ZERO HORA 20/08/2014 | 06h03
Presos escapam do albergue prisional de Caxias do Sul em pleno dia. Para polícia, apenados cometem crimes na rua e retornam a tempo de garantir álibi
por Adriano Duarte*
Flagrante mostra preso pulando o muroFoto: Montagem sobre fotos de Jonas Ramos / Agência RBS
Beneficiados pela frágil fiscalização, detentos do Instituto Penal de Caxias do Sul agora escapam em pleno dia para cometer crimes e voltar a tempo de garantir álibi.
Em duas ocasiões, foram flagrados apenados do regime semiaberto saltando o muro do albergue para buscar objetos na rua sem se importar com câmeras de segurança ou policiais militares que vigiam a Penitenciária Industrial, ao lado.
Outrora restritas à madrugada, as fugas têm sido rotineiras nas tardes e manhãs pela facilidade e descontrole. Como o acesso ao pátio nos fundos é liberado, os apenados escalam um muro, passam por um buraco na cerca externa e chegam a um terreno baldio. Dali, seguem para a Rua Conselheiro Dantas ou para um beco. De tão pisoteado, o caminho lembra um carreiro no campo.
Diferentemente da madrugada, as saídas diurnas são alternadas entre os detentos para evitar exposição. Um pano é colocado sobre o muro para indicar quando alguém está na rua. As tarefas externas incluem buscar drogas, armas ou telefones celulares.
— Quem comanda aqui dentro são eles (os presos). Se não querem ver um colega punido ou querem esconder uma fuga, impedem a entrada nas celas — conta um funcionário da Susepe.
Na sexta-feira passada, por exemplo, um dos presos escondeu o rosto sob um capuz para circular pelo terreno. Como não encontrou o que queria, voltou para receber instruções de colegas de cela junto à cerca. Em seguida, retirou uma sacola de plástico de um contêiner de lixo na rua, e trouxe o material para dentro do albergue.
É impossível controlar a rotina dentro do prédio. Durante o dia, permanecem recolhidos apenas os homens sem trabalho externo e sem autorização para circular na rua. À noite, voltam os que estão trabalhando, mas cuja saída noturna é proibida. Há situações em que pessoas de fora entram no terreno baldio, atravessam a cerca e entregam objetos para os detentos.
A Susepe não consegue fechar um buraco aberto entre duas celas que abrigam aproximadamente 100 homens. A parede já foi reerguida diversas vezes, mas a passagem é reaberta pelos presos para facilitar as fugas. O baixo quadro de funcionários contribui para a impunidade: são apenas dois agentes para vigiar mais de 180 homens.
Além das câmeras, o monitoramento inclui contagem nas celas no início da manhã e à noite. Nesse intervalo, os apenados aproveitam para escapulir.A interpretação da lei também estimula a farra. O entendimento é de que o semiaberto deve incentivar a ressocialização. Quanto menos obstáculos, melhor. Só que, para muitos presos, o instituto serve somente para contrapor investigações da polícia.
Foto: Jonas Ramos, Agência RBS
Se as fugas não são registradas pela Susepe, eles podem provar que estavam na cadeia. Sem um flagrante, é difícil enquadrá-los por crimes como homicídio, extorsões e assaltos.
Saídas noturnas continuam
Como o acesso ao pátio do albergue é fechado à noite, os detentos serram as grades de uma janela para sair e retornar. O foco da câmera de monitoramento instalada próximo às aberturas é deslocado pelos presos para evitar a visualização por parte dos agentes.
A estimativa é de que 8 a 10 homens em média deixam o albergue no início da madrugada e retornam pouco antes das 8h, quando é realizada a conferência.Delegado penitenciário responsável pelo Instituto Penal de Caxias do Sul, Roniewerton Pacheco Fernandes reconhece o problema:
— Sabemos que eles estão sempre ali serrando as grades à noite. Também temos conhecimento de outras situações que estão sendo monitoradas pelo nosso setor de inteligência para tomar providência específica. Só que não podemos erguer um muro no entorno do albergue ou colocar guardas porque não há previsão na lei para esse tipo de regime. Se eles cometem crimes na rua não temos como impedir.
Polícia tem dificuldade para submetê-los a reconhecimento
Enquanto presos entram e saem do albergue quando lhes convêm, a polícia tem dificuldade para submetê-los a reconhecimento.
— Eles estão presos, precisamos pedir autorização, pedido de custódia. Tem o agravante de a Susepe não ter como trazê-los para reconhecimento — diz o delegado titular da Defrec, Mário Mombach.
A delegacia investiga detentos do semiaberto há meses. Em maio, uma operação em parceria com a Susepe resultou na apreensão de materiais e identificação de suspeitos.Um caso recente de crimes envolve Vagner Vaz Ferreira e Eleomar dos Reis Pereira, segundo o Comando Regional de Polícia Ostensiva (CRPO/Serra).
A dupla foi presa depois de tentativa de assalto a pouco metros do albergue, às 19h40min de 9 de agosto. Naquele horário, eles deveriam cumprir pena no instituto. A Susepe só registrou a fuga depois de avisos da BM.Às 23h de 28 de junho, Jober Felipe Castanha foi detido por agredir uma mulher na rua.
Ele também deveria estar dentro da cela C do albergue, mas circulava livremente pela rua. O promotor de Justiça Rodrigo Vieira, que assumiu os processos da Vara de Execuções Criminais (VEC) no dia 15, pretende se reunir com a direção dos presídios de Caxias nos próximos dias para avaliar a situação.
