JORNAL DO COMERCIO 18/03/2014
Suzy Scarton
Representantes do Judiciário se preocupam com destino do Presídio Central de Porto Alegre caso mudanças urgentes não sejam feitas.
O cenário é degradante. Amplas galerias onde amontoados humanos esbarram uns nos outros, espremidos em um ambiente que é capaz de abrigar apenas a metade do total que ali está. É uma pena que fotos não exalam odor, lamentou um juiz transtornado pelo o que viu. Seres humanos submetidos a condições infernais. O esgoto escorre, a céu aberto, e permanece como um lembrete macabro da desesperança no pátio. Parece a descrição de uma cena escatológica pertencente a um filme de terror. Ou o ambiente no qual eram obrigadas a viver as personagens de O Cortiço, de Aluísio Azevedo. Trata-se, entretanto, da realidade do Presídio Central de Porto Alegre (PCPA).
O supracitado juiz, João Marcos Buch, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, declarou-se bastante impressionado com o que viu nos primeiros dias do mutirão carcerário, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Estado, que teve início no dia 10 de março e será realizado até dia 21 do mesmo mês. No Central, metade das galerias por ele inspecionadas precisa ser implodida e reconstruída. “A única forma de solucionar o problema é através do esvaziamento do presídio”, resume Buch. “Essa medida deveria ocorrer simultânea à abertura de novas vagas, que ofereçam estrutura e recursos humanos.”
O estado dos presídios no País é preocupante. “O sistema prisional brasileiro é, como um todo, um caos”, relata o juiz. Ele identificou três fatores que acentuam a precariedade a qual os presidiários do PCPA estão submetidos. Para Buch, o fato de a Brigada Militar, responsável, de acordo com princípios constitucionais, por policiamento ostensivo, controlar o Central, já abre espaço para discussões. “A possibilidade de retirar a BM de lá é impensável”, reitera o juiz. “A função deles é outra. Essa troca de encargos me incomodou bastante.”
Além disso, a quase que totalidade do comando das galerias cabe aos presos. Eles se autorregulam. “Os encarcerados ficam livres, as celas não têm portas. Os novos presidiários são submetidos às facções já existentes. Quando alguém se recusa, é encaminhado a outro ambiente, uma espécie de paralelo, que não deixa de ser outra facção”, comenta Buch. “Todos os presídios são assim. No PCPA, entretanto, isso é feito às claras, todos veem e todos sabem.”
O mais impactante, porém, foi o descaso com a higiene. “Os encanamentos dos banheiros desembocam no pátio. Lá, o esgoto permanece a céu aberto até que alguém limpe com mangueiras. É inconcebível”, lamenta o juiz. “A situação é grave, gravíssima. É uma pena que cheiros não sejam sentidos nas fotografias.”
O plano do Executivo
Em coletiva de imprensa realizada no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) na semana passada, desembargadores da 7ª Câmara Criminal versaram acerca das circunstâncias do Presídio Central. Em reunião com juízes da Vara de Execuções Criminais da Região Metropolitana, foram relatados os problemas testemunhados pelo juiz João Marcos Buch. A opinião do Judiciário é uma só: o cenário do PCPA é preocupante, lamentável e dramático.
Duas mil vagas são oferecidas no presídio. No entanto, mais de 4 mil homens se amontoam nas celas. Não há espaço físico para mais presos. Sendo assim, novas condenações – que são muitas, de acordo com a desembargadora Jucelana Lurdes Pereira dos Santos – acabam não sendo efetuadas. O preso é condenado a regime semiaberto que, no PCPA, é ineficaz. “Não há lugar onde colocar os condenados. As chamadas punições alternativas, como as tornozeleiras eletrônicas, não são monitoradas. Em suma, o regime semiaberto e aberto, aqui, não funciona”, reitera Jucelana. Buch afirma que a lei deveria conceder, assim como para os presos de regime fechado, condições aceitáveis ao do semiaberto.
Nessa conjuntura, é improvável que os apenados modifiquem tendências de comportamento que fogem do considerado apropriado pela sociedade. Para o desembargador José Conrado Kurtz de Souza, é importante manter em mente que, um dia, os presos estarão em liberdade. “Todo mundo sai da prisão. É um fato. O Estado precisa providenciar que eles tenham oportunidade de mudar. Assim, a ressocialização fica impossível”, lastima o desembargador.
Outro consenso do Judiciário diz respeito à responsabilidade do Executivo perante o sistema prisional. O desembargador José Antônio Daltoé Cezar, em concordância com os colegas, insiste no dever do governo de planejar alternativas. “O discurso deles é apenas conversa fiada. Só retórica, sem nenhuma ação”, afirma Daltoé, categórico. Para que a competência administrativa dos presídios passasse para o Judiciário, precisaria haver alteração na Constituição Federal. Do contrário, o controle administrativo não lhes compete. “Fazemos o possível e o que está ao nosso alcance para contornar o problema, que só se deteriora. Mas não conseguiremos resolver tudo sem o apoio do Executivo”, afirma Jucelana.
O consenso é amplo. A precariedade do sistema carcerário requer resoluções imediatas e emergenciais. O Judiciário clama por reações do Executivo, pois, conforme declararam os desembargadores, enquanto nada for feito, não há esperança de melhora. Nem de mudança.
