terça-feira, 30 de dezembro de 2014

FARRA DA COCAÍNA NO PRESÍDIO CENTRAL DE POA




ZERO HORA 29/12/2014 | 17h19

Descontrole em cadeia. VÍDEO: presos promovem farra da cocaína no Presídio Central
Em pavilhão do Presídio Central, apenados fazem fila para cheirar cocaína


por Renato Dorneles e Cristiane Bazilio



Foto: Reprodução

A reportagem do Diário Gaúcho teve acesso a um vídeo que mostra detentos do Presídio Central cheirando carreiras de cocaína na primeira galeria do Pavilhão B. A farra teria sido realizada entre a noite de quarta-feira e a madrugada de quinta da semana passada.


No vídeo, presos aparecem sorridentes, festejando a abundância da droga. Em um momento, é possível ver um detento, com um relógio no pulso esquerdo, usando uma carta de baralho para separar carreiras de cocaína sobre uma mesa branca. Os presos que estão na fila, cerca de duas dezenas, parecem ansiosos, mas com bom humor.



— Sorria — diz um deles, provavelmente o responsável pela filmagem.

— Esse é o mais lindo do Central — diz outro, referindo-se a um dos que aguardavam a vez para consumir a droga.

— Dá um sorriso pra câmera — grita outro.


O preso que estava sendo motivo de chacota responde com um gesto obsceno, mostrando o dedo médio.

De acordo com uma pessoa entrevistada pelo Diário Gaúcho, os presos, antes de se reunirem no fundo da galeria (correspondente a um dos andares do pavilhão) para consumir a droga, teriam realizado um churrasco para celebrar o Natal. A festa nas dependências do Presídio Central teria reunido, apenas, "os embolados" — como são chamados criminosos diretamente ligados ao líder da galeria.

— Os que não têm relação com o patrão ficaram com o nariz à seca. Foi um presente de Natal do patrão para os embolados — confidenciou uma pessoa que soube da festa.


Ainda de acordo com essa pessoa, teriam sido gastos, apenas com a cocaína, cerca de R$ 20 mil.

O Diário tentou falar com o secretário da Segurança Pública, Airton Michels, mas a assessoria de comunicação do órgão informou que ele não se manifestaria e recomendou que fosse procurada a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).

A assessoria do superintendente Gelson Treiesleben, porém, informou que ele também não se manifestaria e recomendou que o assunto fosse tratado pela direção do Presídio Central. A reportagem, por fim, ligou para o Central, mas, até as 16h55min, não havia obtido retorno.

Para o juiz da Vara de Execuções Criminais da Capital Sidinei Brzuska, o flagrante não seria novidade:

— Nos últimos quatro anos, sem contar 2014, que ainda não está com dados finalizados, a apreensão de drogas dentro do Presídio Central chegou a 60kg. Apenas 20% dessa quantidade é pega nas revistas, o resto é apreendido nas galerias. A apreensão de drogas com visitantes é caracterizada por pequenas quantidades. As grandes porções de drogas devem fazer o mesmo caminho que as armas, um caminho que não passa pela revista. É muito difícil fazer uma acusação sobre responsáveis por estas entradas, mas, no ano passado, por exemplo, tivemos a prisão em flagrante de um policial que entrou com 1kg de maconha e R$ 4 mil. É uma possibilidade (a entrada por policiais). Também tem as entradas pelos muros, por arremesso. Não é excluída essa forma, assim como as visitas, mas não para grandes quantidades.







Direção identifica preso que fez vídeo e pedirá transferência hoje


CARLOS ISMAEL MOREIRA

Mesmo em férias, o diretor do Presídio Central, major Dagoberto Albuquerque, afirmou ontem, por telefone, ter tido acesso ao vídeo e argumentou que os PMs apreendem quantidades expressivas de droga toda semana:

– Grande parte vem das visitas, que escondem o material dentro de suas cavidades corporais, o que dificulta, tendo em vista que o Judiciário proibiu a revista íntima.

Responsável pela atuação da Brigada Militar na segurança da cadeia, o diretor também disse que são frequentes os arremessos de droga por cima dos muros.

O major reconhece, porém, que a entrada de droga na cadeia também pode ter sido facilitada, em alguns casos, por corrupção policial:

– É um fato que não se pode negar, mas que tem sido fortemente combatido com medidas como impedir que, no intervalo entre a entrada e a saída do serviço, os PMs tenham acesso aos armários dos alojamentos, que são periodicamente revistados.