*Colaborou Manuela Teixeira
Presos escapam do albergue prisional de Caxias do Sul em pleno dia. Para polícia, apenados cometem crimes na rua e retornam a tempo de garantir álibi
por Adriano Duarte*
Flagrante mostra preso pulando o muroFoto: Montagem sobre fotos de Jonas Ramos / Agência RBS
Beneficiados pela frágil fiscalização, detentos do Instituto Penal de Caxias do Sul agora escapam em pleno dia para cometer crimes e voltar a tempo de garantir álibi.
Em duas ocasiões, foram flagrados apenados do regime semiaberto saltando o muro do albergue para buscar objetos na rua sem se importar com câmeras de segurança ou policiais militares que vigiam a Penitenciária Industrial, ao lado.
Outrora restritas à madrugada, as fugas têm sido rotineiras nas tardes e manhãs pela facilidade e descontrole. Como o acesso ao pátio nos fundos é liberado, os apenados escalam um muro, passam por um buraco na cerca externa e chegam a um terreno baldio. Dali, seguem para a Rua Conselheiro Dantas ou para um beco. De tão pisoteado, o caminho lembra um carreiro no campo.
Diferentemente da madrugada, as saídas diurnas são alternadas entre os detentos para evitar exposição. Um pano é colocado sobre o muro para indicar quando alguém está na rua. As tarefas externas incluem buscar drogas, armas ou telefones celulares.
— Quem comanda aqui dentro são eles (os presos). Se não querem ver um colega punido ou querem esconder uma fuga, impedem a entrada nas celas — conta um funcionário da Susepe.
Na sexta-feira passada, por exemplo, um dos presos escondeu o rosto sob um capuz para circular pelo terreno. Como não encontrou o que queria, voltou para receber instruções de colegas de cela junto à cerca. Em seguida, retirou uma sacola de plástico de um contêiner de lixo na rua, e trouxe o material para dentro do albergue.
É impossível controlar a rotina dentro do prédio. Durante o dia, permanecem recolhidos apenas os homens sem trabalho externo e sem autorização para circular na rua. À noite, voltam os que estão trabalhando, mas cuja saída noturna é proibida. Há situações em que pessoas de fora entram no terreno baldio, atravessam a cerca e entregam objetos para os detentos.
A Susepe não consegue fechar um buraco aberto entre duas celas que abrigam aproximadamente 100 homens. A parede já foi reerguida diversas vezes, mas a passagem é reaberta pelos presos para facilitar as fugas. O baixo quadro de funcionários contribui para a impunidade: são apenas dois agentes para vigiar mais de 180 homens.
Além das câmeras, o monitoramento inclui contagem nas celas no início da manhã e à noite. Nesse intervalo, os apenados aproveitam para escapulir.A interpretação da lei também estimula a farra. O entendimento é de que o semiaberto deve incentivar a ressocialização. Quanto menos obstáculos, melhor. Só que, para muitos presos, o instituto serve somente para contrapor investigações da polícia.
Foto: Jonas Ramos, Agência RBS
Se as fugas não são registradas pela Susepe, eles podem provar que estavam na cadeia. Sem um flagrante, é difícil enquadrá-los por crimes como homicídio, extorsões e assaltos.
Saídas noturnas continuam
Como o acesso ao pátio do albergue é fechado à noite, os detentos serram as grades de uma janela para sair e retornar. O foco da câmera de monitoramento instalada próximo às aberturas é deslocado pelos presos para evitar a visualização por parte dos agentes.
A estimativa é de que 8 a 10 homens em média deixam o albergue no início da madrugada e retornam pouco antes das 8h, quando é realizada a conferência.Delegado penitenciário responsável pelo Instituto Penal de Caxias do Sul, Roniewerton Pacheco Fernandes reconhece o problema:
— Sabemos que eles estão sempre ali serrando as grades à noite. Também temos conhecimento de outras situações que estão sendo monitoradas pelo nosso setor de inteligência para tomar providência específica. Só que não podemos erguer um muro no entorno do albergue ou colocar guardas porque não há previsão na lei para esse tipo de regime. Se eles cometem crimes na rua não temos como impedir.
Polícia tem dificuldade para submetê-los a reconhecimento
Enquanto presos entram e saem do albergue quando lhes convêm, a polícia tem dificuldade para submetê-los a reconhecimento.
— Eles estão presos, precisamos pedir autorização, pedido de custódia. Tem o agravante de a Susepe não ter como trazê-los para reconhecimento — diz o delegado titular da Defrec, Mário Mombach.
A delegacia investiga detentos do semiaberto há meses. Em maio, uma operação em parceria com a Susepe resultou na apreensão de materiais e identificação de suspeitos.Um caso recente de crimes envolve Vagner Vaz Ferreira e Eleomar dos Reis Pereira, segundo o Comando Regional de Polícia Ostensiva (CRPO/Serra).
A dupla foi presa depois de tentativa de assalto a pouco metros do albergue, às 19h40min de 9 de agosto. Naquele horário, eles deveriam cumprir pena no instituto. A Susepe só registrou a fuga depois de avisos da BM.Às 23h de 28 de junho, Jober Felipe Castanha foi detido por agredir uma mulher na rua.
Ele também deveria estar dentro da cela C do albergue, mas circulava livremente pela rua. O promotor de Justiça Rodrigo Vieira, que assumiu os processos da Vara de Execuções Criminais (VEC) no dia 15, pretende se reunir com a direção dos presídios de Caxias nos próximos dias para avaliar a situação.
*Colaborou Manuela Teixeira
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