ZERO HORA 02 de outubro de 2012 | 3h 09
OPINIÃO O Estado de S.Paulo
Amorte trágica de 111 presos no Pavilhão 9 da Casa da
Detenção está completando 20 anos e o caso ainda continua tramitando no
Judiciário. O estabelecimento penal tinha, à época, 7.257 presos, mais
do que o dobro da sua capacidade. Cerca de 2.700 estavam recolhidos no
Pavilhão 9, no dia 2 de outubro de 1992, quando surgiu um conflito entre
detentos de facções rivais. A situação tornou-se incontrolável e a
direção da Casa de Detenção chamou a Polícia Militar. Durante a invasão,
102 presos morreram a tiros e 9 em decorrência de ferimentos provocados
por facas.
Passados 20 anos, só um dos réus - o coronel Ubiratan Guimarães, que
comandou a invasão - foi julgado. Acusado pelo Ministério Público da
autoria de 102 homicídios e de 5 tentativas de homicídio, Guimarães foi
condenado pelo 1.º Tribunal do Júri de São Paulo a 632 anos de prisão,
em 2001. Mas, considerando que os jurados não responderam
consistentemente aos quesitos formulados pelo juiz, o Órgão Especial do
Tribunal de Justiça de São Paulo anulou a condenação, em 2006, sob
fortes críticas de entidades de advogados e ONGs de direitos humanos.
Na semana passada, o Tribunal de Justiça marcou para 28 de janeiro de
2013 o início do julgamento dos primeiros 28 policiais militares
acusados de homicídio qualificado, por terem participado da invasão do
Pavilhão 9. Na época, foram denunciados pelo Ministério Público cerca de
300 policiais militares, mas apenas 79 continuam respondendo a
processo. A maioria dos denunciados respondia por crime de lesão leve,
que já prescreveu. A promotoria já arrolou 75 testemunhas, das quais 22
são agentes penitenciários, um é ex-diretor da Casa de Detenção e os
demais são detentos que sobreviveram ao massacre. Por seu lado, a defesa
arrolou 10 testemunhas - dentre elas, os 3 magistrados que acompanharam
as negociações com os presos durante o motim, o então secretário de
Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, e o ex-governador Luiz
Antonio Fleury Filho. Durante o inquérito, foram ouvidas 469 pessoas.
Antes do início do julgamento será preciso identificar os réus e as
testemunhas que já faleceram. Por causa do grande número de réus e
testemunhas, o caso será julgado em 3 etapas, com um intervalo de 45
dias entre elas, pois não haveria condições para que acusação e defesa
apresentassem suas teses se todos os policiais militares acusados de
homicídio qualificado fossem levados de uma só vez a júri. Segundo a
denúncia da promotoria, no 1.º e 2.º andares do Pavilhão 9, a repressão
ficou a cargo do Batalhão de Choque. No 3.º andar, ficou sob a
responsabilidade do Comando de Operações Especiais. E no 4.º andar, a
invasão foi feita pelo Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate).
Nada garante que o julgamento começará efetivamente em janeiro do
próximo ano, uma vez que a advogada dos 79 policiais militares, Ieda
Ribeiro de Souza classificou a decisão do Tribunal de Justiça como
"precipitada" e alegou não ter sido notificada. Segundo ela, como até
hoje as armas utilizadas pelos réus na invasão do Pavilhão 9 não foram
periciadas, não há como se fazer a defesa de cada um deles. "É preciso
individualizar a conduta de cada réu. Do jeito que está, todos estão
respondendo por tudo", disse ela, depois de afirmar que poderá impetrar
um habeas corpus para que o julgamento "ocorra com as provas adequadas".
De fato, a legislação processual penal prevê que a acusação tem de
demonstrar a responsabilidade de cada réu. Há quem veja nisso um defeito
do Código de Processo Penal, que foi editado em 1941. Mas, do ponto de
vista legal, a defesa está agindo rigorosamente dentro da lei. Para a
promotoria, o desafio é sustentar as acusações sem ter como prova os
exames de balística. Outra questão jurídica também atrasou o caso -
entre 1992 e 1996, o processo tramitou na Justiça Militar, passando
depois para a alçada da Justiça comum, por causa da entrada em vigor da
Lei 9.299/96. Além disso, como foi eleito deputado estadual em 1997, o
coronel Ubiratan Guimarães ganhou o direito a foro especial, o que
exigiu o desmembramento do processo, cujo desfecho poderá ainda demorar
anos.
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