Degradação do sistema penitenciário favorece rebeliões e instalação do crime organizado dentro das unidades, avalia CNJ. Pela lei, presos devem ser separados por natureza do delito, mas, no Maranhão, critério de divisão é a facção criminosa
KARINE RODRIGUES
KARINE RODRIGUES
O GLOBO
Atualizado:11/10/13 - 10h53
Superlotação é um dos problemas detectados nas inspeções realizadas pelo Conselho Nacional de Justiça nos presídios Luiz Silveira/26-04-2-011 / Agência CNJ
RIO. O Complexo Penitenciário de Pedrinhas, onde, só neste mês de outubro, 14 presos foram mortos em duas rebeliões, não é um caso isolado no sistema prisional brasileiro. No país, onde 548 mil detentos ocupam um espaço com capacidade para abrigar 310 mil — segundo dados de dezembro de 2012 do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, do Ministério da Justiça — , a violação de direitos constitucionais mais parece regra do que exceção, considerando problemas identificados em inspeções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como a precariedade das instalações, a falta de assistência médica e a existência de pessoas que já cumpriram a pena, mas permanecem detidas. Não à toa, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou, em 2012, que “preferia morrer” a passar muitos anos em uma penitenciária brasileira.
— A separação dos detentos em razão da natureza do delito, ficando os mais graves, como tráfico, estupro e homocídio, de um lado e os mais leves de outro, praticamente não é feita em presídio algum, numa clara violação à regra constitucional, que estabelece a divisão por natureza do crime, sexo e idade. Também não é garantido o direito de a presidiária permanecer com o filho no período de amamentação. Só por esses dois exemplos a gente percebe como os direitos fundamentais das pessoas presas estão sendo violados — destaca o desembargador Guilherme Calmon, conselheiro do CNJ.
Segundo Calmon, o descumprimento de normas básicas pode gerar uma situação favorável ao surgimento de rebeliões e à ação do crime organizado dentro das unidades prisionais:
— Com isso, começamos a ter um outro problema, relativo à ação do crime organizado em estabelecimentos penais. Essa situação na qual essas pessoas estão inseridas gera fugas e rebeliões e elas acabam saindo, após cumprirem a pena que lhes foi imposta, pior do que entraram. Vão rescindir e praticar outros crimes, muitas vezes, mais graves do que os cometidos anteriormente — avalia.
“O detento é cooptado pela facção. Ou se filia ou morre”
No Maranhão, por exemplo, a separação dos presos nas unidades prisionais costuma ser feita com base na facção criminosa do detento, revela o juiz Douglas de Melo Martins, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ.
— A divisão é feita, principalmente, pela facção. Com isso, a pessoa que comete um crime leve acaba, por exemplo, na mesma cela de alguém que cometeu um crime mais grave, de um líder de uma organização criminosa. E aí não é nem questão da prisão ser uma escola do crime. Na verdade, o detento é cooptado pela facção. Ele não tem opção. Ou se filia ou morre.
Exemplo disso, cita o juiz, é o borracheiro que foi detido por ter adquirido pneus furtados e acabou assassinado na rebelião desta quarta-feira em São Luis.
— Sei que deve ter muita gente falando ao ouvir a notícia da rebelião: “Ah, 10 mortos presos? É bom, são menos 10 criminosos no mundo”. Mas um desses mortos é um borracheiro, que foi detido após acusação de ter comprado pneus furtados. A sociedade é muito hipócrita.
Segundo o juiz, o Complexo Penitenciário de Pedrinhas tem um histórico de tragédias e passa por uma situação “de descontrole”. Além das 9 mortes registradas nesta quarta-feira, no Centro de Detenção Provisória, onde presos aguardam julgamento, outras cinco ocorreram no início deste mês. Em 2011, um motim que durou cerca de 24 horas terminou com 18 presos assassinados. À época, a polícia também divulgou que as mortes foram resultado de briga entre facções rivais.
Não à toa, este ano, lembra Martins, a demolição do Complexo de Pedrinhas foi recomendada por um juiz da Vara de Execuções Penais do Maranhão:
— O juiz disse que a situação era tão ruim que nem reforma resolvia. Além disso, tem o problema da superlotação. Na unidade onde ocorreu a rebelião tem quase 700 presos onde deveriam existir 200.
