JOSÉ LUÍS COSTA
FALTA DE VAGAS. Estado quer ampliar vigilância eletrônica para driblar a crise no semiaberto
Em resposta à cobrança para resolver a crise nos albergues, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) anunciou ontem a pretensão de monitorar 5 mil presos dos regimes semiaberto e aberto por meio de tornozeleiras eletrônicas. Atualmente, 4,3 mil presos dos dois regimes estão em casa por descontrole e falta de vagas nos albergues no Estado – sendo que apenas 731 são vigiados eletronicamente.
Os demais 3,4 mil presos estão em domiciliar ou aguardando vagas em albergues, à solta nas ruas.
– Temos contrato para até 5 mil tornozeleiras – afirmou o secretário da Segurança, Airton Michels.
Ele não estabeleceu prazo para atingir a meta, mas disse que, a partir de janeiro, será possível monitorar mais 300 apenados. Michels afirma que o Estado deixará em segundo plano a construção e a reforma de albergues para investir em tornozeleiras porque o regime semiaberto nos moldes previstos em lei “não funciona no país.”
O projeto das tornozeleiras, assim como a concessão de prisões domiciliares por falta de vagas nos albergues, encontra resistência por parte de juízes, desembargadores e, em especial, de representantes do Ministério Público do Estado, que contestam as medidas no Tribunal de Justiça (TJ) e até no Supremo Tribunal Federal (STF).
Apesar do risco de as ações judiciais, principalmente a que tramita no STF, proibir o uso de tornozeleiras, Michels acredita que isso não vai acontecer.
– Uma das autoridades mais influentes no STF é o ministro Gilmar Mendes. Convivi com ele, sei que a visão deles é a da evolução para aplicação da tecnologia da tornozeleira para cumprir pena. E sei que eles acreditam nos regimes aberto e semiaberto. Com a tornozeleira, eu tenho o cidadão 24 horas monitorado em casa.
A contestação ao uso do sistema de monitoramento eletrônico se soma a uma iniciativa de promotores que atuam na execução criminal da Capital. Eles encaminharam à Procuradoria-geral de Justiça pedido para que sejam apuradas responsabilidades civil e criminal de autoridades do Executivo que deveriam promover a criação de vagas no sistema penitenciário. A concessão de prisão domiciliar como forma de driblar a falta de vagas no semiaberto é motivo de questionamento.
14 de novembro de 2013 | N° 17614
ENTREVISTA - “É uma forma de cumprimento de pena”
O secretário da Segurança Pública conversou com ZH ontem no Palácio Piratini.
Zero Hora – Mais de mil vagas foram fechadas por descontrole, incêndios e depredações só na Região Metropolitana, e foram criadas 590 vagas no semiaberto. O senhor não acha pouco?
Airton Michels – Não é porque estamos investindo em tecnologia, a tornozeleira, mais barata e mais eficiente. Todo juiz que trabalha com execução penal alardeia há muitos anos, e com razão, que os regimes semiaberto e aberto não funcionam no Brasil.
ZH – Como explicar à sociedade que 4,3 mil presos estão em casa, com tornozeleira ou esperando vagas, por causa de descontrole em albergues e falta de espaço?
Michels – Temos 5,4 mil presos no semiaberto e 1,5 mil no aberto. Há muitos anos, no Brasil, vários Estados já mandam presos do aberto para prisão domiciliar. Isso é uma evolução jurisprudencial. No semiaberto, temos mais vagas do que presos, só que elas são no Interior, e não vamos mandar presos da Região Metropolitana para Pelotas, por exemplo. Alguns juízes têm entendido que, em vez de mandar o preso para o semiaberto por problema de superlotação, manda o preso para a prisão domiciliar para finalização de pena. O semiaberto tem de ser suprimido e tem de ser suprido com tecnologia, que é a tornozeleira.
ZH – Os juízes mandam para prisão domiciliar por descontrole e falta de vagas nos albergues.
Michels – Há um problema de superlotação, e nós preferimos desativar (albergues) e investir em tornozeleiras para que não ocorra o que ocorreu no IPV, em Viamão (presos andavam armados, intimidavam agentes, fugiam para cometerem assaltos).
ZH– O governo está fechando albergues, não reformou prédios destruídos, apostando na vigilância eletrônica...
Michels – Sim. Mas vamos reformar estes prédios. Mas primeiro será investir em tornozeleiras.
ZH – Mas não é temerário apostar nisso, à medida que a prisão domiciliar e o uso da tornozeleira são questionados na Justiça pelo MP?
Michels – Tem juiz que acha a tornozeleira muito boa, outros, não. Nós achamos que é boa.
ZH – O TJ vai julgar recursos do MP, e a questão da prisão domiciliar tem uma ação do MP no STF.
Michels – Te asseguro que a questão da tornozeleira no STF é muito bem-vinda.
ZH – O MP diz que a tornozeleira, por lei, deve ser usada em saída temporária e para presos que trabalham fora dos albergues.
Michels – A tornozeleira é uma forma de cumprimento de pena.
ZH – O plano de alugar prédios que gerariam 300 vagas para o semiaberto na Região Metropolitana foi abandonado?
Michels – Sim. Estávamos com contratos assinados (em Gravataí e Campo Bom), mas as comunidades se insurgiram e as prefeituras recuaram. O Judiciário e o MP precisam compreender essa dificuldade e perceber porque investimento nas tornozeleiras.
ZH – O senhor é promotor de Justiça de carreira. O que acha da hipótese de ser acionado por iniciativa de seus colegas do MP por eventual improbidade administrativa e até ser acionado criminalmente por não gerar vagas?
Michels – Meus colegas devem perder noites de pesquisa para buscar os gestores anteriores que não geraram vagas, especialmente aqueles que deixaram o Presídio Central chegar a 5 mil presos.
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