ZERO HORA 01/08/2014 | 05h02
por José Luís Costa
Detentos que deveriam progredir para o semiaberto ficam atrás das grades e cobram ressarcimento. Geração de espaço tem sido insuficiente, déficit chega a 1,4 mil vagas na Região Metropolitana, e uso de tornozeleiras eletrônicas tem sido barrado no Tribunal de Justiça
Em agosto de 2010, um homem assaltou uma loja, roubando roupas e R$ 500. Preso e condenado a 10 anos de cadeia pela Justiça de Gravataí, na Região Metropolitana, ele foi recolhido ao Presídio Central de Porto Alegre, onde ficou até janeiro de 2013. No começo do mês, a 5ª Vara da Fazenda Pública da Capital mandou o Estado indenizá-lo em R$ 2 mil. Motivo: o apenado sofreu dano moral ao ficar atrás das grades no presídio por 49 dias a mais do que o devido, em razão da falta de vagas no regime semiaberto.
O episódio é inusitado, mas não o único. Em fevereiro, um traficante de Alvorada, condenado a seis anos e oito meses de prisão, ganhou na Justiça o direito a uma indenização de R$ 3 mil por ter ficado na cadeia 53 dias além do prazo legal, em 2012. Nos dois casos, o pagamento ainda não foi efetuado porque a Procuradoria-Geral do Estado recorreu.
Esse é o mais recente fenômeno gerado pela crise do regime semiaberto, que se arrasta há cinco anos. A geração de espaços tem sido insuficiente – o déficit chega a 1,4 mil vagas na Região Metropolitana – e o projeto alternativo (tornozeleiras eletrônicas) tem sido barrado no Tribunal de Justiça (TJ).
Autor das duas ações, o advogado Rodrigo Rollemberg Cabral diz que já ingressou com 20 processos semelhantes:
– Se o Estado cumprisse seu dever, não precisaria indenizar. Um dia preso em regime indevido é uma violação aos direitos humanos e à Constituição. A pessoa sai da cadeia pior do que entrou.
Na sentença que determinou a indenização ao traficante, a juíza Rosana Garbin, da 4ª Vara da Fazenda Pública, escreveu que "é evidente o abalo moral causado por conta da inércia do ente público".
O número de processos pode aumentar. Atualmente, 300 presos da Região Metropolitana seguem atrás das grades, mesmo depois de a Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital autorizar a progressão para albergues.
— É legítimo um preso solicitar indenização quando o Judiciário reconhece o direito de progressão, e isso não ocorreu por falta de vaga — diz Ricardo Breier, secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e integrante da Comissão Nacional de Acompanhamento Carcerário da entidade.
Por meio da assessoria, a Susepe informa que desconhece tais processos de indenização. Acentua que investe na criação de vagas — entre 2011 e 2013 foram abertas 2.341 vagas de regime fechado e 1.632 no semiaberto, sendo 1 mil no monitoramento eletrônico (tornozeleiras). Para 2014, a previsão é de 3.337 vagas no regime fechado e 3 mil no monitoramento eletrônico (semiaberto e aberto).
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Albergues emergenciais
Em 2009, no ápice da crise por falta de vagas no semiaberto, o governo de Yeda Crusius (PSDB) mandou construir seis albergues emergenciais (em Porto Alegre, Viamão, Charqueadas e Novo Hamburgo), gerando 900 vagas .
Compostos de material pouco resistente, cada prédio custou R$ 600 mil, e a maioria foi destruída ou incendiada pelos presos. Outros dois foram derrubados em temporais. Ficaram em pé apenas dois pavilhões na Capital.
Interdições
Em 2010, intensificaram-se as interdições de albergues na Região Metropolitana devido a problemas estruturais ou insegurança. Fugas, mortes e descontrole tornaram-se a marca características da maioria dessas casas.
A falta de vagas levou a Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre a liberar 2 mil presos do regime aberto para prisão domiciliar, tentando abrir espaços e melhorar a situação nos albergues (ocupados por presos dos regimes aberto e semiaberto)
Condenação
Em 2010, a inércia na geração de vagas prisionais levou o Tribunal de Justiça (TJ) a condenar o Estado, em ação civil pública movida pelo Ministério Público (MP). Embora o Estado tenha recorrido ao Supremo Tribunal Federal (STF), o recurso não tem efeito suspensivo. A multa por descumprimento da sentença já soma mais de R$ 25 milhões. Caso se confirme, o dinheiro terá de ser destinado ao Fundo Penitenciário Estadual.
Tornozeleiras
O projeto das tornozeleiras foi implantado em maio de 2013. Devido à falta de vagas em albergues em Porto Alegre e na Região Metropolitana, a Vara de Execuções Criminais (VEC) autorizou presos do regime semiaberto a ficar em casa, vigiados eletronicamente, podendo sair para trabalhar e percorrer uma área prédeterminada.
A adoção das tornozeleiras freou iniciativas para melhorias e ampliação de albergues. Promessas de geração de 1.050 vagas, inclusive à Organização dos Estados Americanos (OEA), com objetivo de esvaziar o Presídio Central, ficaram em segundo plano.
O MP tem recorrido da medida, e o TJ vem mandando tirar as tornozeleiras, fazendo com que os presos retornem para albergues.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Toda violação de direito deveria resultar em punição e ressarcimento, mas da autoridade ou agente responsável pela violação. Fica mais fácil imputar ao povo esta culpa fazendo o Estado pagar as indenizações e esquecer as próprias responsabilidade e erros. O fato é que o caos prisional tem origem e fontes, mas o corporativismo, a leniência, as leis permissivas, a falta de independência para cobrar deveres, e a fuga dos altos cargos dos Poderes de suas obrigações impedem qualquer solução.
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