É crucial rever a cultura do encarceramento, adotando penas alternativas e a descriminalização do uso de drogas, punindo quem de fato precisa ficar preso
O GLOBO EDITORIAL
27/08/2014 0:00
O motim na Penitenciária de Cascaval, no Paraná (que terminou com cinco detentos executados pelos rebelados, dois deles decapitados), voltou a expor para a sociedade a gravidade da crônica crise do sistema penitenciário do país. Esse movimento é recorrente: a reforma da política correcional deveria ser item permanente da agenda do poder público, mas o debate só toma corpo quando explode a violência em unidades prisionais. Pior: a discussão costuma durar apenas o tempo de mortes, agressões e demais ataques à integridade humana caírem no esquecimento. Passados os momentos de consternação, os presídios voltam à rotina do desrespeito aos mais elementares direitos.
Não é de agora que o sistema penitenciário tem o potencial de um barril de pólvora. E com explosões frequentes: levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público mostra que entre 2012 e 2013 foram registrados 121 motins de presos em 1.598 unidades prisionais do país, com a trágica marca de mais de 700 mortes. Um indicador previsível num universo que reúne uma massa de 550 mil presos, amontoados num espaço físico total com capacidade para receber apenas pouco mais da metade desse número.
Segundo o Depen (Departamento do Sistema Penitenciário), o Brasil tem um déficit em torno de 210 mil vagas na rede prisional. O panorama, terrível em si, seria ainda mais dantesco se fossem executados os mandados de prisão não cumpridos, algo entre 200 mil e 400 mil. Há falta de vagas nas cadeias, das cinco penitenciárias de segurança máxima prometidas pelo governo federal ainda falta construir a quinta (e as quatro já inauguradas têm sérios problemas de blindagem efetiva dos presos lá recolhidos) e os presídios existentes são antessalas do inferno (pela superlotação, pelo controle de fato ali exercido por facções do crime etc.) — mas esses são problemas de ordem estrutural; logo, implicam, por parte do poder público, intervenções de médio e longo prazos.
No plano das iniciativas mais imediatas, no entanto, é factível adotar políticas mais de acordo com as demandas do sistema, como a revisão da cultura do encarceramento. No meio dessa massa que superlota as prisões há detentos que, em lugar da reclusão, poderiam cumprir penas alternativas. Aqui entrariam, entre outros, criminosos de baixa periculosidade ou usuários de drogas presos indevidamente por tráfico. Neste último caso, providência mais instantânea seria a obediência ao espírito da Lei 11.343, que, em 2006, instituiu o Sistema nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, com penas opcionais ao automático encarceramento. E, como ação de fundo, o incremento de ações, no âmbito do Legislativo, que levem à descriminalização do usuário de maconha e drogas em geral. Estima-se que problemas relacionados com drogas, não necessariamente o tráfico, respondam por 21% da população carcerária do país.
A reforma do sistema penitenciário, portanto, é um tema em aberto, mas infelizmente ainda tíbio na agenda do poder público.
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