terça-feira, 3 de janeiro de 2017

BARBÁRIE E 56 MORTES



ZERO HORA 03 de janeiro de 2017 | N° 18731



GUERRA DE FACÇÕES que atuam em Manaus resulta em chacina com esquartejamentos e vítimas queimadas


Uma rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), maior presídio do Amazonas, deixou pelo menos 56 detentos mortos em Manaus. Entre as vítimas, conforme a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, diversas foram decapitadas. A matança é a maior já registrada no país em presídios desde o massacre do Carandiru, em 1992, em São Paulo.

O motim começou na tarde de domingo e durou mais de 17 horas. Foram feitos pelo menos 86 reféns. Entre eles, 74 detentos e 12 funcionários da Umanizzare, empresa de gestão privada que presta serviço no complexo. Os funcionários foram liberados na manhã de ontem, sem ferimentos. De acordo com a Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (Seap), a chacina é tratada como uma guerra entre facções criminosas rivais. Por isso, os líderes dos grupos não fizeram exigências à administração.

O racha se deu entre a Família do Norte, que seria ligada ao Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, e o PCC, de São Paulo. Segundo as autoridades, a ordem para a matança seria da Família do Norte.

Pouco antes da rebelião, 87 presos – de um total de 229 na cadeia – fugiram do Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat), que fica a cinco quilômetros da casa prisional onde estourou o motim. Essa foi considerada pelo governo amazonense a maior fuga de detentos da história do Estado que tem 11 unidades prisionais. Também há informação de que presos tenham escapado do Compaj, mas não há números oficiais.

No Compaj, há 1.224 homens – o triplo da capacidade de 454 vagas. Em outubro do ano passado, uma inspeção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) classificou as instalações do local como péssimas para qualquer tentativa de ressocialização. Lá, os presos não receberiam, segundo o relatório, assistência jurídica, educacional, social e de saúde. Também não há detectores de metais ou bloqueadores de celulares.

Nas celas, os presos têm seus territórios demarcados por facções criminosas. As gangues disputam poder em uma das rotas mais lucrativas do narcotráfico no Brasil, no caminho que traz as drogas do Peru e de parte da Bolívia pela Amazônia.

VERBA DE R$ 44,7 MILHÕES PARA REPARAR ESTRAGOS


O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, tinha prevista a ida ontem a Manaus para acompanhar os desdobramentos da rebelião.

No início da tarde, o ministério divulgou nota afirmando que já havia se colocado à disposição do governador de Manaus. A assessoria do ministro também afirmou que, se houver solicitação, o governo poderá deslocar agentes da Força Nacional de Segurança a Manaus e viabilizar a transferência de presos para penitenciárias federais.

Mais cedo, o governo de Amazonas informou que deve utilizar parte dos R$ 44,7 milhões que recebeu do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) na última quinta-feira para reparar os estragos na unidade.

A atuação da Família do Norte no comando do tráfico de drogas no Amazonas teve influência até mesmo nas eleições daquele Estado. Em 2014, a reeleição do governador José Melo de Oliveira (PROS) foi desestabilizada por áudio que mostrava o subsecretário de segurança, na época, negociando apoio eleitoral com um líder da facção que estava preso no Anísio Jobim. O então subsecretário Carliomar Brandão foi exonerado do cargo e disse que a conversa que ele teve com o detento foi manipulada.


Contêiner frigorífico para os corpos



O Instituto Médico Legal (IML) de Manaus deverá receber contêiner frigorífico para auxiliar as atividades de necrópsia após o massacre no Compaj. Como o IML local só tem capacidade para refrigerar 20 corpos, o contêiner deverá ajudar a manter os demais conservados para cerimônias de velório e sepultamento pelas famílias das vítimas.

Conforme o secretário de segurança do Amazonas, Sérgio Fontes, a estimativa é que os trabalhos no IML levem até cinco dias para serem concluídos.

– Temos apenas 20 gavetas no IML e temos 60 mortos. Vamos precisar alojar os outros em algum lugar com o mínimo de dignidade para que possam ser identificados e seja feitam exames de necrópsia. Vamos usar um caminhão frigorífico – disse Fontes.

Diante do massacre, Fontes pediu mobilização nacional em torno do assunto.

– Esperamos que esse capítulo possa ter nos ensinado algo, que não basta deixar isso para cada Estado resolver por sua conta e risco. O que acontece no Amazonas repercute no Ceará, que a droga passa por aqui – disse, relembrando episódios do Presídio de Pedrinhas, no Maranhão, além de casos do último ano em Porto Velho e Boa Vista.

O secretário destacou que serão abertos inquéritos para investigar e, futuramente, penalizar os autores dos assassinatos, também reforçando a segurança nas unidades prisionais para manter a ordem. Os presos foram mortos pelos próprios internos do Compaj, em confronto de extrema violência que durou cerca de 15 horas.

