A Execução Penal é um dos extremos do Sistema de Justiça Criminal, importante na quebra do ciclo vicioso do crime pela reeducação, ressocialização e reinclusão. Entretanto, há descaso, amadorismo, corporativismo e apadrinhamento entre poderes com desrespeito às leis e ao direito, submetendo presos provisórios e apenados da justiça às condições desumanas, indignas, inseguras, ociosas, insalubres, sem controle, sem oportunidades e a mercê das facções, com reflexo nocivo na segurança da população.
domingo, 24 de julho de 2011
LIBERDADE PARA MORRER
LIBERDADE PARA MORRER. Vidas em risco fora da prisão - FRANCISCO AMORIM, zero hora 24/07/2011
Ao conquistar judicialmente a liberdade provisória ou condicional, criminosos encontram a morte no retorno às ruas. Quarenta por cento das vítimas de homicídio em Porto Alegre são foras da lei que haviam deixado pouco tempo antes a cadeia
Levantamento feito por Zero Hora se debruçou sobre 50 mortes ocorridas entre 21 de maio e 19 de julho em Porto Alegre. A investigação aponta que 40% das vítimas identificadas eram criminosos beneficiados com alguma medida judicial temporária, como liberdade provisória (antes do julgamento) e condicional (depois da condenação) ou progressão ao regime semiaberto, onde é possível passar o dia fora da prisão trabalhando.
Na maioria homens com menos de 40 anos, essas vítimas têm trajetórias pessoais semelhantes: com antecedentes por roubo ou tráfico de entorpecentes, eles foram executados na mesma vizinhança em que cresceram e onde iniciaram e encerraram sua carreira no crime. Depois de passar por um sistema prisional superlotado que pouco propicia a reinserção social, alguns criminosos retornam aos mesmos locais onde deixaram dívidas e desafetos.
Outros detentos, cooptados por facções que dominam as galerias da maioria das cadeias gaúchas, deixam as celas com a missão de sustentar o grupo com a prática de novos delitos, morrendo ao se expor novamente aos riscos da vida bandida. Se ficassem presos, talvez continuassem vivos.
O recente assassinato de Fábio Santos Morales, 27 anos, na madrugada de 2 de julho, ilustra o destino comum a egressos do sistema. Seu algoz descarregou um revólver calibre 38 contra ele. Foram cinco tiros desferidos dentro de um casebre abandonado, usado por Morales para passar as noites, na Avenida Icaraí, bairro Cristal, onde atuava como flanelinha.
Condenado em 2006 inicialmente a oito anos de prisão em regime semiaberto por roubo, Morales havia voltado às ruas em liberdade condicional em julho de 2009. Antes já havia conquistado outro benefício, a redução de sua pena para cinco anos – apesar de ter fugido cinco vezes da cadeia.
Nos quase dois anos entre o regresso às ruas autorizado pela Justiça até sua morte, Saroba, como era conhecido no submundo do crime, foi preso em flagrante outras duas vezes. A primeira em fevereiro de 2010 por tráfico de drogas na Rua Orfanotrófio, bairro Cristal. Ele e um comparsa vendiam crack. Autuado na polícia, ele ganhou o direito à liberdade provisória, mesmo estando na condicional. Três meses depois, a segunda autuação em flagrante, desta vez, por porte ilegal de arma: Morales foi preso após a polícia atender a uma ocorrência de tiroteio também no bairro Cristal. Novamente, ele ganhou direito à liberdade provisória.
As duas prisões levaram a Justiça a primeiro suspender, em maio do ano passado, a liberdade condicional. Ele, no entanto, continuou solto. Ela só foi revogada em maio de 2011, porque Morales deixou de comparecer ao fórum regularmente. Ele acabou morrendo antes de o mandado de prisão fosse expedido pela Vara de Execuções Criminais (VEC).
Escondidas em pequenas notas na imprensa, histórias como a de Morales parecem se repetir. Em outro homicídio investigado, ocorrido em 28 maio, Silvio Delamar de Medeiros Ocampos, 49 anos, morreu apenas sete meses depois de entrar em liberdade condicional. Condenado por porte ilegal de arma e com antecedentes policiais por ameaça, lesão corporal e desacato, Ocampos foi encontrado morto por PMs na Estrada Retiro da Ponta Grossa, Zona Sul. Segundo relato de moradores, minutos antes teria ocorrido um tiroteio no local.
Se em alguns casos uma troca de tiros precedeu a morte, em outros, o assassinato ocorre de forma ainda mais cruel. Em 16 de junho – uma violenta quinta-feira, que registraria outras três mortes –, sete meses e meio após ter sua prisão preventiva revogada, o assaltante Rodrigo Souza da Silva, 25 anos, foi encontrado morto dentro de um porta-malas. Foi alvejado com cinco tiros, dois deles na cabeça. Morador da Bom Jesus, ele integrava a gangue Bala na Cara e havia sido preso em 2010 por suspeita de envolvimento no ataque com explosivos a uma agência bancária em Vale do Sol, no Vale do Rio Pardo.
Entre as vítimas de homicídio em que uma ordem de soltura acabou sendo uma espécie de pena de morte, prevalecem criminosos jovens. A maioria entre 18 e 40 anos e com baixa escolaridade. Sem profissão ou encaminhamento ao emprego, eles voltam a delinquir assim que deixam a cadeia.
