Uma apreensão a cada seis presos. Crescimento de 5,4% do número de aparelhos recolhidos nas celas expõe a fragilidade da fiscalização nos presídios gaúchos
A escassez de investimentos em presídios tem gerado sucateamento estrutural das cadeias, superlotações, fugas e também fomentado o crescimento de celulares entre criminosos que, atrás das grades, comandam quadrilhas, organizam motim, ligam para tribunais e até ameaçam uma magistrada. A avalanche de aparelhos em poder de detentos é alarmante. Dados de 2012 mostram que, no Estado, foram apreendidos 4.519 celulares – equivalente a um aparelho para cada seis presidiários. Em média, 19 telefones foram recolhidos por dia nas cadeias.
Há 10 anos, autoridades vêm renovando o anúncio de medidas – que jamais se concretizaram – para evitar o uso de celulares nos presídios. No Estado, desde 2006, promessas e testes com bloqueadores de sinal se sucedem sem conseguir silenciar os presos.
Aproveitando fragilidades de vigilância no controle de acesso às cadeias, e até da corrupção de agentes, os criminisos transformaram as celas em escritórios do crime. Começaram ordenando assaltos, venda de drogas, assassinatos de desafetos. Depois, passaram a extorquir famílias, exigindo o repasse de créditos telefônicos, com o argumento de que um parente das vítimas havia sido sequestrado.
O crescimento vertiginoso desses casos fez o governo federal sancionar, em agosto de 2009, uma lei que classifica como crime o ingresso de celulares em presídios. Mas a lei tem pouco eficácia. Além de pena branda – detenção de três meses a um ano – só pode ser punido quem é pego entrando, intermediando ou facilitando o ingresso de celulares nas prisões. Ou seja, detento flagrado com celular não é atingido. No máximo, responde a procedimento disciplinar, cuja punição é o isolamento, sem direito à visita por até 30 dias, ou a prorrogação de prazo para progressão de regime.
Nos últimos meses, interceptações policiais registraram ligações de apenados, se fazendo passar por advogados, pedindo informações sobre processos ao Tribunal de Justiça do Estado, ao Ministério Público e também ao Superior Tribunal de Justiça.
Magistrado sugere regras mais rígidas para visitas na prisão
O promotor Gilmar Bortolotto, da Promotoria de Fiscalização de Presídios, é cético em avaliar a questão:
– Enquanto não melhorarem as condições dos presídios, o problema não será resolvido. Hoje as cadeias estão transformadas em favelas. Para o criminoso contumaz, quanto mais selvagem o ambiente, melhor para cometer crimes.
Para o juiz Eduardo Almada, da Vara de Execuções Criminais (VEC), de Porto Alegre, um dos pontos fundamentais é evitar que visitantes ingressem nas celas.
– As visitas deveriam ocorrer em área exclusiva, e o preso ser revistado antes de voltar para atrás das grades.
O presidente do Conselho de Comunicação do TJ-RS, desembargador Túlio Martins, afirma que, além de investir em tecnologia, é necessário um grande debate sobre a legislação de execução penal.
– É inadmissível que um preso tenha celular. A responsabilidade é do poder público como um todo. O sistema penitenciário é arcaico, e as leis penais são insuficientes para garantir segurança nos presídios – lamenta.
JOSÉ LUÍS COSTA
Contraponto - O que diz a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), por meio da assessoria de imprensa: Desde abril, a Susepe testa um bloqueador de celular na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). O teste não tem prazo para se encerrar, mas os resultados parciais são considerados positivos, pois conseguiram reduzir pela metade as chamadas de uma operadora e 30% as de outra. As salas de visita íntima na Pasc não são adequadas, por isso são realizadas nas próprias celas. Já as visitas de familiares são realizadas em local diverso das celas. Em outras cadeias são realizadas em celas específicas. Importante ressaltar que elementos construtivos de presídios antigos não contemplavam salas especiais para visitas.
