Supervisor de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça, Guilherme Calmon critica o uso de verba na área e defende intervenção federal em presídios críticos
ALESSANDRA DUARTE
O GLOBO
Atualizado:28/12/13 - 16h55
Desembargador Guilherme Calmon, supervisor de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça Divulgação / CNJ
Como o senhor avalia o anúncio de que o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) poderá ser usado para construir presídios?
Esse é um sinal de que o governo federal está se preocupando com o sistema penitenciário, mas é a adoção de uma medida paliativa. O RDC ajuda porque vai dar maior agilidade à contratação de construção de presídios, vai dar mais flexibilidade. Mas é uma medida que vai ter efeito a longo prazo. E esse efeito, quando vier, talvez já chegue defasado. O que temos percebido, no âmbito federal ou estadual, é resistência a ações que solucionem mais rapidamente pontos como condições de insalubridade das unidades, separação dos detentos e concessão de benefícios. Poderiam se planejar e realizar ações para melhorar serviços prestados dentro dos presídios. Mas os governos não têm controle do sistema prisional atual.
Um exemplo seria o Maranhão.
Sim. Lá, o CNJ enviou ofício ao estado, além do relatório entregue ao ministro Joaquim Barbosa (que preside o Supremo Tribunal Federal e o CNJ).
Seria o caso de uma intervenção lá?
O CNJ não tem poder de decretar intervenção num estado, quem tem esse poder é o Supremo. Tem de haver uma ação da Procuradoria Geral da República (PGR) pedindo essa intervenção, e isso segue para decisão do Supremo. A PGR pode basear essa ação nesse nosso ofício ao estado, por exemplo, se o que recomendarmos ao governo estadual não for atendido. Outra situação crítica é no Presídio Central de Porto Alegre, onde o caso foi denunciado à OEA (Organização dos Estados Americanos); ali, pela falência do poder público, o Brasil pode, sim, vir a ser condenado na OEA. E talvez seja uma forma de se chegar a uma solução; no caso da Lei Maria da Penha, por exemplo, essa lei só veio após condenação do tipo. No Espírito Santo, por volta de 2008, foi denunciado que havia presos em contêineres; só depois que se chegou a esse fundo do poço é que o sistema lá começou a melhorar.
Já houve alguma intervenção federal desse tipo no país?
Em relação ao sistema prisional, acredito que não. E, na minha avaliação, há três estados onde já deveria ter havido uma intervenção federal no sistema penitenciário há muito tempo: Maranhão, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte, também crítico, este ano teve rebeliões e fugas com mortos. E na pior rebelião no Maranhão este ano, o que houve? A capital parou, lojas fechando, com os boatos de arrastão. Há ordens de crimes vindas de dentro da cadeia. O problema prisional não é só do detento e de sua família, é da sociedade.
Como seria uma intervenção do tipo?
Quem passa a gerir o sistema estadual é o governo federal. Triagem de presos, revisão de benefícios, tudo passa para administração e responsabilidade federal.
Além de intervenção, quais outras medidas urgentes podem ser tomadas?
Mudanças no Fundo Penitenciário, por exemplo. Hoje, há um valor de aproximadamente R$ 1,2 bilhão reservado para melhorias e principalmente construção de unidades prisionais. Mas, desde que o Fundo foi criado (em 1994), nem um terço foi utilizado, liberado. É dinheiro subutilizado. Um dos motivos são as exigências rígidas do governo federal aos estados para liberar o recurso, como já possuir um terreno para a unidade e, principalmente, ter um projeto arquitetônico que, na minha opinião, cobra-se que tenha um padrão alto demais de hotelaria. Precisa haver revisão dessas exigências e da própria gestão do Fundo; hoje, o Ministério da Justiça é o único responsável pela liberação dessas verbas, quando poderia haver um conselho com representantes do ministério e outros órgãos para isso. O RDC não exclui a possibilidade de se usar o dinheiro do Fundo, esse dinheiro poderia passar a ser usado via RDC, que é uma forma mais ágil de contratar obra. Mas essas exigências para liberar recurso do Fundo e a gestão dele precisam ser revistas.
E o papel dos estados nesse quadro?
Falta gestão estadual no setor prisional. Há anos. Um nível de gestão minimamente adequado. Não são todos os estados que têm Secretaria de Administração Penitenciária, por exemplo; há geralmente uma superintendência numa pasta.
A não adoção de uma medida como bloqueio do sinal de aparelhos celulares em presídios seria uma amostra da falta de gestão? Esse bloqueio seria uma ação custosa ou complexa?