SCANNER PODERÁ COIBIR NOVOS CASOS

Segundo o diretor, a entrada de contrabando no Central deve ser amenizada com a instalação de um scanner corporal, semelhante ao usado na Penitenciária de Charqueadas. O equipamento já teria sido comprado, informou o diretor, e a previsão é de que esteja funcionando até o fim de janeiro.

Respondendo pela direção do Central na ausência de Albuquerque, o major Guatemi de Souza Echart disse que o preso que fez o vídeo já foi identificado e o celular, apreendido. Segundo o major, o detento admitiu ter gravado as imagens, mas alegou não tê-las difundido. A direção pedirá hoje à Justiça a transferência dele para outra penitenciária.

Guatemi ressalta que não há surpresa com a divulgação do vídeo, uma vez que a apreensão de droga é rotineira. Mas frisa que são feitas várias revistas gerais para coibir o consumo nas galerias.

– A nossa maior incidência de entrada de drogas é por visitantes – observa o major.

Procurada por ZH, a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do Estado afirmou que questões disciplinares no presídio são de competência da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e, por isso, não iria se manifestar. A assessoria da Susepe informou que o superintendente, Gelson Treiesleben, também não se pronunciaria a respeito do assunto.



ENTREVISTA
 

“Não é possível ter controle”
 

SIDINEI BRZUSKA, Juiz da VEC de Porto Alegre


Em entrevista ao Diário Gaúcho, o juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre Sidinei Brzuska, disse que o vídeo mostra uma rotina na penitenciária. E ressaltou que, só de 2010 a 2013, foram apreendidos 60 quilos de droga no presídio.

O vídeo o surpreendeu?

O que aparece ali não é novidade. É bem explícito e revela uma coisa que acontece não só naquela galeria, mas em outras. Temos relatos de familiares e de presos. A novidade do vídeo é que, pela primeira vez, alguém teve coragem de vazar imagens. Isto eu nunca tinha visto.

Já teve acesso a imagens com este tipo de fato antes?

Não. É a primeira vez.

Que penalidades estes presos podem sofrer?

Do ponto de vista da execução da pena, isto tem uma interferência quase insignificante. Identificados, serão punidos por consumo, provavelmente com uma suspensão de visita por 30 dias, rebaixamento da conduta carcerária, talvez um isolamento por 10 dias. Essa é a pena que o Estado aplica. Mas o preso que faz isso não está preocupado com essa consequência. A preocupação é com a facção que controla o lugar, que vai cobrar essa conta de quem fez e de quem vazou. E a pena é bem mais severa: a morte.

Que medidas poderiam ser tomadas para impedir o uso de drogas dentro da cadeia?

Teriam que passar pela desconstrução do Central. Com a estrutura física e de engenharia que tem hoje, não é possível ter nenhum controle sobre isso.

Qual o panorama da circulação de drogas no Central?

Só duas galerias são livres. Isso representa de 2% a 3% da população do Central. E essas galerias são assim não por vontade do Estado, mas dos presos.

E qual é a porta de entrada?

Apenas 20% dessa quantidade apreendida nos últimos quatro anos é pega nas revistas, o resto é apreendido nas galerias.

Há alguma maneira de retomar o controle do presídio?

Isso implica mudança cultural. O preso não pode ser provedor da galeria. Tudo o que tem na galeria não foi provido pelo Estado, a não ser um ou outro colchão, parede, luz e água. O preso se vira como pode, em cima da facção criminosa ou do familiar.




Como funciona

* No Presídio Central, os maiores pavilhões têm três galerias cada, correspondentes aos andares.

* As galerias têm, em média, cerca de 18 celas, que, por não terem portas, permitem a livre circulação dos presos pelos corredores.

* Os presos que pertencem a alguma facção são distribuídos pelas galerias conforme o grupo correspondente.

* Na primeira galeria do Pavilhão B, estão concentrados presos da facção Os Abertos".

* Os contatos com a administração do presídio (a cargo da Brigada Militar) são feitos pelos chamados prefeitos (representantes escolhidos pela massa carcerária), que, não obrigatoriamente, são os líderes das facções.






COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A figura acima retrata um histórico de descaso, medidas surreais, fuga de obrigações e jogo de empurra por parte dos instrumentos de justiça e do poder fiscal legislativo para evitar constranger e dar motivo para punir as negligências, as violações de direitos humanos, as improbidades, as omissões e os desrespeitos à Constituição e à LEP por parte do poder administrativo. Todo o resto é consequência.













Nenhum comentário: