sábado, 14 de janeiro de 2017

FINALIDADES DA PENA

GECAP-USP - Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da Universidade de S.Paulo


Finalidades da pena - 7 informações básicas sobre encarceramento


Um dos maiores dilemas da ciência penal é o da finalidade da pena criminal. Por que e para quê se aplica uma pena a um infrator da lei penal? O que se busca com isso? Um sem número de teorias tenta explicar a finalidade da pena criminal. Prosseguem debates, num ir e vir de proposições, como o mito de Sísifo.

1. Teorias absolutas
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Para uma parte dos teóricos do direito penal, a pena é uma reprovação que se faz ao autor de um delito. É a retribuição aplicada sobre um criminoso. Castigo, consistente em pagar um mal (a prática do crime) com outro mal (a pena). Sob esse aspecto, a pena não teria finalidade útil alguma, sendo um conceito bastante em si. Por trás da teoria da retribuição está a velha lei de Talião do “olho por olho, dente por dente”. Essas teorias - chamadas de absolutas – foram as primeiras que tentaram explicar a pena criminal e embora tenham origem distante no tempo, ainda são aceitas e defendidas por muitos juristas. O maior mérito da teoria absoluta foi ter erigido o princípio da culpabilidade como exigência absoluta para a aplicação de toda e qualquer pena, pois a retribuição só pode se dar em razão de um ato culpável do agente. A aplicação de uma pena criminal sem culpabilidade viola dignidade humana.

2. Teorias relativas
De outro lado, para grande parte dos pensadores do direito penal, a pena deve ter uma finalidade útil, que é o fim preventivo, consistente em evitar a prática de novos e futuros delitos. A pena não deve servir à realização da justiça na Terra, mas à proteção da sociedade. Os fundamentos ideológicos das teorias relativas da pena vem do iluminismo, que através de uma racionalidade orientada à evitar o cometimento de delitos, procurou das uma perspectiva também humanitária e social à persecução dessa finalidade.
Tais proposições – chamadas de teorias relativas – subdividem-se em teorias de prevenção geral e da prevenção especial. Estas, por sua vez, também se subdividem. A prevenção geral se expressa por uma vertente negativa e uma outra positiva. Da mesma forma, a prevenção especial é concebida por juristas que a defendem sob um aspecto negativo e por outros diversos que afirmam sua expressão positiva.

2.1. Prevenção geral.
Vejamos a prevenção geral negativa. Tal teoria se sustenta no poder de ameaça coletiva que a pena contém (“se você violar a lei criminal, sofrerá uma pena”). Funda-se no medo do ser humano, que se vê intimidado da seguinte forma: saberá que à prática do ato criminoso, seguir-se-á uma mal maior que aquele experimentado pela auto-frustração em não ter cometido o delito. Sabe-se hoje, que o homem não é esse economista frio que no momento de praticar um crime, calcula os “prós” e os “contras” de sua conduta criminosa, de modo que realmente não se sente intimidado por uma pena prevista no código penal ou em uma lei penal qualquer. O que efetivamente detém o indivíduo no momento de praticar um crime – ensina a criminologia – é o medo de ser surpreendido e efetivamente perseguido pelo sistema de justiça criminal.

Para a teoria da prevenção geral positiva, a pena é a forma da qual o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na vigência das normas penais e do próprio ordenamento jurídico-penal. No aspecto positivo da prevenção geral o objetivo perseguido com a pena é a conservação da confiança na firmeza e poder de execução do ordenamento jurídico. A pena tem a missão de demonstrar a inviolabilidade do ordenamento jurídico perante a comunidade jurídica e dessa forma reforçar a confiança do povo no direito. Cada vez que se comete um delito, a consciência jurídica da comunidade - que presumidamente aceita a validade do ordenamento jurídico - também se vê atacada com maior ou menor intensidade. Com a pena se conseguiria um fim de integração do delinquente e da comunidade com a norma, restabelecendo-se esta. Daí a denominação “prevenção de integração” para a prevenção geral positiva.

2.2. Prevenção especial.
A segunda das teorias relativas denomina-se teoria da prevenção especial. Conforme esta teoria, a pena se legitima porque tem por evitar futuros delitos atuando especificamente sobre aqueles que já praticaram um delito, e não sobre a comunidade. Se trata de evitar que aqueles que praticaram um delito voltem a fazê-lo no futuro. A diferença da prevenção geral, portanto, reside em que esta se dirige a coletividade, enquanto a prevenção especial busca prevenir os delitos que possam proceder de uma pessoa determinada. A pena objetiva evitar que quem a sofreu volte a delinquir.

A prevenção especial não pode operar – como a geral – no momento da cominação legal, senão no instante da execução da pena. A finalidade é, enfim, evitar a reincidência.
Esta ideia remonta às origens do pensamento penal. Já em Sêneca (65 d.C.), evocando a ideia de Protágoras (aproximadamente 485-415 a.C.), que foi transmitida por Platão (427-347 a.C.) se encontra a formulação clássica de todas as teorias preventivas: “Nam, ut Plato ait: ‘nemo prudens punit, quia peccatum est, sed ne pccetur’ ...” (“Pois como disse Platão: ‘nenhum homem sensato castiga porque se pecou, mas para que não se peque’ ...”). Dito princípio não teria fins práticos até o fim do século XVI, com a nova concepção da pena privativa de liberdade. Na teoria penal dos séculos XVII e XVIII a ideia de utilidade da pena para o apenado se reconheceu expressamente. Porém, o idealismo Alemão terminou bruscamente com as ideias de prevenção especial. Então, em Franz von Liszt (em seu famoso Programa de Marburgo) a prevenção especial retomou o seu vigor. São quatro as correntes que inspiraram a prevenção especial: o correlacionismo, a escola positiva italiana, a moderna escola ou escola sociológica alemã de Von Liszt e a Defesa Social de Marc Ançel na França. O desenvolvimento do Estado durante o século XIX e suas contínuas disfuncionalidades, com grandes crises e levantes populares, puseram em evidência a necessidade de uma intervenção maior do Estado em todos os processos sociais, inclusive nos de tipo penal.

Para os adeptos da teoria da prevenção especial positiva, a pena age sobre o condenado buscando sua ressocialização, estando nesse ideal a legitimação teórica da pena criminal. Existe ai um claro objetivo de “tratar” o delinquente, para que adquira valores, incorpore-os ao seu espírito e aplique-os ao seu cotidiano em sociedade. É posicionamento que carrega os ideais de reeducação e correção do criminoso, através do trabalho, da educação e da aplicação de procedimentos psicológicos, assistenciais e pedagógicos. Tornou-se conhecida como teoria que transporta as ideologias “RE”: ressocializar, reinserir na sociedade e reeducar.

Finalmente, os teóricos da prevenção especial negativa, defendem que a pena serve à finalidades de inocuização do delinquente, através da sua intimidação que evitaria a prática de futuros delitos. Diferentemente da teoria da prevenção especial positiva, aqui não existe o objetivo de “melhorar” o delinquente. Se deseja tão somente neutralizá-lo, ou mais precisamente, neutralizar as consequências de sua inferioridade, aplicando-se um mal sobre o delinquente que se reverterá em um bem para a sociedade. É teoria que deve ser combinada com as ideologias Re: sempre que estas fracassam, recorre-se à eliminação do ”marginal incorrigível”. Pode ser uma inocuização temporária (penas de prisão com duração certa) ou permanente (pena de morte ou prisão perpétua).

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