CADEIAS SEM CONTROLE
COMO ENTRAM OS CELULARES - Aparelhos são usados como arma pelos criminosos atrás das grades
- Embora existam detector de metais para revistas, uma parcela significativa de celulares, assim como drogas e até armas, ingressa nas cadeias por meio de visitantes que costumam ingressar dentro das celas dos apenados. No Presídio Central de Porto Alegre, por exemplo, em média, 2 mil visitantes entram diariamente na cadeia, dificultando o controle mais apurado. Há casos também de presos que têm acesso a celulares ao corromper agentes da segurança.
- Ao longo dos anos, os apenados têm criado formas alternativas de burlar a segurança. Em 2006, uma geladeira que iria para dentro do Presídio Central de Porto Alegre foi apreendida pela BM com 64 celulares e sete armas em um fundo falso.
- Três anos depois, em duas oportunidades, PMs apreenderam pombos transportando carregador e bateria para celulares. Em setembro de 2010, dois celulares foram arremessados para dentro do pátio da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas grudados em flechas.
O QUE FAZEM COM OS APARELHOS - Os telefones são usados para comandar assaltos, assassinatos, sequestros, tráfico de drogas e extorsão. Em abril, a Juíza Elaine Canto da Fonseca, então na 2ª Vara do Júri da Capital, foi ameaçada de morte por meio de telefonema, cujo celular foi descoberto depois em poder de um apenado. No começo do mês, um preso de Charqueadas ordenou um motim, que acabou não se concretizando, para tumultuar seminário promovido pela Justiça dentro do Presídio Central.
A SOLUÇÃO - Construção de novas vagas para reduzir a superlotação das cadeias e aumentar a segurança. Investir em detector de metais e bloqueadores de sinais de celulares, além de criar áreas especiais para visitantes, evitando ingresso de pessoas nas celas. Ao voltar para as celas, os presos devem ser revistados.
OS CRIMINOSOS - Pelo uso de celulares dentro das cadeias, bandidos perigosos têm sido transferidos para cadeia federais em outros Estados. Paulo Márcio Duarte da Silva, o Maradona, traficante do Vale do Sinos, já foi transferido duas vezes para Catanduvas, no Paraná, por ter sido flagrado ordenando assassinatos e roubos com celulares. Jaime Evangelista Pires, o Nego Jaime, expoente de um grupo de extermínio que atuava em Canoas, foi para a penitenciária federal de Campo Grande (MS) em outubro de 2009, e Nei Machado, traficante gaúcho aliado de Fernandinho Beira-Mar, foi para Catanduvas em outubro de 2010 após a Polícia Federal descobrir que ele seguia comandando o tráfico por meio de um comparsa que falava ao celular.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Existem uma solução bem mais simples utilizada nos presídios dos EUA e Europa, mas carece de estrutura e disciplina. Basta criar parlatórios, salas especiais de audiências, salão especial para visitação dos familiares e quartos para visitas íntimas. Para acessar a estas salas, o apenado passa por uma revista rigorosa com raio x, detector de drogas e troca de roupa em uma sala apropriada antes e depois. O mesmo ocorre no acesso dos guardas prisionais que colocam e deixam seus uniformes na sala da guarda. A revista dos visitantes é normal com aparelhos de raio x para detectar metal, drogas e outros objetos. O problema é que nos presídios brasileiros o controle é precário na entrada de advogados, guardas e produtos alimentícios, e os visitantes passam por uma revista de amostragem. Os presos não são revistados após as visitações, e as visitas, inclusive as íntimas, são no pátio do presídio e até nas celas. Infelizmente, os presídios brasileiros são construídos apenas para depositar apenados da justiça sem oferecer trabalho interno e condições de controle e disciplina. E ainda tem quem defenda mais benevolências e privilégios para apenados e até o uso de celulares pelos presos para poder monitorar as atividades das quadrilhas, só que estes aparelhos são usados para determinar execuções, mobilizar bandidos e atacar autoridades.
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