O ESTADO DE S.PAULO 13 Agosto 2014 | 02h 39
OPINIÃO
Alegando que as condições de algumas unidades do sistema prisional estadual são degradantes, violando a Constituição, o juiz Marcelo Semer, da 10.ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proibiu os Centros de Detenção Provisória de Osasco de receber novos detentos. Também deu o prazo de seis meses para que o número de presos dessas unidades seja reduzido. E fixou multa de R$ 10 mil por dia, caso sua ordem não seja cumprida pelo Executivo. Com 768 vagas, o Centro de Detenção Provisória de Osasco I abriga 2.609 detentos; o número II, também com 768 vagas, abriga 2.587 presos.
A decisão do juiz foi tomada na época em que a ONU divulgou um relatório sobre o sistema prisional brasileiro, apontando a superlotação dos estabelecimentos penais. O texto mostra que os prazos de julgamento dos presos provisórios não são cumpridos e que os juízes não respeitam o princípio da presunção de inocência.
Esses dois acontecimentos reforçam a importância das medidas jurídicas que têm sido tomadas para reduzir a superlotação dos presídios, além da construção de novos estabelecimentos. A medida jurídica mais importante é a revisão da Lei de Execuções Penais (LEP), vigente há 30 anos. Para atualizá-la, em 2012 o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), nomeou uma comissão de juristas. A minuta ficou pronta em 2013 e, depois de submetida a seis audiências públicas, foi convertida em projeto de lei patrocinado pelo atual presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). Na exposição de motivos, a comissão alega que as prioridades da nova LEP são a humanização da pena, a ressocialização do sentenciado, a simplificação do processo penal e a redução no fluxo de ingresso de novos presos nos estabelecimentos penais. Segundo a comissão, o País tem 550 mil presos. A manutenção de cada um custa R$ 2 mil por mês aos cofres públicos, totalizando R$ 1,100 bilhão.
As intenções da comissão podem ter sido as melhores, mas nem todas as inovações por ela propostas primam pelo realismo. Entre as medidas positivas destacam-se a proibição da custódia de presos em carceragens de delegacias, a previsão de celas coletivas com capacidade para oito presos, no máximo, e a ampliação dos critérios para autorização de saída temporária, incluindo a frequência a cursos de ensino formal ou profissionalizante.
Entre as medidas irrealistas, o projeto prevê que reivindicações de direitos encaminhadas por presos sejam concedidas automaticamente, se não forem apreciadas em 30 dias. Sob a justificativa de permitir aos sentenciados "antever as datas dos passos efetivos do desenvolvimento da execução", o projeto também torna automática a progressão do regime de progressão da pena para os presos de bom comportamento, dispensando requerimento. E, a pretexto de proibir o ingresso de presos em número superior à capacidade da unidade penal, o projeto determina que, quando o limite for atingido, as autoridades prisionais terão de antecipar o regime de progressão da pena. Para "adequar a lotação das prisões à legalidade", também serão obrigadas a libertar os presos mais próximos da obtenção do benefício do regime semiaberto.
Estas inovações colidem com o princípio da individualização da pena, que está na essência do direito criminal. Ao condicionar o cumprimento das penas a critérios de caráter administrativo, elas não se limitam a consagrar a ideia de impunidade e a desfigurar o direito penal. Também desestimulam os governantes a construir novas prisões, uma vez que, pelo projeto, poderão controlar o fluxo da população carcerária nos presídios já existentes, libertando presos na mesma proporção do número de condenações promovidas pela Justiça. Em momento algum a comissão parece ter levado em conta a segurança da sociedade.
A proposta de revisão da Lei de Execuções Penais revela que a questão carcerária conquistou a atenção dos políticos. Mas é preciso que modismos doutrinários e concessões políticas não se sobreponham ao bom senso, sob pena de agravar ainda mais a crise do sistema prisional do País.
Alegando que as condições de algumas unidades do sistema prisional estadual são degradantes, violando a Constituição, o juiz Marcelo Semer, da 10.ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proibiu os Centros de Detenção Provisória de Osasco de receber novos detentos. Também deu o prazo de seis meses para que o número de presos dessas unidades seja reduzido. E fixou multa de R$ 10 mil por dia, caso sua ordem não seja cumprida pelo Executivo. Com 768 vagas, o Centro de Detenção Provisória de Osasco I abriga 2.609 detentos; o número II, também com 768 vagas, abriga 2.587 presos.
A decisão do juiz foi tomada na época em que a ONU divulgou um relatório sobre o sistema prisional brasileiro, apontando a superlotação dos estabelecimentos penais. O texto mostra que os prazos de julgamento dos presos provisórios não são cumpridos e que os juízes não respeitam o princípio da presunção de inocência.
Esses dois acontecimentos reforçam a importância das medidas jurídicas que têm sido tomadas para reduzir a superlotação dos presídios, além da construção de novos estabelecimentos. A medida jurídica mais importante é a revisão da Lei de Execuções Penais (LEP), vigente há 30 anos. Para atualizá-la, em 2012 o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), nomeou uma comissão de juristas. A minuta ficou pronta em 2013 e, depois de submetida a seis audiências públicas, foi convertida em projeto de lei patrocinado pelo atual presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). Na exposição de motivos, a comissão alega que as prioridades da nova LEP são a humanização da pena, a ressocialização do sentenciado, a simplificação do processo penal e a redução no fluxo de ingresso de novos presos nos estabelecimentos penais. Segundo a comissão, o País tem 550 mil presos. A manutenção de cada um custa R$ 2 mil por mês aos cofres públicos, totalizando R$ 1,100 bilhão.
As intenções da comissão podem ter sido as melhores, mas nem todas as inovações por ela propostas primam pelo realismo. Entre as medidas positivas destacam-se a proibição da custódia de presos em carceragens de delegacias, a previsão de celas coletivas com capacidade para oito presos, no máximo, e a ampliação dos critérios para autorização de saída temporária, incluindo a frequência a cursos de ensino formal ou profissionalizante.
Entre as medidas irrealistas, o projeto prevê que reivindicações de direitos encaminhadas por presos sejam concedidas automaticamente, se não forem apreciadas em 30 dias. Sob a justificativa de permitir aos sentenciados "antever as datas dos passos efetivos do desenvolvimento da execução", o projeto também torna automática a progressão do regime de progressão da pena para os presos de bom comportamento, dispensando requerimento. E, a pretexto de proibir o ingresso de presos em número superior à capacidade da unidade penal, o projeto determina que, quando o limite for atingido, as autoridades prisionais terão de antecipar o regime de progressão da pena. Para "adequar a lotação das prisões à legalidade", também serão obrigadas a libertar os presos mais próximos da obtenção do benefício do regime semiaberto.
Estas inovações colidem com o princípio da individualização da pena, que está na essência do direito criminal. Ao condicionar o cumprimento das penas a critérios de caráter administrativo, elas não se limitam a consagrar a ideia de impunidade e a desfigurar o direito penal. Também desestimulam os governantes a construir novas prisões, uma vez que, pelo projeto, poderão controlar o fluxo da população carcerária nos presídios já existentes, libertando presos na mesma proporção do número de condenações promovidas pela Justiça. Em momento algum a comissão parece ter levado em conta a segurança da sociedade.
A proposta de revisão da Lei de Execuções Penais revela que a questão carcerária conquistou a atenção dos políticos. Mas é preciso que modismos doutrinários e concessões políticas não se sobreponham ao bom senso, sob pena de agravar ainda mais a crise do sistema prisional do País.
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