O tribunal do Apanhador: presos executam outro detento dentro da cadeia - Pioneiro.com, 08/10/2011.
Imagens de uma câmera de vigilância da Galeria A da Penitenciária Regional de Caxias dão provas do controle exercido por determinados grupos de apenados dentro da cadeia. A cúpula de detentos que lidera a Galeria "A" julga o preso Anderson Rodrigues e o sentencia à morte.
PENA DE MORTE. Tribunal do crime age na Serra. Câmeras de vigilância mostram execução de detento da Penitenciária Regional de Caxias, transformado em réu por apenados - GUILHERME A.Z. PULITA | CAXIAS DO SUL, ZERO HORA 10/10/2011
Imagens obtidas pelo jornal Pioneiro de uma câmera de vigilância da Galeria A da Penitenciária Regional de Caxias do Sul (Percs), mostrando a execução de um preso, dão provas do controle exercido por determinados grupos de apenados dentro da cadeia. Às vésperas de completar três anos, há muito a prisão deixou de ser modelo no Estado e referência no tratamento penal no país, qualidades propagandeadas à época de sua inauguração.
Opresídio do Apanhador virou um depósito de criminosos como outro qualquer: degradado, insalubre e violento. Quem dá as ordens e comanda o que acontece dentro das galerias é a massa carcerária. O Estado perdeu poder de tal forma que a Justiça é obrigada a consultar presos antes de transferir apenados de galeria. Contrariar uma decisão dos detentos pode resultar em morte. Foi assim em maio passado, quando detentos instauraram o tribunal do crime no Apanhador.
Em três anos, a Percs contabiliza outros dois assassinatos. Mas nenhum deles tão violento como o flagrante da Galeria A, na tarde de 12 de maio. A série de imagens começa com a cúpula de presos que domina a galeria em uma reunião, no segundo pavimento. Enquanto eles conversam, criminosos de celas do segundo andar descem para a área de convivência, onde outros presidiários acompanham a movimentação de longe.
Na reunião no segundo piso é decidido o destino de Anderson Rodrigues, 29 anos, e de Marcos Vinícius Pacheco Pereira, 27 anos. Os chefes da galeria atuam como juízes, promotores e advogados. Em rápido julgamento, decidem matar Rodrigues, condenado em julgamentos legais a 37 anos e cinco meses de prisão por roubos e estupros. Decisão tomada, a cúpula desce por uma escada até a área de convivência e convoca uma reunião com todos os recolhidos no espaço.
A reunião dura cerca de três minutos, tempo suficiente para que todos os detentos tomem conhecimento da sentença do tribunal do crime. Entretanto, antes de iniciar a execução, a massa carcerária parte para cima de Pereira. Um grupo chuta e esmurra o rapaz, condenado por tráfico de drogas. As agressões são rápidas.
Criminosos se armam com espadas artesanais
Em seguida, as atenções dos presos se voltam para Rodrigues. Cinco segundos após o começo das agressões, o rapaz tomba pela primeira vez. É golpeado nas costas, com estocadas. Mesmo ferido, ele levanta e corre em direção à entrada da galeria. A tentativa de fuga dura apenas dois segundos. Uma voadora no rosto derruba-o outra vez. Nesse instante, câmeras flagram o momento mais impressionante: criminosos se armam com espadas artesanais e golpeiam inúmeras vezes o colega de cadeia.
Rodrigues insiste na fuga, mas cai outra vez, fora do campo de visão da câmera. Ali, recebe os golpes finais. Instantes depois, agentes retiram o corpo da galeria. Pereira, que havia sido espancado, aproveita a oportunidade para deixar a galeria e é encaminhado ao atendimento médico.
“Cabeça de lata” assume morte no lugar de outro
Depois da retirada do corpo da galeria A, os chefes do espaço convocam uma nova reunião, que se prolonga por quatro minutos. Ao final desse tempo, está decidido quem será o “cabeça de lata” da galeria. A gíria é usada para definir um preso que assume crimes no lugar de outros.
