ITAMAR MELO
VISITA ILUSTRE. 20 minutos na pior cadeia do país
Rodeado de autoridades e protegido por policiais militares, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa realizou ontem à tarde uma inspeção de 20 minutos no interior do Presídio Central de Porto Alegre. A vistoria estava prometida desde junho do ano passado.
Depois de conhecer um dos pátios internos, de chegar perto das grades de uma galeria com 380 detentos e de ingressar em outra galeria, esvaziada para a ocasião, Barbosa deu por encerrada o que definiu como “breve visita” e se dirigiu ao auditório da penitenciária, para falar com jornalistas. Durante os 35 minutos que permaneceu no palco – quase duas vezes o tempo da inspeção –, traçou um retrato da falência do sistema prisional:
– Com certeza, o preso não sai recuperado daqui. Em alguns casos, vai sair daqui muito pior do que entrou, enraivecido, brutalizado – disse.
Apesar das palavras duras, o ministro do STF, que realizou a visita na condição de presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável por um mutirão carcerário em andamento no Estado, não viu nada de especial no presídio gaúcho, em comparação com as demais unidades prisionais brasileira:
– Não há nada de novo. As condições que pude presenciar aqui são as mesmas que podemos encontrar em todo o país. Este presídio segue um padrão daquilo que não deveria ocorrer. É o padrão seguido no Brasil inteiro.
Barbosa chegou ao Central às 16h37min. Depois de ser cumprimentado por autoridades, como o secretário estadual da Segurança Pública, Airton Michels, teve acesso à parte interna da cadeia. A primeira parada foi no pátio do pavilhão B, onde permaneceu alguns minutos. Dali, o ministro subiu até a entrada da primeira galeria do pavilhão.
– Os presos o reconheceram e o chamaram pelo nome. Saíram das celas para mostrar o aperto da galeria. Trocaram palavras rápidas, ele de um lado das grades, os presos do outro – relatou o juiz Sidinei Brzuska, responsável pela fiscalização dos presídios.
Na sequência, Barbosa visitou o interior da segunda galeria do pavilhão D, que havia sido esvaziada para permitir sua entrada. Ele entrou em algumas celas, mas não demorou.
A previsão era de que a inspeção se prolongasse por até 45 minutos. Integrantes da comitiva disseram que a sacroileíte do ministro – uma inflamação na base da coluna – foi a responsável pela visita-relâmpago. As horas de voo até Porto Alegre teriam provocado dores nas costas de Barbosa, agravadas pelos lances de escada no Central. O ministro reapareceu no corredor de entrada às 17h.
Ao deixar a área interna e falar com jornalistas no auditório, recomendou que outras autoridades seguissem seu exemplo:
– Se todas as pessoas que têm um mínimo de responsabilidade política no âmbito estadual, e não só as pessoas eleitas, tirassem um dia de sua vida para visitar um presídio como este, tenho certeza de que nasceria daí uma consciência mais qualificada da necessidade de mudar este estado de coisas. As pessoas passam anos no exercício de certos cargos públicos e não tomam conhecimento pessoal, empírico, de certas situações.
Solução até dezembro, diz Michels
Depois de responder a perguntas, Barbosa encerrou a entrevista de maneira insólita. Enquanto uma repórter tentava apresentar uma questão, ele atalhou, indicando a plateia:
– Encontra-se ali uma pessoa muito importante no nosso país, que é o procurador-geral da República. Talvez os senhores se interessem em trocar algumas palavrinhas com ele, que é o chefe do Ministério Público nacional, e a questão é nacional.
Enquanto Rodrigo Janot, o procurador-geral, se aproximava para subir ao palco, Barbosa deixou a mesa e foi para um canto do palco, onde ficou a mexer no telefone. Janot falou sobre uma comissão criada com o fim de apresentar saídas para o problema prisional. Também presente na mesa, Michels prometeu que o problema do Central estará resolvido até dezembro:
– Poderemos chegar ao fim do ano e entender que isto aqui deve se transformar em um bom equipamento público, de outra natureza. Ou concluir que Porto Alegre precisa de uma casa para presos provisórios, restaurar o Central e transformá-lo em uma cadeia pública de 700 ou 800 presos.
Durante a entrevista, Barbosa foi questionado se planeja candidatar-se à presidência da República. Soltou uma gargalhada, antes de responder:
– O senhor vai longe na sua ilação. Eu planejo os mínimos passos da minha vida, só que eu guardo isso para mim mesmo. Estou aqui cumprindo meu papel como presidente do CNJ.
