27 de agosto de 2012 | 3h 07
OPINIÃO O Estado de S.Paulo
Em janeiro deste ano, depois de inspecionar 160 presídios e cadeias públicas de São Paulo, os juízes que tomaram parte no Mutirão Penitenciário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) concluíram que o atendimento médico e dentário aos detentos neste Estado se iguala às condições existentes na Paraíba ou em Rondônia, com orçamentos muito mais modestos. E, conforme reportagem de Bruno Paes Manso no Estado (12/8), os integrantes do Mutirão constataram um risco permanente à saúde de uma população carcerária de 180 mil pessoas, um terço dos sentenciados à prisão em todo o País, sendo relatados diversos casos extremos de falta de assistência. Não há notícia de que de lá para cá tenham sido tomadas providências para melhorar o tratamento médico-hospitalar dos presidiários. Conforme diz na reportagem o advogado Rafael Custódio, coordenador de Justiça da Conectas Direitos Humanos: "Para quem visita presídios e os centros de detenção provisória é possível constatar que a realidade é ainda pior. Faltam médicos e remédios".
Em dezembro de 2011, o procurador regional dos Direitos dos Cidadãos de São Paulo, Jefferson Aparecido Dias, convocou seus alunos para um trabalho sobre a assiduidade dos médicos contratados pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). Os estudantes ligaram para o consultório particular de 176 médicos para marcar consulta em horários em que os profissionais deveriam estar de plantão no sistema penitenciário e conseguiram acesso em 48% dos casos. Muitos desses profissionais pediram demissão. Atualmente, a SAP tem 140 médicos e, para suprir vagas, a Secretaria abriu concurso público e pretende contratar, em prazo não definido, 308 médicos. Supondo que o quadro de profissionais se complete, a SAP disporia de 448 médicos, ou seja, um para cada grupo de mais de 400 detentos.
Essa situação pode ser melhor que a de outros Estados, mas está longe de ser satisfatória. Os relatos são impressionantes: uma presidiária, grávida de oito meses, perdeu o filho por falta de atendimento, depois de presenciar a morte de uma companheira de cela; outra prisioneira, com 70% do corpo queimado, teve de recorrer à Justiça para ter direito a curativos, e assim por diante. Dependentes de drogas são considerados doentes mentais e são enviados ao hospital de custódia, em Franco da Rocha, mas não lhes é dada assistência adequada, simplesmente porque não há psiquiatras, como alega a advogada Sônia Drigo, do grupo Mulheres Encarceradas. A SAP diz que são feitos mais de 10 mil atendimentos psicológicos por mês, mas Sônia diz que são de baixa qualidade.
Não havendo meios de cuidar dos pacientes nas prisões, o que se tem procurado fazer, quando um presidiário adoece com certa gravidade, é levá-lo para hospitais públicos que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Nestes, muitas vezes não há vagas. Se tudo correr bem, se houver disponibilidade de leitos e de escolta, pois os presos têm de sair sob a guarda da Polícia Militar (PM), há algum tipo de tratamento. Em 2011, a PM teve de fazer 4.897 escoltas mensais para levar presos a hospitais.
O número continua elevado este ano (4.814 escoltas mensais), segundo informação da SAP. Quando se trata de presídios de segurança máxima, como o de Presidente Venceslau (SP), o hospital tem de ser interditado. Além disso, o SUS só fornece gratuitamente alguns tipos de remédios. Quase sempre, cabe às famílias ou amigos dos presidiários providenciar os medicamentos.
As campanhas de vacinação nos presídios são iniciativas elogiáveis, mas se deixa de levar em conta que a saúde dos detentos é mais frágil do que a da população em geral, como já demonstraram pesquisas internacionais. E isso decorre da má alimentação, da falta de exercícios físicos e, naturalmente, do trauma psicológico de muitos.
Há, sim, detentos irrecuperáveis, condenados a penas máximas. Mas nem por isso devem ser excluídos os cuidados com a saúde física e mental de toda a população carcerária, o que é essencial para que muitos dos que estão hoje nas prisões possam vir a ser recuperados para a vida em sociedade.
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