Jonatas Rodrigues Alves, 25 anos, foi escolhido para assumir o assassinato de Anderson Rodrigues. Ele confessa o crime, mas depois volta atrás em seu depoimento. Procurado pelo jornal Pioneiro, Alves disse que não falaria nada sem a orientação de seu advogado. Marcos Vinícius Pacheco Pereira também se calou. De acordo com o delegado regional da Polícia Civil, Paulo Roberto Rosa da Silva, a lei do silêncio está emperrando a investigação:
– Nossa maior dificuldade é identificar os presos que participaram das agressões. Mas estamos empenhados em elucidar esse crime.
Segundo o diretor da penitenciária, Roniewerton Pacheco Fernandes, um Processo Administrativo Disciplinar foi instaurado, mas não há definição.
Criada para ser modelo, prisão teve escândalos
A Penitenciária Regional de Caxias do Sul, inaugurada em 2008 para ser a casa prisional modelo do Estado, esteve longe de ser exemplo depois de aberta. A unidade foi criada no governo de Yeda Crusius (PSDB) e, na época, ressaltava-se que os R$ 15 milhões investidos haviam produzido um presídio de alta segurança e de tecnologia avançada.
De lá para cá, um somatório de escândalos mostrou a fragilidade da cadeia. Em abril de 2010, gravações do sistema de vigilância captaram o momento em que dois presos eram agredidos por agentes. O episódio resultou na queda do delegado penitenciário da Serra, Carlos Moreira dos Passos, e da direção interina da penitenciária e no afastamento de sete agentes. Dias antes, 15 agentes haviam sido afastados pela suposta tortura de um detento.
Chamada para apaziguar a crise da cadeia, a Brigada Militar também foi flagrada espancando detentos. Imagens do circuito de vigilância mostram PMs chutando e pisoteado detentos. Há também agressões com cassetetes. Na ocasião, um sargento foi afastado pelo comando, que abriu um inquérito policial-militar para apurar o caso.
Em janeiro de 2011, um relatório divulgado pelo Ministério Público dava conta de que, entre 2008 e 2010, 35 agentes e três apenados formavam uma quadrilha responsável por torturar sistematicamente presos de duas penitenciárias de Caxias do Sul. Uma delas era a Percs e a outra Penitenciária Industrial de Caxias (Pics), também concebida para ser exemplar.
Sonáli da Cruz Zluhan,juíza titular da Vara de Execuções Criminais - "Hoje, é necessário consultar em cada galeria qual é o preso que pode entrar para cumprir pena porque eles tomaram conta. Não tenho como resguardar a integridade física de um preso no momento em que ele não é aceito na galeria. Eles estão soltos o dia inteiro e acabam acontecendo as mortes, como a que ocorreu. A perda do controle na penitenciária tem como causa a ausência de um projeto de ressocialização adequado para o modelo de tratamento penal proposto durante a construção da cadeia."
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - -O depoimento da juíza titular da Vara de Execuções Criminais prova a impotência da justiça brasileira quando ela precisa enfrentar e responsabilizar criminalmente a classe política e governante. Ao reconhecer que NÃO tem como "resguardar a integridade física de um preso", que "eles estão soltos o dia inteiro e acabam acontecendo as mortes", e que "a perda do controle na penitenciária tem como causa a ausência de um projeto de ressocialização adequado para o modelo de tratamento penal proposto", a justiça capitula e se rende à irresponsabilidade do Poder Executivo em aplicar o que determina a constituição estadual para a execução penal no Rio Grande do Sul.
É retrato de um judiciário fraco, inoperante e sem condições para processar e responsabilizar o político governante que não cumpre e nem aplica a política prisional prevista, e é proporciona que direitos humanos sejam violados.
Se o Judiciário e as funções essenciais à justiça funcionassem de forma coativa contra a classe política, o Legislativo não se omitiria na fiscalização dos atos do Executivo e o Chefe do Poder Executivo do RS sofreria processo penal e político. Ao deixar de cumprir o previsto no CAPÍTULO II, DA POLÍTICA PENITENCIÁRIA da Constituição do RS (ler no rodapé deste blog), o Chefe do Executivo comete ilegalidades que estimulam tribunais do crime, tortura, e violações de direitos humanos dentro dos presídios. Por ficar impune é que esta política não recebe os investimentos e o controle necessário para evitar tais crimes e violações.
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