segunda-feira, 12 de novembro de 2012

350 PRESOS PODEM SER SOLTOS







ZERO HORA, 12 de novembro de 2012 | N° 17251

COLAPSO NAS CADEIAS. 350 presos podem ser soltos

JOSÉ LUÍS COSTA

Nunca a expressão colapso prisional foi tão adequada para retratar o atual momento das cadeias na Região Metropolitana de Porto Alegre.

A histórica escassez de investimentos atinge o ápice neste final de ano, provocando uma situação inusitada que poderá abrir as celas do Presídio Central para 350 apenados nos próximos dias.

São assaltantes, ladrões de carros e traficantes com progressão ao regime semiaberto autorizada pela Justiça, mas que seguem atrás das grades por falta de vagas nos albergues – o déficit ultrapassa 1,4 mil.

A situação dos presos, considerada ilegal, provocou a reação de advogados e da Defensoria Pública, resultando em pedidos à Justiça para que os apenados voltem para casa, cumprindo o restante da pena em prisão domiciliar. A questão deverá ser decidida pela Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre nesta semana.

Além da solicitação de prisão domiciliar para os 350 presos do Presídio Central, outros pedidos à conta-gotas – em média dois por dia – vêm batendo na porta da VEC. E a decisão judicial tem sido assim: a VEC expede uma guia de soltura para o preso.

Ele deixa o presídio com ordem de, por conta própria, se apresentar à sede da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), na Capital. A Susepe tem até 48 horas para encaminhar o apenado para uma unidade do semiaberto. Caso isso não ocorra, o apenado é beneficiado com a prisão domiciliar.

Nos últimos 30 dias, 64 apenados se apresentaram à Susepe, oriundos do Presídio Central e de outras cadeias. O número de presos transferidos para albergues ou que voltaram para casa não foi divulgado, mas, segundo a Susepe, pelo menos oito deles não procuraram a superintendência e são considerados foragidos.

A Defensoria Pública é favorável à prisão domiciliar com o argumento de que os presos beneficiados com a progressão para o semiaberto não podem ficar trancafiados em presídios, esperando a criação de vagas nos albergues.

Segundo o defensor Irvan Antunes Filho, coordenador das Casas Prisionais da Defensoria – setor que acompanha a execução das penas de presos –, a situação atual configura uma irregularidade, já reconhecida pela Justiça, em Brasília:

– Não podemos compactuar com isso. Caracteriza constrangimento ilegal, e existem decisões neste sentido nos tribunais superiores.

Para Antunes Filho, a concessão de prisão domiciliar não significa aumento dos índices de criminalidade.

– Este argumento não é muito válido. É temerário limitar o direito de uma pessoa. Eventualmente, presos vão reincidir, mas terão aqueles que vão cumprir a prisão domiciliar – sustenta o defensor.

O processo contendo os pedidos de prisão domiciliar para os 350 presos do Central está sob análise do Ministério Público (MP). A instituição reconhece a ilegalidade da situação, mas discorda do pedido da Defensoria.

– Queremos uma análise minuciosa, caso a caso, para evitar soltar, equivocadamente, um preso com ordem de prisão ou condenação em outros processos. Estamos cobrando da Susepe a criação de vagas. A solução não pode ser a prisão domiciliar. São presos perigosos – afirma o subprocurador para assuntos institucionais do MP, Marcelo Dornelles.

O pedido da Defensoria será decidido em conjunto pelos três magistrados da VEC. Sem antecipar o que será definido, o juiz Sidinei Brzuska lamenta que a situação tenha chegado a este ponto:

– Nada disso aconteceria se a Susepe cumprisse as decisões judiciais. É muito difícil administrar as queixas dos presos, perguntando por que a assinatura do juiz vale no mandado de prisão e não vale na ordem de progressão de regime.

Brzuska afirma que, se for preciso, não descarta a possibilidade de mandar lotar ônibus com os presos com direito à progressão e, sob escolta de policiais, desembarcar o grupo de apenados na porta da Susepe, no quarto andar do prédio da Secretaria da Segurança Pública.





 
Pavilhões no Pio Buck abandonados desde 2010

Enquanto 350 presos com direito à progressão para o regime semiaberto seguem trancafiados no Presídio Central de Porto Alegre, na mesma rua, quase ao lado, dois pavilhões do Instituto Penal Pio Buck estão abandonados desde outubro de 2010.

