quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

A BARBÁRIE PENAL



ZERO HORA 05 de janeiro de 2017 | N° 18733


ARTIGOS

MIGUEL TEDESCO WEDY*



A barbárie se dá quando uma ordem entra em decadência. O episódio tenebroso ocorrido em presídio de Manaus, com mais de 50 mortos, denota a falência do Estado penal e a irresponsabilidade da política de drogas no Brasil.

Já faz tempo que as legislações penais e processuais vêm dando sinais de esgotamento. Homicídios dolosos, estupros, latrocínios (matar para roubar), roubos com violência real, lesões graves e gravíssimas possuem penas incontingentemente baixas se relacionadas com a relevância dos bens jurídicos protegidos. A vida, a liberdade sexual, a integridade física não são prioridades. Ao mesmo tempo, a criminalização desproporcional e ineficaz do uso e do tráfico de drogas criou um mercado ilícito que fortaleceu grandes grupos criminosos.

O problema central da criminalidade brasileira é a questão da droga. Qual o projeto estratégico do Estado brasileiro para enfrentar tal questão? O mesmo de 40 anos atrás: cadeia. Qual o resultado: o fortalecimento de grandes grupos criminosos e da violência operada por eles, o aumento monstruoso do número de presos e a explosão do sistema carcerário, a barbárie de Manaus! Conforme dados do Infopen do Ministério da Justiça, entre 2000 e 2014, o número de homens presos aumentou em 220% e o número de mulheres presas em 567%. Qual a principal motivação das prisões: tráfico de drogas. Isso diminuiu a criminalidade? Não, aumentou. É fundamental que o Estado tenha a coragem de intervir economicamente nessa questão, a fim de enfraquecer os grupos criminosos e atingi-los nos seus ganhos. É preciso quebrar a espinha dos seus lucros.

Por fim, é possível constatar que a cegueira oficial mantém um discurso equivocado que vê prisão cautelar, cadeia e condenação como sinônimos de efetividade da jurisdição penal. Ora, o que mostra se uma legislação penal e processual penal é boa ou ruim não é a quantidade de prisões, condenações e de drogas que foram apreendidas, mas, sim, a redução ou não da violência que circunda a questão. E, isso, a atual legislação não tem conseguido fazer. Mais Estado penal não significa necessariamente menos violência e menos crimes. Ao contrário, quanto mais circunscrito o Estado penal, mais objetivo e eficaz ele será, pois protegerá o que é essencial, o que poderá, aí sim, redundar na redução da violência e da criminalidade.

*Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos, advogado criminalista

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