lavagem e gestão fraudulenta, a oito anos, nove meses e dez dias de prisão, além do pagamento de multa de R$ 598 mil.
Mais uma vez, o ministro Joaquim Barbosa saiu vitorioso ao convencer a maioria ao impor condenações mais severas do que aquelas fixadas pelo revisor, ministro Ricardo Lewandowski. O revisor anunciou que tinha revisto seu voto em relação a José Roberto Salgado, por conta das considerações apontadas no último memorial apresentado pela defesa do réu.
“O juiz precisa estar aberto aos apelos da defesa. O advogado é aquele que está mais próximo dos fatos, que tem conhecimento maior sobre o que está nos autos do que o próprio juiz”, disse Lewandowski.
O ministro revisor disse ter chegado a uma nova conclusão sobre a participação de Salgado nos 46 crimes de lavagem de dinheiro apontados pelo Ministério Público Federal. Para Lewandowski, o ex-vice-presidente do Banco Rural não devia ter pena igual a da ex-presidente, Kátia Rabello, pois sua participação teria ocorrido em menor escala.
No final da sessão, relator e revisor voltaram a discordar quando o ministro Joaquim Barbosa sugeriu que o Plenário decidisse sobre a perda de mandato dos réus condenados que exercem cargo eletivo. O relator justificou o adiantamento da decisão em razão da aposentadoria do presidente da corte, ministro Ayres Britto.
Lewandowski criticou o fato de o ministro novamente surpreender o tribunal. “A ordem é a desordem, é o caos”, disse o ministro revisor. Joaquim Barbosa, no entanto, ironizou: “Não há ordem, eu uso três minutos em meus votos, Vossa Excelência leva uma hora para votar”. A decisão sobre a perda de mandato acabou, contudo, adiada em razão da necessidade de alguns ministros se ausentarem.
Sessão derradeira
A sessão desta quarta-feira foi também a de despedida do presidente do tribunal, ministro Ayres Britto, que se aposenta compulsoriamente por completar 70 anos no próximo domingo (18/11).
Primeiro a render homenagens ao colega, o ministro Celso de Mello chamou o presidente do tribunal de grande juiz, se referindo ainda às suas decisões como julgamentos luminosos. “Os grandes juízes nunca desaparecem. Eles permanecem vivos na memória e no respeito dos seus jurisdicionados”, disse o decano. “[Seus] julgamentos luminosos tiveram impacto decisivo na vida dos cidadãos da República e nas instituições deste país”, concluiu.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, usou seu pronunciamento para fazer referência ao propalado perfil humanista do ministro, citando, à profusão, versos e aforismos filosóficos nos moldes como o homenageado costuma fazer.
Na mesma linha seguiram o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, e o presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante Junior. Adams disse que “a fidelidade a si mesmo” demonstrada pelo ministro Britto é um indicativo que o ele é “fiel aos outros”. Ophir Cavalcante disse que a gestão de Ayres Britto e sua trajetória no tribunal representavam “a marca da importância do ser humano dentro de uma instituição”. Para Ophir, “o ministro sobrepôs o ser-humano em relação ao juiz e ao poeta”.
Ao ganhar a palavra, Ayres Britto referiu-se à sessão desta quarta-feira (14/11) como “tarde mágica e definitiva”. O presidente da corte disse ainda que mesmo os momentos difíceis foram especiais, pois estes o levaram ao aprimoramento pessoal. “Nossas rugas aumentam para que nossas rusgas diminuam”, disse. Ayres Britto referiu-se ainda ao STF como “casa de fazer destino”, e que era uma honra ter servidor à corte que é a “fiel intérprete de uma Constituição concretista, como a brasileira”.
Rafael Baliardo é repórter da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Está correto o Ministro Tóffoli ao afirmar que "“penas restritivas de liberdade combinam com o período medieval". O Ministro Celso de Mello tambem acerta em chamar de “descaso, negligência e total indiferença do Estado” a situação extrema das penitenciárias no país, o "abandono e humilhações das pessoas presas e o menosprezo do Poder Público”. Porém, eles esquecem que são as cortes supremas do Poder Judiciário (STF para o nível federal e o STJ para o nível estadual) que processam e julgam os verdadeiros responsáveis pelo colapso prisional. Que motivos estão impedindo estas cortes de aplicar a lei de forma coativa contra as autoridades políticas? Estas cortes supremas deveriam seguir a observação do Ministro Gilmar Mendes que disse ser o judiciário o poder responsável para agir nesta questão. Ou não?
Uma vergonha é a maior corte do Judiciário se manifestar só agora a preocupação com os apenados pela justiça, motivada pela possibilidade de pessoas poderosas ligadas ao poder político irem para a cadeia cumprir pena? Onde está a independência do Poder Judiciário?
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