O Pio Buck já foi o maior albergue do Estado. Tinha 450 vagas e abrigava 550 apenados dois anos atrás. Por causa da falta de manutenção e de segurança, presos fugiam à noite pelo telhado, assaltavam e voltavam para dormir antes do amanhecer.

Em 2009, o descontrole levou a Vara de Execuções Criminais (VEC) a exigir providências da Susepe. Nada mudou. Em outubro de 2010, a VEC deu um ultimato: reforma ou interdição. Prevaleceu a segunda opção. Os prédios acabaram fechados pela Justiça.

Se reformados, os dois pavilhões abandonados poderiam abrigar 300 apenados. Eles têm problemas típicos de uma prisão deteriorada. Janelas com vidros quebrados, rede hidráulica e sanitários demolidos, infiltrações e fiação elétrica com risco de incêndio.

Contraponto
O que diz Gelson Treiesleben, superintendente da Susepe
- Acreditamos que não vá se concretizar (a prisão domiciliar para 350 apenados) porque estamos alugando prédios em Porto Alegre e na Região Metropolitana que possam ser adequados para atender a demanda do semiaberto. Estamos em análise de três locais, e, na próxima semana, deveremos assinar um dos contratos. Para aumentar o número de vagas, estamos com processo em andamento para construção de um Instituto Penal em Arroio dos Ratos e outro em Novo Hamburgo, ambos com 120 vagas. Existem, ainda, obras de recuperação nos institutos penais de Gravataí, com 60 vagas, Feminino de Porto Alegre, com 120 vagas, e Pio Buck, também com 120 (não se trata dos prédios interditados).


Entenda o caso
OS REGIMES
- Fechado – O condenado com pena a partir de oito anos começa a cumpri-la neste regime, em cadeias de segurança máxima ou média. Para progressão ao semiaberto, tem de cumprir um sexto da pena. Exemplo: se condenado a 12 anos de prisão por um homicídio, só poderá pleitear a ida ao semiaberto depois de dois anos neste regime.
- Semiaberto – Recebe os presos que progridem do fechado, e também é o regime inicial para condenados não reincidentes com penas a partir de quatro anos e não superiores a oito anos. Cumpre-se em colônia agrícola, industrial ou similar. É obrigatório o pernoite nestes locais, embora o trabalho externo seja usual.
- Aberto – É o último degrau da escala de prisão antes da liberdade. Acolhe presos que progrediram do semiaberto e é o regime inicial para condenado não reincidente, com pena inferior a quatro anos. Cumpre-se em albergue ou estabelecimento adequado. Alguns juízes autorizam o cumprimento domiciliar se não há albergue na comarca.
O IMPASSE
- A falta de vagas em albergues é um problema antigo no país. Existem decisões do STJ e do STF determinando que, na falta de vagas no semiaberto, o apenado tem de ir para o regime imediatamente mais brando, o aberto.
- No caso do Rio Grande do Sul, a carência de vagas é semelhante no semiaberto e no aberto, pois os albergues são os mesmos para os dois regimes.
- Como também inexistem vagas no regime aberto, decisões judiciais têm determinado a prisão domiciliar, uma medida prevista na Lei de Execução Penal para apenados com doença graves, com mais de 70 anos, condenada gestante ou condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental.
- No final de 2009, como medida paliativa, o governo de Yeda Crusius começou a construir albergues emergenciais. Mas os pavilhões, com material pouco resistente, acabaram sendo destruídos pelos presos, por vendavais ou por incêndios. Dos seis prédios erguidos na Região Metropolitana, ao custo total de R$ 3,6 milhões, quatro estão interditados e um nunca foi ocupado.
- Para tentar abrir vagas nos albergues, a VEC de Porto Alegre, a partir de 2010, concedeu prisão domiciliar para cerca de 2 mil apenados do regime aberto que estavam em albergues na Região Metropolitana. A medida contribuiu para, pela primeira vez em décadas, reduzir o número de presos no Estado. Contudo, a crise no semiaberto persiste, com uma carência de 1,4 mil vagas.
- Atualmente, apenas no Presídio Central de Porto Alegre existem 350 apenados que já receberam da Justiça a ordem de progressão do regime fechado para o semiaberto, mas a Susepe os mantém no presídio porque não existem vagas nos albergues. Eles estão na iminência de serem soltos.

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