– Volto a dizer: há uma guerra silenciosa que o Estado tem de intervir, é a guerra do narcotráfico. Estamos vendo o que vimos hoje: uma facção brigando com a outra. Por quê? Por que as siglas são diferentes? Não, porque cada uma quer ganhar mais dinheiro do que a outra. A briga é por dinheiro, por espaço. Desde o tempo em que estava na Polícia Federal, sempre soubemos que o Brasil está numa guerra cada vez mais impiedosa.

CHACINAS NA HISTÓRIA
1992
Carandiru (SP) – 111 mortos
Maior massacre da história dos presídios brasileiros ocorreu na véspera das eleições municipais de 1992: 111 presos foram mortos durante a invasão da Tropa de Choque da Polícia Militar à Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru e então maior presídio do país. A rebelião teve início com uma briga de presos rivais no Pavilhão 9.
2000
Papuda (DF) – 11 mortos
A maior chacina da história da Papuda, presídio de segurança máxima de Brasília, durou 50 minutos. Cerca de 200 detentos com armas artesanais invadiram o Pavilhão B e atearam fogo aos colchões de cela onde havia 15 presos. Os corpos foram encontrados amontoados no banheiro. Onze morreram queimados vivos ou sufocados.
2001
São Paulo – 16 mortos
Em 18 de fevereiro, o Primeiro Comando da Capital (PCC) organizou megarrebelião simultânea em 29 presídios como represália pela transferência, da Casa de Detenção, dos principais chefes do grupo. Agentes penitenciários e familiares de detentos viraram reféns. Era domingo, dia de visita. Ao todo, foram 16 mortos e dezenas de feridos.
2002
Urso Branco (RO) – 27 mortos
No primeiro dia do ano, 27 detentos foram mortos por outros presos quando a Polícia Militar entrou na Casa de Detenção, conhecida como Urso Branco, em Porto Velho, para acabar com uma rebelião. Detentos de alguns pavilhões começaram a assassinar internos do chamado “Seguro”, onde ficavam os que eram ameaçados de morte.
2004
Benfica (RJ) – 31 mortos
A rebelião na Casa de Custódia de Benfica, no Rio, durou 62 horas e deixou 31 mortos, sendo um agente penitenciário e o restante, detentos. Os internos foram mortos por presos do Comando Vermelho, que “julgou” e “condenou” à decapitação, à morte por pauladas, à mutilação e à fogueira diversos membros de facções rivais. Os corpos foram encontrados aos pedaços.
2010
Pedrinhas (MA) – 18, 60 e 17 mortos
O Complexo Penitenciário de Pedrinhas em São Luís, no Maranhão, sediou rebelião de 30 horas com saldo de 18 detentos mortos, sendo três por decapitação, em 2010. Em 2013, cerca de 60 presos foram assassinados nas sete prisões do complexo. Durante 2014, pelo menos outros 17 foram mortos nos presídios. Em 2015, vieram à tona casos de canibalismo dentro do presídio.
2016
Presídios do Ceará – 14 mortes
Em maio, série de rebeliões eclodiram em presídios da região metropolitana de Fortaleza. Foram confirmadas 14 mortes. Os protestos ocorreram durante e após a greve dos agentes penitenciários. Segundo a Secretaria da Justiça, a motivação dos conflitos foi a suspensão das visitas nas unidades prisionais. Os detentos tocaram fogo em colegas de celas.
2016
Presídios de Boa Vista e Porto Velho – 18 mortos
O possível fim da aliança de quase duas décadas entre as maiores facções CV e o PCC levou a rebeliões que causaram pelo menos 18 mortes em presídios de Roraima e de Rondônia durante 24 horas em outubro de 2016. Durante o horário de visita, em Boa Vista, presos mantiveram 50 familiares reféns, a maioria mulheres.

    COMENTÁRIO DO BENGOCHEA
    - CHACINA DENTRO DO PRESÍDIO. Um fato previsível diante da impunidade da irresponsabilidade administrativa, da leniência da justiça, da permissividade das leis e da omissão dos órgãos da execução penal que não atendem as funções judiciais, a finalidade da pena, a ordem pública, os direitos humanos e os objetivos da execução penal. Infelizmente, a ideia da gestão político-partidária da segurança no Estado do Amazonas vai apelar para a Polícia Militar, desviando efetivos das ruas e bairros das cidades. Vai criar o mesmo problema que já estamos vivenciando no RS. Ora, contratem mais agentes, façam um plano situacional e organizem a estrutura para atender a finalidade da pena e os objetivos da execução penal. Ou melhor, passem a administração prisional para o Poder Judiciário que, com certeza, será bem melhor conduzida, pois haverá comprometimento.

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