Não, não seria. É falta de gestão mesmo.
Esse bloqueio não seria feito por temor quanto à reação dos presos?
Posso dizer é que, se o diretor do presídio tivesse o controle sobre ele, não deveria existir esse temor. Mas o bloqueio do celular resolve uma parte, há a comunicação por meio das visitas. O que se precisa ter claro é a ausência de administração mínima de um sistema pelos estados. Aponto outra medida a ser adotada: descentralização das unidades prisionais. O planejamento das unidades precisa ter em conta a necessidade de unidades no interior, para presos ficarem perto das famílias. No Maranhão, 30% a 40% da população carcerária, que está em São Luís, são do interior. E há, claro, necessidade de mais ações de profissionalização dos presos.
No Mutirão Carcerário de 2013, constatou-se piora de algum estado?
O Rio Grande do Norte piorou em relação a 2011, quando fomos lá. Piorou em relação a superlotação, por exemplo. De forma geral, todos os estados visitados este ano pioraram.
A piora na superlotação tem a ver com o aumento dos presos por tráfico, após a nova lei antidrogas?
Sim, o aumento de detentos por tráfico com a nova lei, a partir de 2006, é uma constatação. Isso pelo maior encarceramento do “pequeno traficante” e de usuários. Mas essa lei não exclui penas alternativas, como prestação de serviços ou monitoramento por tornozeleiras eletrônicas, o que deveria ser adotado em muitos casos, muitas dessas pessoas não são perigosas. Então o que está faltando também, por parte dos juízes, é maior uso das punições alternativas no país.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Muito boa a entrevista. Entretanto, mais uma vez o judiciário tira o corpo fora e joga a culpa em outros fatores. Afina, quem supervisiona a execução penal? Os apenados ficam à disposição da justiça? Não é o judiciário que faz a supervisão da execução penal? Se a execução vai mal, se não são executadas as política penitenciárias previstas em lei, se são claras as negligência do Executivo e as evidências de violações de direitos humanos e dos presos no sistema carcerário, onde estão os supervisores, os defensores dos apenados e os encarregados de denunciar ilicitudes, abusos do poder e improbidades do Estado? Está na hora de parar a choradeira e o jogo de empurra, e os supervisores adotarem medidas mais rigorosas contra aqueles que agem contra a finalidade, objetivos e prioridades da execução penal.
Atualizado:28/12/13 - 16h55
Desembargador Guilherme Calmon, supervisor de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça Divulgação / CNJ
Como o senhor avalia o anúncio de que o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) poderá ser usado para construir presídios?
Esse é um sinal de que o governo federal está se preocupando com o sistema penitenciário, mas é a adoção de uma medida paliativa. O RDC ajuda porque vai dar maior agilidade à contratação de construção de presídios, vai dar mais flexibilidade. Mas é uma medida que vai ter efeito a longo prazo. E esse efeito, quando vier, talvez já chegue defasado. O que temos percebido, no âmbito federal ou estadual, é resistência a ações que solucionem mais rapidamente pontos como condições de insalubridade das unidades, separação dos detentos e concessão de benefícios. Poderiam se planejar e realizar ações para melhorar serviços prestados dentro dos presídios. Mas os governos não têm controle do sistema prisional atual.
Um exemplo seria o Maranhão.
Sim. Lá, o CNJ enviou ofício ao estado, além do relatório entregue ao ministro Joaquim Barbosa (que preside o Supremo Tribunal Federal e o CNJ).
Seria o caso de uma intervenção lá?
O CNJ não tem poder de decretar intervenção num estado, quem tem esse poder é o Supremo. Tem de haver uma ação da Procuradoria Geral da República (PGR) pedindo essa intervenção, e isso segue para decisão do Supremo. A PGR pode basear essa ação nesse nosso ofício ao estado, por exemplo, se o que recomendarmos ao governo estadual não for atendido. Outra situação crítica é no Presídio Central de Porto Alegre, onde o caso foi denunciado à OEA (Organização dos Estados Americanos); ali, pela falência do poder público, o Brasil pode, sim, vir a ser condenado na OEA. E talvez seja uma forma de se chegar a uma solução; no caso da Lei Maria da Penha, por exemplo, essa lei só veio após condenação do tipo. No Espírito Santo, por volta de 2008, foi denunciado que havia presos em contêineres; só depois que se chegou a esse fundo do poço é que o sistema lá começou a melhorar.
Já houve alguma intervenção federal desse tipo no país?