Atualizado:11/10/13 - 10h53
Superlotação é um dos problemas detectados nas inspeções realizadas pelo Conselho Nacional de Justiça nos presídios Luiz Silveira/26-04-2-011 / Agência CNJ
RIO. O Complexo Penitenciário de Pedrinhas, onde, só neste mês de outubro, 14 presos foram mortos em duas rebeliões, não é um caso isolado no sistema prisional brasileiro. No país, onde 548 mil detentos ocupam um espaço com capacidade para abrigar 310 mil — segundo dados de dezembro de 2012 do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, do Ministério da Justiça — , a violação de direitos constitucionais mais parece regra do que exceção, considerando problemas identificados em inspeções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como a precariedade das instalações, a falta de assistência médica e a existência de pessoas que já cumpriram a pena, mas permanecem detidas. Não à toa, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou, em 2012, que “preferia morrer” a passar muitos anos em uma penitenciária brasileira.
— A separação dos detentos em razão da natureza do delito, ficando os mais graves, como tráfico, estupro e homocídio, de um lado e os mais leves de outro, praticamente não é feita em presídio algum, numa clara violação à regra constitucional, que estabelece a divisão por natureza do crime, sexo e idade. Também não é garantido o direito de a presidiária permanecer com o filho no período de amamentação. Só por esses dois exemplos a gente percebe como os direitos fundamentais das pessoas presas estão sendo violados — destaca o desembargador Guilherme Calmon, conselheiro do CNJ.
Segundo Calmon, o descumprimento de normas básicas pode gerar uma situação favorável ao surgimento de rebeliões e à ação do crime organizado dentro das unidades prisionais:
— Com isso, começamos a ter um outro problema, relativo à ação do crime organizado em estabelecimentos penais. Essa situação na qual essas pessoas estão inseridas gera fugas e rebeliões e elas acabam saindo, após cumprirem a pena que lhes foi imposta, pior do que entraram. Vão rescindir e praticar outros crimes, muitas vezes, mais graves do que os cometidos anteriormente — avalia.
“O detento é cooptado pela facção. Ou se filia ou morre”
No Maranhão, por exemplo, a separação dos presos nas unidades prisionais costuma ser feita com base na facção criminosa do detento, revela o juiz Douglas de Melo Martins, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ.
— A divisão é feita, principalmente, pela facção. Com isso, a pessoa que comete um crime leve acaba, por exemplo, na mesma cela de alguém que cometeu um crime mais grave, de um líder de uma organização criminosa. E aí não é nem questão da prisão ser uma escola do crime. Na verdade, o detento é cooptado pela facção. Ele não tem opção. Ou se filia ou morre.
Exemplo disso, cita o juiz, é o borracheiro que foi detido por ter adquirido pneus furtados e acabou assassinado na rebelião desta quarta-feira em São Luis.
— Sei que deve ter muita gente falando ao ouvir a notícia da rebelião: “Ah, 10 mortos presos? É bom, são menos 10 criminosos no mundo”. Mas um desses mortos é um borracheiro, que foi detido após acusação de ter comprado pneus furtados. A sociedade é muito hipócrita.
Segundo o juiz, o Complexo Penitenciário de Pedrinhas tem um histórico de tragédias e passa por uma situação “de descontrole”. Além das 9 mortes registradas nesta quarta-feira, no Centro de Detenção Provisória, onde presos aguardam julgamento, outras cinco ocorreram no início deste mês. Em 2011, um motim que durou cerca de 24 horas terminou com 18 presos assassinados. À época, a polícia também divulgou que as mortes foram resultado de briga entre facções rivais.
Não à toa, este ano, lembra Martins, a demolição do Complexo de Pedrinhas foi recomendada por um juiz da Vara de Execuções Penais do Maranhão:
— O juiz disse que a situação era tão ruim que nem reforma resolvia. Além disso, tem o problema da superlotação. Na unidade onde ocorreu a rebelião tem quase 700 presos onde deveriam existir 200.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Fora os que a justiça solta em nome da lei da impunidade (Lei 12.403/2011) e aqueles que estão foragidos por falta de cumprimento dos mandatos, e que permanecem no crime impondo insegurança e terror na população brasileira. Tendo em vista que o poder responsável pela fiscalização dos atos dos governadores, a Assembléia Legislativa é conivente e não tem forças para enfrentar o poder que domina o parlamento, defendo uma postura mais severa do Poder Judiciário e do MP para exigir do Poder Executivo a aplicação das leis que regulam a execução penal, os direitos humanos e as políticas penitenciárias, com a construção imediata de presídios para abrigar apenados da justiça, com estrutura de controle, segurança, salubridade, dignidade e oportunidades para reinclusão, reeducação e ressocialização.
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