À noite, o presidente do Supremo participaria de um jantar reservado com membros do Tribunal de Justiça e do CNJ, em Porto Alegre. O local do encontro foi mantido em sigilo.
*Colaborou Cleidi Pereira
O simbolismo de um ato
A visita do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, ao ícone da crise nas cadeias do Rio Grande do Sul, é considerada emblemática. Esse é o sentimento de autoridades e operadores do Direito que se esforçam pela melhoria nas prisões gaúchas.
O juiz Gilberto Schäfer, vice-presidente administrativo da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, entende que a visita mostra o interesse do presidente do STF com a situação prisional no país.
– Simbolicamente, é de máxima importância. Esperamos que o STF e o CNJ estejam engajados nesta luta – diz Schäfer.
Para o promotor Gilmar Bortolotto, a presença de Barbosa no Presídio Central representa a preocupação institucional com uma realidade que precisa ser modificada.
– Conhecendo a história pública do ministro, ele certamente não vai concordar com as condições do presídio, aliando-se aos esforços no sentido de que o Central deixe de existir – avalia Bortolotto, da promotoria de fiscalização de presídios.
Em 2008, o presídio foi rotulado como pior do Brasil pela CPI do Sistema Carcerário do Congresso Nacional. Em janeiro de 2013, o Fórum da Questão Penitenciária, uma ONG formada por oito entidades, entre elas a Ajuris e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS), ingressou com um denúncia junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em fase final, a ação é contra o Brasil, e o Estado, para evitar uma reprimenda ao governo de Dilma Rousseff pela Organização dos Estados Americanos (OEA), promete desativar o Central até o fim do ano ou pelo menos reduzir o contingente de presos aos quatro pavilhões mais novos (erguidos em 2009), com 500 vagas.
Para o advogado Ricardo Breier, secretário-geral da OAB/RS, a visita de Barbosa terá pouco efeito prático em termos de pressão contra o Estado. Para ele, a presença do ministro em Porto Alegre serviu para dar legitimidade ao mutirão carcerário realizado pelo CNJ no Central, visando rever processos em favor de presos condenados.
– Acho que o CNJ deveria se preocupar, também, em avaliar se há necessidade de tantas prisões cautelares e acelerar julgamentos. Só no Central são 2,5 mil presos temporários – lamenta.
JOSÉ LUÍS COSTA
Rodeado de autoridades e protegido por policiais militares, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa realizou ontem à tarde uma inspeção de 20 minutos no interior do Presídio Central de Porto Alegre. A vistoria estava prometida desde junho do ano passado.
Depois de conhecer um dos pátios internos, de chegar perto das grades de uma galeria com 380 detentos e de ingressar em outra galeria, esvaziada para a ocasião, Barbosa deu por encerrada o que definiu como “breve visita” e se dirigiu ao auditório da penitenciária, para falar com jornalistas. Durante os 35 minutos que permaneceu no palco – quase duas vezes o tempo da inspeção –, traçou um retrato da falência do sistema prisional:
– Com certeza, o preso não sai recuperado daqui. Em alguns casos, vai sair daqui muito pior do que entrou, enraivecido, brutalizado – disse.
Apesar das palavras duras, o ministro do STF, que realizou a visita na condição de presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável por um mutirão carcerário em andamento no Estado, não viu nada de especial no presídio gaúcho, em comparação com as demais unidades prisionais brasileira:
– Não há nada de novo. As condições que pude presenciar aqui são as mesmas que podemos encontrar em todo o país. Este presídio segue um padrão daquilo que não deveria ocorrer. É o padrão seguido no Brasil inteiro.
Barbosa chegou ao Central às 16h37min. Depois de ser cumprimentado por autoridades, como o secretário estadual da Segurança Pública, Airton Michels, teve acesso à parte interna da cadeia. A primeira parada foi no pátio do pavilhão B, onde permaneceu alguns minutos. Dali, o ministro subiu até a entrada da primeira galeria do pavilhão.
– Os presos o reconheceram e o chamaram pelo nome. Saíram das celas para mostrar o aperto da galeria. Trocaram palavras rápidas, ele de um lado das grades, os presos do outro – relatou o juiz Sidinei Brzuska, responsável pela fiscalização dos presídios.
Na sequência, Barbosa visitou o interior da segunda galeria do pavilhão D, que havia sido esvaziada para permitir sua entrada. Ele entrou em algumas celas, mas não demorou.