Em relação ao sistema prisional, acredito que não. E, na minha avaliação, há três estados onde já deveria ter havido uma intervenção federal no sistema penitenciário há muito tempo: Maranhão, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte, também crítico, este ano teve rebeliões e fugas com mortos. E na pior rebelião no Maranhão este ano, o que houve? A capital parou, lojas fechando, com os boatos de arrastão. Há ordens de crimes vindas de dentro da cadeia. O problema prisional não é só do detento e de sua família, é da sociedade.
Como seria uma intervenção do tipo?
Quem passa a gerir o sistema estadual é o governo federal. Triagem de presos, revisão de benefícios, tudo passa para administração e responsabilidade federal.
Além de intervenção, quais outras medidas urgentes podem ser tomadas?
Mudanças no Fundo Penitenciário, por exemplo. Hoje, há um valor de aproximadamente R$ 1,2 bilhão reservado para melhorias e principalmente construção de unidades prisionais. Mas, desde que o Fundo foi criado (em 1994), nem um terço foi utilizado, liberado. É dinheiro subutilizado. Um dos motivos são as exigências rígidas do governo federal aos estados para liberar o recurso, como já possuir um terreno para a unidade e, principalmente, ter um projeto arquitetônico que, na minha opinião, cobra-se que tenha um padrão alto demais de hotelaria. Precisa haver revisão dessas exigências e da própria gestão do Fundo; hoje, o Ministério da Justiça é o único responsável pela liberação dessas verbas, quando poderia haver um conselho com representantes do ministério e outros órgãos para isso. O RDC não exclui a possibilidade de se usar o dinheiro do Fundo, esse dinheiro poderia passar a ser usado via RDC, que é uma forma mais ágil de contratar obra. Mas essas exigências para liberar recurso do Fundo e a gestão dele precisam ser revistas.
E o papel dos estados nesse quadro?
Falta gestão estadual no setor prisional. Há anos. Um nível de gestão minimamente adequado. Não são todos os estados que têm Secretaria de Administração Penitenciária, por exemplo; há geralmente uma superintendência numa pasta.
A não adoção de uma medida como bloqueio do sinal de aparelhos celulares em presídios seria uma amostra da falta de gestão? Esse bloqueio seria uma ação custosa ou complexa?
Não, não seria. É falta de gestão mesmo.
Esse bloqueio não seria feito por temor quanto à reação dos presos?
Posso dizer é que, se o diretor do presídio tivesse o controle sobre ele, não deveria existir esse temor. Mas o bloqueio do celular resolve uma parte, há a comunicação por meio das visitas. O que se precisa ter claro é a ausência de administração mínima de um sistema pelos estados. Aponto outra medida a ser adotada: descentralização das unidades prisionais. O planejamento das unidades precisa ter em conta a necessidade de unidades no interior, para presos ficarem perto das famílias. No Maranhão, 30% a 40% da população carcerária, que está em São Luís, são do interior. E há, claro, necessidade de mais ações de profissionalização dos presos.
No Mutirão Carcerário de 2013, constatou-se piora de algum estado?
O Rio Grande do Norte piorou em relação a 2011, quando fomos lá. Piorou em relação a superlotação, por exemplo. De forma geral, todos os estados visitados este ano pioraram.
A piora na superlotação tem a ver com o aumento dos presos por tráfico, após a nova lei antidrogas?
Sim, o aumento de detentos por tráfico com a nova lei, a partir de 2006, é uma constatação. Isso pelo maior encarceramento do “pequeno traficante” e de usuários. Mas essa lei não exclui penas alternativas, como prestação de serviços ou monitoramento por tornozeleiras eletrônicas, o que deveria ser adotado em muitos casos, muitas dessas pessoas não são perigosas. Então o que está faltando também, por parte dos juízes, é maior uso das punições alternativas no país.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Muito boa a entrevista. Entretanto, mais uma vez o judiciário tira o corpo fora e joga a culpa em outros fatores. Afina, quem supervisiona a execução penal? Os apenados ficam à disposição da justiça? Não é o judiciário que faz a supervisão da execução penal? Se a execução vai mal, se não são executadas as política penitenciárias previstas em lei, se são claras as negligência do Executivo e as evidências de violações de direitos humanos e dos presos no sistema carcerário, onde estão os supervisores, os defensores dos apenados e os encarregados de denunciar ilicitudes, abusos do poder e improbidades do Estado? Está na hora de parar a choradeira e o jogo de empurra, e os supervisores adotarem medidas mais rigorosas contra aqueles que agem contra a finalidade, objetivos e prioridades da execução penal.
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