terça-feira, 24 de junho de 2014

CNJ DETERMINA ESVAZIAMENTO DO PRESÍDIO CENTRAL DE POA EM SEIS MESES



Documento do conselho aponta risco de incêndio, condições precárias de higiene e estado paralelo imposto por facções criminosas

POR FLÁVIO ILHA
O GLOBO 23/06/2014 19:34

Ministério Público monitorou Presídio Central de Porto Alegre: Documento do CNJ aponta risco de incêndio, condições precárias de higiene e estado paralelo imposto por facções criminosas - Sidinei Brzuska / CNJ



PORTO ALEGRE – O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou nesta segunda-feira o relatório em que recomenda o esvaziamento do Presídio Central de Porto Alegre num prazo de seis meses a partir deste dia 23 de junho. O local, que abriga quase 5 mil detentos para um capacidade de 2 mil apenados, foi inspecionado pelo mutirão carcerário no período de 10 de fevereiro a 21 março. A recomendação não é compulsória.

O documento, aprovado pelo plenário do CNJ na última terça-feira, destacou risco de incêndio e condições precárias de higiene como determinantes para a desativação da casa prisional. “Não é admissível que no atual padrão de civilidade o Estado aceite a manutenção de seres humanos em condições desumanas, vivendo entre fezes e esgoto”, descreve o documento.

Além disso, o relatório citou a existência de um “estado paralelo” imposto pelas seis facções criminosas que controlam várias galerias da unidade. “Seus líderes ditam a disciplina, vendem produtos, selecionam detentos para atendimento médico e gozam de privilégios”, mencionou o relatório, coordenado pelo juiz catarinense João Marcos Buch.


A Brigada Militar, que administra o presídio, evita entrar nos pavilhões controlados pelos bandidos para não desafiar a autoridade das gangues. “Como forma de administrar sem maiores incidentes, a Brigada Militar acabou por admitir o estado paralelo sobre o qual não tem mais controle”, atesta o relatório. Em algumas galerias há “prefeitos” que desfrutam de regalias materiais, como eletrodomésticos.

Na época do mutirão, o Presídio Central mantinha 4.400 detentos em 2.069 vagas. A situação da penitenciária foi constatada pessoalmente pelo ministro Joaquim Barbosa, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), que visitou a unidade no dia 17 de março. Na época, Barbosa classificou a situação como “falta de civilidade” e disse que o preso “não sai recuperado daqui”.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA expediu medida cautelar, em dezembro de 2013, obrigando o Estado brasileiro a empregar ações para amenizar a caótica situação do presídio. A União recorreu e o recurso ainda não foi analisado.

Segundo as recomendações do CNJ, os detentos devem ser encaminhados para novas vagas no sistema prisional no Estado. Segundo a Superintendência dos Serviços Penitenciários do Rio Grande do Sul (Susepe), 2.115 vagas serão criadas até agosto com a conclusão das penitenciárias de Canoas (393), Venâncio Aires (300), Montenegro (500) e Guaíba (672) e de um módulo em Charqueadas (250).

Além disso, o governo promete para dezembro a entrega de um complexo penitenciário na região metropolitana com capacidade para 2.415 presos. A unidade está sendo construída na cidade de Canoas.

O secretário de Segurança do Estado, Airton Michels, garantiu que o Presídio Central será esvaziado, mas não assegurou que o complexo será desativado. Segundo o secretário, o governo deve decidir até o final do ano o que fará com a estrutura física do local.

— Acabar com a superlotação do Presídio Central é uma das nossas principais metas, independentemente do relatório do CNJ — disse.

O superintendente da Susepe, entretanto, defendeu a manutenção do complexo e sua transformação em uma cadeia pública para o ingresso de presos provisórios dentro do sistema penal – quando foi criado, em 1959, o Presídio Central tinha essa finalidade. Segundo Gelson dos Santos Treiesleben, a penitenciária poderia ter sua população carcerária a 800 detentos.

— Tirando o excedente do Presídio Central, já estaremos cumprindo o que determina a legislação — resumiu.

A recomendação de esvaziar o Central não tem poder coercitivo sobre o Estado mas, mesmo assim, o relatório do CNJ foi encaminhado ao Tribunal de Justiça do Estado do Estado, ao Ministério Público, à Procuradoria-Geral da República, à Defensoria Pública e ao Departamento Penitenciário Nacional (Depen) para “conhecimento e adoção de providências”.

O plenário do Conselho também decidiu notificar o governo do Estado, por meio da Secretaria de Segurança Pública, sobre o teor das recomendações, para “atendimento no prazo definido”.



