terça-feira, 3 de janeiro de 2017

PONTO CULMINANTE DE UMA GUERRA



ZERO HORA 3 de janeiro de 2017 | N° 18731


ENTREVISTA - “É o ponto culminante de uma guerra”


GUARACY MINGARDI
Cientista político e analista criminal


A matança no presídio em Manaus não surpreende o paulista Guaracy Mingardi. Cientista político com mestrado pela Universidade de Campinas (Unicamp) e doutorado pela Universidade de São Paulo (USP), é ex-investigador da Polícia Civil. Fez concurso para policial justamente para conhecer por dentro “a fera”, o sistema policial-criminal. Hoje, é uma das maiores autoridades brasileiras em inteligência e análise criminal, crime organizado e corrupção. As credenciais o levaram a elaborar para o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) um diagnóstico do sistema carcerário, que inclui a força das facções criminais nos presídios. Leia a entrevista concedida por telefone a ZH.

O que gerou essa matança em Manaus?


É o ponto culminante de uma guerra. Culminante, até agora, porque está longe de terminar. O Primeiro Comando da Capital (PCC, paulista) há mais de década se tornou a maior facção criminosa do país. O Comando Vermelho (CV, carioca) sempre teve ambições restritas ao Rio. Os dois se abasteciam de drogas e armas no Paraguai e Bolívia, inclusive eram aliados. Aí o PCC, que é mais empreendedor, começou a dominar essa fronteira, monopolizar a rota para os principais mercados brasileiros (São Paulo e Rio). Estourou a guerra. O Jorge Rafaat, contrabandista que trabalhava com o CV no Mato Grosso do Sul, foi morto em junho com tiros de metralhadora antiaérea em Pedro Juan Caballero (Paraguai), a mando de um traficante fornecedor do PCC. Em outros Estados, o PCC tentou ingressar e têm ocorrido mortes.

Sobretudo na Região Norte?


Sim. Em outubro, 10 presos ligados ao CV em Boa Vista (Roraima) foram mortos por ordens do PCC. Horas depois, oito presos ligados a uma facção regional morreram em Porto Velho (Rondônia), supostamente por desentendimentos com o PCC. Agora, em Manaus, ocorreu o inverso: os do PCC foram vitimados. Essa facção regional aliada do CV, a Família do Norte, é muito violenta. Dezenas de supostos integrantes do PCC foram mortos no Amazonas, nas ruas, por traficantes locais nos últimos meses.

É sobretudo uma disputa de mercado?


Com certeza. Nos Estados mais ao Sul, o PCC domina. Com isso, estrangula a rota para os consumidores com mais potencial. O CV não pode ficar sem essa rota. Ele conta com aliados no Norte, mas é longe do Rio de Janeiro. Por isso, decidiu enfrentar os paulistas. É questão de sobrevivência.

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