Suzy Scarton
Representantes do Judiciário se preocupam com destino do Presídio Central de Porto Alegre caso mudanças urgentes não sejam feitas.
O cenário é degradante. Amplas galerias onde amontoados humanos esbarram uns nos outros, espremidos em um ambiente que é capaz de abrigar apenas a metade do total que ali está. É uma pena que fotos não exalam odor, lamentou um juiz transtornado pelo o que viu. Seres humanos submetidos a condições infernais. O esgoto escorre, a céu aberto, e permanece como um lembrete macabro da desesperança no pátio. Parece a descrição de uma cena escatológica pertencente a um filme de terror. Ou o ambiente no qual eram obrigadas a viver as personagens de O Cortiço, de Aluísio Azevedo. Trata-se, entretanto, da realidade do Presídio Central de Porto Alegre (PCPA).
O supracitado juiz, João Marcos Buch, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, declarou-se bastante impressionado com o que viu nos primeiros dias do mutirão carcerário, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Estado, que teve início no dia 10 de março e será realizado até dia 21 do mesmo mês. No Central, metade das galerias por ele inspecionadas precisa ser implodida e reconstruída. “A única forma de solucionar o problema é através do esvaziamento do presídio”, resume Buch. “Essa medida deveria ocorrer simultânea à abertura de novas vagas, que ofereçam estrutura e recursos humanos.”
O estado dos presídios no País é preocupante. “O sistema prisional brasileiro é, como um todo, um caos”, relata o juiz. Ele identificou três fatores que acentuam a precariedade a qual os presidiários do PCPA estão submetidos. Para Buch, o fato de a Brigada Militar, responsável, de acordo com princípios constitucionais, por policiamento ostensivo, controlar o Central, já abre espaço para discussões. “A possibilidade de retirar a BM de lá é impensável”, reitera o juiz. “A função deles é outra. Essa troca de encargos me incomodou bastante.”
Além disso, a quase que totalidade do comando das galerias cabe aos presos. Eles se autorregulam. “Os encarcerados ficam livres, as celas não têm portas. Os novos presidiários são submetidos às facções já existentes. Quando alguém se recusa, é encaminhado a outro ambiente, uma espécie de paralelo, que não deixa de ser outra facção”, comenta Buch. “Todos os presídios são assim. No PCPA, entretanto, isso é feito às claras, todos veem e todos sabem.”
O mais impactante, porém, foi o descaso com a higiene. “Os encanamentos dos banheiros desembocam no pátio. Lá, o esgoto permanece a céu aberto até que alguém limpe com mangueiras. É inconcebível”, lamenta o juiz. “A situação é grave, gravíssima. É uma pena que cheiros não sejam sentidos nas fotografias.”
O plano do Executivo
Em coletiva de imprensa realizada no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) na semana passada, desembargadores da 7ª Câmara Criminal versaram acerca das circunstâncias do Presídio Central. Em reunião com juízes da Vara de Execuções Criminais da Região Metropolitana, foram relatados os problemas testemunhados pelo juiz João Marcos Buch. A opinião do Judiciário é uma só: o cenário do PCPA é preocupante, lamentável e dramático.
Duas mil vagas são oferecidas no presídio. No entanto, mais de 4 mil homens se amontoam nas celas. Não há espaço físico para mais presos. Sendo assim, novas condenações – que são muitas, de acordo com a desembargadora Jucelana Lurdes Pereira dos Santos – acabam não sendo efetuadas. O preso é condenado a regime semiaberto que, no PCPA, é ineficaz. “Não há lugar onde colocar os condenados. As chamadas punições alternativas, como as tornozeleiras eletrônicas, não são monitoradas. Em suma, o regime semiaberto e aberto, aqui, não funciona”, reitera Jucelana. Buch afirma que a lei deveria conceder, assim como para os presos de regime fechado, condições aceitáveis ao do semiaberto.
Nessa conjuntura, é improvável que os apenados modifiquem tendências de comportamento que fogem do considerado apropriado pela sociedade. Para o desembargador José Conrado Kurtz de Souza, é importante manter em mente que, um dia, os presos estarão em liberdade. “Todo mundo sai da prisão. É um fato. O Estado precisa providenciar que eles tenham oportunidade de mudar. Assim, a ressocialização fica impossível”, lastima o desembargador.
Outro consenso do Judiciário diz respeito à responsabilidade do Executivo perante o sistema prisional. O desembargador José Antônio Daltoé Cezar, em concordância com os colegas, insiste no dever do governo de planejar alternativas. “O discurso deles é apenas conversa fiada. Só retórica, sem nenhuma ação”, afirma Daltoé, categórico. Para que a competência administrativa dos presídios passasse para o Judiciário, precisaria haver alteração na Constituição Federal. Do contrário, o controle administrativo não lhes compete. “Fazemos o possível e o que está ao nosso alcance para contornar o problema, que só se deteriora. Mas não conseguiremos resolver tudo sem o apoio do Executivo”, afirma Jucelana.
O consenso é amplo. A precariedade do sistema carcerário requer resoluções imediatas e emergenciais. O Judiciário clama por reações do Executivo, pois, conforme declararam os desembargadores, enquanto nada for feito, não há esperança de melhora. Nem de mudança.
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