Recolhido ao Presídio Central por tráfico de drogas em 19 de maio de 2010, Cristian da Silva dos Santos, 19 anos, conquistou a liberdade provisória dois meses depois. Segundo a polícia, havia suspeita de que ele retornara à venda de drogas. Em 16 de junho, foi encontrado morto com pelo menos 10 tiros, sendo dois no rosto, no bairro Humaitá.
Dos 50 homicídios analisados, seis foram de mulheres. E, novamente, se verificou a proporção de mortes em que a vítimas haviam sido beneficiadas com alguma medida legal. No início da manhã do dia 24 de junho, a apenada Rosinha Silva da Silva, 41 anos, foi morta na Avenida Aparício Borges, uma das mais movimentadas da zona leste da Capital. Foi constatado que pelo menos duas pessoas teriam participado do crime. Uma delas estaria aguardando em um veículo, e a outra, a pé, teria armado uma tocaia. Rosinha saía do albergue anexo à Penitenciária Feminina Madre Pelletier, onde cumpria pena em regime semiaberto por homicídio e tráfico. Ela trabalhava como cozinheira fora da casa prisional. Foi morta a cerca de dois quilômetros da penitenciária, em plena via pública. Condenada a 24 anos de prisão por homicídio cometido em 2001, Rosinha estava no semiaberto havia um ano.
Em alguns casos, nem quando uma pena alternativa é oferecida em substituição à cadeia, o criminoso escapa à morte. Condenado a dois anos e oito meses de prisão por assalto a um comércio em Palmares do Sul em 2008, José Carlos Pinheiro Machado, 22 anos, teve sua pena convertida em prestação de serviços à comunidade. Chegou a iniciar o cumprimento da pena em 2010, mas acabou morto no último dia 10. Ele e outros três homens foram alvejados por mais de 50 disparos de pistola na Avenida Adelino Ferreira Jardim, no Jardim Leopoldina. Segundo testemunhas, os disparos partiram de um carro prata. Atingidos, Machado e outra vítima morreram no local. Os outros dois ficaram feridos.
Estudo da Polícia Civil - A pedido de ZH, a Polícia Civil fez um segundo levantamento. Analisou o perfil das vítimas dos 50 homicídios registrados no Estado entre 10 e 20 de julho. O que aponta o estudo:
Sexo
- 80% homens
- 12% mulheres
- 8% não informado
Instrução
- 72% Ensino Fundamental
- 14% não informado
- 8% ensino médio
- 6% não alfabetizado
Faixa etária
- 48% entre 18 e 30 anos
- 20% entre 31 e 40 anos
- 10% não informado
- 10% entre 51 e 60 anos
- 8% entre 41 e 50 anos
- 4% mais de 60 anos
Antecedentes policiais
- 64% sim
- 18% não
- 18% não informado
- cor da pele
- 64% brancos
- 18% pardos
- 10% não informado
- 8% negros
Local do Fato
- 40% Interior
- 42% Região Metropolitana
- 18% Capital
Tipo de local
- 62% via pública
- 22% residência
- 8% estabelecimento comercial
- 8% outros
O levantamento
- 61 homicídios foram registrados entre 21 de maio e 19 de julho na Capital;
- 50 casos com identificação da vítima foram analisados por Zero Hora;
- 20 dos casos analisados tiveram como vítimas criminosos beneficiados por decisões judiciais.
Confira os Casos
- 12 as vítimas estavam em liberdade provisória (antes do julgamento);
- 3 estavam em liberdade condicional (após a condenação);
- 2 cumpriam pena no regime semiaberto;
- 1 estava foragido do regime semiaberto;
- 1 teve relaxada a prisão em flagrante, apesar da autuação;
- 1 teve a prisão preventiva revogada.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Valeu, Zero Hora. Oportuna reportagem diante da vigência da Lei da Impunidade que vem jogando nas ruas presos sem inclusão, ressocialização, monitoramento ou assistência do Estado. Desde que esta lei estava sendo concebida, este blog já alertava para seus reflexos nocivos na população e nos apenados. É triste conviver com governantes que estão tão descompromissados com a paz social que só enxergam o lado político e o interesse corporativo dos problemas. Não se animam a olhar o sistema e analisar o cenário que interagem no problema. Focam num aspecto e tomam decisões imediatistas, superficiais e inoperantes, desprezando efeitos que sacrificam a dignidade, a segurança, a vida e o patrimônio das pessoas.
- Quem não sabe que ex-apenado tem dificuldades em arrumar emprego?
- Quem não sabe que a impunidade para o crime de menor potencial ofensivo leva uma pessoa a cometer crimes de maior potencial e mais cruéis?
- Quem ainda não reparou que a maioria dos bandidos presos são sempre os mesmos e com longa ficha criminal?
- Quem não sabe que os bandidos mais ousados são aqueles homicidas que são sempre beneficiados por licenças, regimes brandos, controle de galerias e domínio de suas facções via celular de dentro das cadeias?
- Quem ainda não reparou que a criminalidade e a violência dispararam, enquanto os policiais sumiram das ruas e das investigações?
- Quem ainda não notou que, enquanto os governantes fazem farras com o dinheiro público, aumentam privilégios e investem no que dá voto e poder, os apenados são depositados dentro de celas imundas e superlotadas, dentro de galerias dominadas por facções, onde a insegurança, a permissividade, a ociosidade, a insalubridade, o aliciamento e a submissão e a pena de morte são violações de direitos humanos e dispositivos não escritos de uma lei paralela?
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário