ZERO HORA 3 de agosto de 2012 | N° 17150
Presos do Central ganham voz
Em um evento inédito na cadeia da Capital, detentos escolhidos pelos presidiários narram a autoridades e a visitantes os dramas que enfrentam naquele que já foi classificado como o pior presídio do país
HUMBERTO TREZZI
Superlotação, sujeira acumulada, ratos em meio ao lixo, excrementos que escorrem pelas paredes. Tudo isso fez o Presídio Central de Porto Alegre ser escolhido, há alguns anos, o pior do país. E a população sabe disso pela voz de juízes, policiais e promotores que visitam aquela que é a maior prisão gaúcha.
Mas ontem foi diferente. Organizado pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), um seminário realizado no Central teve um momento diferenciado. É que quatro presidiários com altas penas foram escolhidos pelos próprios companheiros para relatar seu cotidiano. O depoimento de um deles, o ex-PM Jorge Gomes, provocou lágrimas no juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC), Sidinei Brzuska.
– Se 10% do que está previsto na Lei de Execuções Penais (LEP) fosse cumprido, nós viveríamos em boas condições. Mas a lei é como o livro Pequeno Príncipe, uma boa fantasia – resumiu Gomes, antes de enumerar problemas vivenciados pelos detentos.
O desabafo foi conferido por estudantes de Direito, profissionais da saúde e policiais, entre outros. O seminário “O Presídio Central e a realidade prisional: quantos presos queremos ter”, aberto ao público, incluiu também visitas de alguns dos participantes aos pavilhões. Confira os problemas do Central e do sistema penitenciário, pelo depoimento dos próprios presos.
“Falta comida, cobertor e medicamento”
O preso Vinícius Marques, 33 anos, condenado por assaltos e homicídio, afirmou que as queimas de colchões que ocorrem vez por outra não são baderna, mas um pedido de socorro dos detentos à sociedade, que decidiu “escondê-los, como algo indesejado”. Veja o que ele disse:– Falta comida, cobertor e medicamento. Não por culpa dos funcionários, mas porque o Estado não fornece.
– Qualquer progressão de regime, para sair de um prédio fechado para o semiaberto, leva mais de ano na espera. Mas é nosso direito receber esse benefício da lei, por que demora tanto? Morremos na espera por direitos.
“Há ratos maiores que cachorros”
Veterano entre os presos escolhidos para falar, o ex-PM Jorge Gomes tem 54 anos e está há 18 preso. Ex-segurança de banqueiros do jogo do bicho, foi condenado por homicídios e assaltos, que viraram tema de livro. Veja o que ele disse:– Falta oportunidade, no sistema penitenciário, para que alguém faça algo além do Ensino Médio. Fiz aqui o Ensino Fundamental, o Médio e o Enem. Tentei fazer Direito, mas as autoridades não têm como permitir que eu frequente a faculdade fora. A única chance que dão é que eu me forme PhD em crime.
– Quando se trata de varrer o lixo para debaixo do tapete, a humanidade é competentíssima. A lei foi eficiente para nos colocar aqui. Mas não é eficiente para permitir que eu complete os estudos e me reintegre à sociedade.
– Os ratos daqui são maiores que muitos cachorros que vocês criam em casa.
– Tô velho, gordo e hipertenso. Daqui a pouco, saio daqui e nem para bandido mais sirvo. Quanto mais para trabalhar.
“No semiaberto, jogados aos leões”
Robson Santiago, 31 anos, está desde os 18 no Presídio Central cumprindo pena por assaltos. Ele reclama da falta de condições na prisão. Veja o que ele disse:– Minha família tem de trazer óleo para eu cozinhar, o Estado não dá. O sujeito só pode sair com ódio.
– O combinado aqui com a Justiça é que não tem morte no presídio. Já no semiaberto é diferente, quando o sujeito vai para lá, é jogado aos leões. Lá valem as guerras de facções. Tem de separar as facções lá também, ora.
“O Estado não fornece o que deveria”
Itamar Rosa dos Santos, 29 anos, condenado por assaltos, diz que grande parte dos presos volta a delinquir quando sai da prisão e encontra familiares passando fome. Veja o que ele disse:– A família tem de trazer para a gente papel higiênico, uma comida melhor. O Estado não fornece o que deveria.
– O verdadeiro caminho para a ressocialização seria nos dar os direitos. Aguardamos um ano para fazermos exames psicotécnicos. Ficamos cinco minutos com uma psicóloga e, às vezes, ela dá parecer desfavorável. Como pode avaliar alguém em cinco minutos?
– O sujeito vai para o semiaberto sem amparo. Claro que volta ao crime.
Nenhum comentário:
Postar um comentário