A previsão era de que a inspeção se prolongasse por até 45 minutos. Integrantes da comitiva disseram que a sacroileíte do ministro – uma inflamação na base da coluna – foi a responsável pela visita-relâmpago. As horas de voo até Porto Alegre teriam provocado dores nas costas de Barbosa, agravadas pelos lances de escada no Central. O ministro reapareceu no corredor de entrada às 17h.
Ao deixar a área interna e falar com jornalistas no auditório, recomendou que outras autoridades seguissem seu exemplo:
– Se todas as pessoas que têm um mínimo de responsabilidade política no âmbito estadual, e não só as pessoas eleitas, tirassem um dia de sua vida para visitar um presídio como este, tenho certeza de que nasceria daí uma consciência mais qualificada da necessidade de mudar este estado de coisas. As pessoas passam anos no exercício de certos cargos públicos e não tomam conhecimento pessoal, empírico, de certas situações.
Solução até dezembro, diz Michels
Depois de responder a perguntas, Barbosa encerrou a entrevista de maneira insólita. Enquanto uma repórter tentava apresentar uma questão, ele atalhou, indicando a plateia:
– Encontra-se ali uma pessoa muito importante no nosso país, que é o procurador-geral da República. Talvez os senhores se interessem em trocar algumas palavrinhas com ele, que é o chefe do Ministério Público nacional, e a questão é nacional.
Enquanto Rodrigo Janot, o procurador-geral, se aproximava para subir ao palco, Barbosa deixou a mesa e foi para um canto do palco, onde ficou a mexer no telefone. Janot falou sobre uma comissão criada com o fim de apresentar saídas para o problema prisional. Também presente na mesa, Michels prometeu que o problema do Central estará resolvido até dezembro:
– Poderemos chegar ao fim do ano e entender que isto aqui deve se transformar em um bom equipamento público, de outra natureza. Ou concluir que Porto Alegre precisa de uma casa para presos provisórios, restaurar o Central e transformá-lo em uma cadeia pública de 700 ou 800 presos.
Durante a entrevista, Barbosa foi questionado se planeja candidatar-se à presidência da República. Soltou uma gargalhada, antes de responder:
– O senhor vai longe na sua ilação. Eu planejo os mínimos passos da minha vida, só que eu guardo isso para mim mesmo. Estou aqui cumprindo meu papel como presidente do CNJ.
À noite, o presidente do Supremo participaria de um jantar reservado com membros do Tribunal de Justiça e do CNJ, em Porto Alegre. O local do encontro foi mantido em sigilo.
*Colaborou Cleidi Pereira
O simbolismo de um ato
A visita do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, ao ícone da crise nas cadeias do Rio Grande do Sul, é considerada emblemática. Esse é o sentimento de autoridades e operadores do Direito que se esforçam pela melhoria nas prisões gaúchas.
O juiz Gilberto Schäfer, vice-presidente administrativo da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, entende que a visita mostra o interesse do presidente do STF com a situação prisional no país.
– Simbolicamente, é de máxima importância. Esperamos que o STF e o CNJ estejam engajados nesta luta – diz Schäfer.
Para o promotor Gilmar Bortolotto, a presença de Barbosa no Presídio Central representa a preocupação institucional com uma realidade que precisa ser modificada.
– Conhecendo a história pública do ministro, ele certamente não vai concordar com as condições do presídio, aliando-se aos esforços no sentido de que o Central deixe de existir – avalia Bortolotto, da promotoria de fiscalização de presídios.
Em 2008, o presídio foi rotulado como pior do Brasil pela CPI do Sistema Carcerário do Congresso Nacional. Em janeiro de 2013, o Fórum da Questão Penitenciária, uma ONG formada por oito entidades, entre elas a Ajuris e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS), ingressou com um denúncia junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em fase final, a ação é contra o Brasil, e o Estado, para evitar uma reprimenda ao governo de Dilma Rousseff pela Organização dos Estados Americanos (OEA), promete desativar o Central até o fim do ano ou pelo menos reduzir o contingente de presos aos quatro pavilhões mais novos (erguidos em 2009), com 500 vagas.
Para o advogado Ricardo Breier, secretário-geral da OAB/RS, a visita de Barbosa terá pouco efeito prático em termos de pressão contra o Estado. Para ele, a presença do ministro em Porto Alegre serviu para dar legitimidade ao mutirão carcerário realizado pelo CNJ no Central, visando rever processos em favor de presos condenados.
– Acho que o CNJ deveria se preocupar, também, em avaliar se há necessidade de tantas prisões cautelares e acelerar julgamentos. Só no Central são 2,5 mil presos temporários – lamenta.
JOSÉ LUÍS COSTA
Nenhum comentário:
Postar um comentário