MP flagra homicídios, tráfico e roubo de carros comandados de dentro de presídio no RS. Facção criminosa que atua em pelo menos 11 presídios do Rio Grande do Sul foi flagrada no Presídio Central de Porto Alegre

POR FLÁVIO ILHA
O GLOBO 22/04/2014 18:46


PORTO ALEGRE – A Promotoria Criminal Especializada do Ministério Público (MP) causou uma “baixa significativa” na principal facção criminosa do Rio Grande do Sul e que atua em pelo menos 11 presídios do estado. Oito integrantes da quadrilha dos “Manos” foram presos em flagrante nesta terça-feira e outros 17 por mandado de prisão preventiva – nove deles já eram detentos e comandavam homicídios, tráfico de drogas e roubo de carros de dentro do Presídio Central de Porto Alegre e da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Apenas uma das filiais da facção, segundo o promotor Ricardo Herbstrith, movimentava R$ 280 mil por mês.

A operação Praefectus – prefeito em latim, referência aos chefes de galerias do Presídio Central – apreendeu cerca de R$ 35 mil em dinheiro, 19 quilos de drogas (maconha, crack e cocaína) e cinco armas. Também foram presas cinco mulheres, das quais quatro são companheiras de prefeitos ou de auxiliares da 2ª e 3ª galerias do Pavilhão B do Presídio Central de Porto Alegre, dominada pela facção.

O dinheiro e as drogas eram usados para abastecer os vários núcleos da facção. Segundo Herbstrith, a investigação vinha sendo realizada há um ano e apurou também crimes de extorsão e lavagem de dinheiro por parte dos criminosos, que adquiriam imóveis e carros de luxo com os recursos obtidos do tráfico. Detentos que não eram da quadrilha precisavam pagar por proteção, além de serem obrigados a comprar nas cantinas mantidas pela facção dentro das galerias. A estimativa é de que só no Central os “Manos” tenham 400 integrantes.

- É um grupo muito sofisticado, que trabalha de forma harmônica para dominar o tráfico na região metropolitana de Porto Alegre, em várias cidades. Se não houver uma mudança do Estado na relação com esses presos, os crimes continuarão sendo comandados de dentro dos presídios – criticou o promotor.

Conforme o MP, a retirada das celas de dentro das galerias no Presídio Central determinou uma nova forma de administração. Os policiais militares cuidam apenas dos corredores, enquanto as facções criminosas gerenciam as galerias. O “plantão”, “prefeito”, “representante” ou “chefe” da galeria, que exerce a função de líder, é o responsável pelo controle dos conflitos entre os presos, pela imposição das regras aos comandados e ainda representa os apenados nas reivindicações dirigidas ao comando da segurança.

Os mandados foram cumpridos nas cidades de Porto Alegre, Alvorada, Canoas, Nova Santa Rita, Sapucaia do Sul, Capela de Santana, Campo Bom, Imbé, São Leopoldo e Esteio. Mais de 150 pessoas, entre agentes do MP e Policiais Militares participaram da operação. Foram apreendidas, ainda, cadernetas com a contabilidade do tráfico, balanças de precisão, computadores, um automóvel, documentos de veículos, chips e mais de 40 celulares – 31 deles em apenas um local.

Somente na casa de uma das “esposas do tráfico” foram apreendidos R$ 22 mil. Outras duas mulheres foram presas durante visita no Presídio Central. As companheiras dos traficantes tinham regalias, como acesso prioritário na casa prisional e liberação na revista das bolsas, que constava inclusive nas fichas do sistema ‘Consultas Integradas’ da Secretaria de Segurança Pública.

A operação também cumpriu mandados de busca em oito bares localizados em frente ao Presídio Central, que funcionam, segundo o MP, como “bancos do tráfico”. Nos dias de visitas, parentes de apenados depositam o pagamento da extorsão nos estabelecimentos comerciais, que repassam aos criminosos. Além de dinheiro, o achaque era feito por meio de cartões telefônicos. Presos que migravam para o semiaberto em dívida com a quadrilha também eram obrigados a praticar homicídios e participar do tráfico como forma de pagamento. Em escutas autorizadas pela Justiça, o MP também flagrou a ordem para a execução de desafetos da quadrilha.

Uma das formas de lavagem de dinheiro constatada foi a aquisição de veículos pelos apenados. Segundo as apurações do MP, os presos compravam carros acidentados e, depois, encomendavam o roubo de automóveis idênticos para a troca de peças. Com a investigação, foi possível recuperar três carros de luxo que haviam sido roubados com essa finalidade.

A Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado (Susepe) não se manifestou sobre a operação. A administração do Presídio Central, de acordo com o comandante interino Dagoberto Albuquerque da Costa, também informou que não vai se manifestar sobre o caso.

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