sexta-feira, 18 de julho de 2014

VISTORIAR MAIS

ZERO HORA  18/07/2014 | 14h30


"Tem de vistoriar mais ainda". O caso dos funcionários da Susepe presos em Taquara deveria ser o primeiro de muitos

por Humberto Trezzi



A prisão de funcionários da Superintendência de Serviços Penitenciários envolvidos com presos em esquema de corrupção deveria ser – se não for – a primeira de uma série.

Claro que os agentes penitenciários são uma categoria de valor e devem ganhar muito bem, até por "puxarem cadeia" literalmente junto com os presos. Passam o dia juntos, cada um de um lado das grades. Isso não significa que misturas escusas devam ser toleradas. A operação desencadeada nesta sexta-feira pelo Ministério Público é um bom aviso, nesse sentido.

Que suborno e presídios se misturam, não restam dúvidas. Em 2010 os repórteres Carlos Etchichury e Juliana Bublitz comprovaram, em três dias de reportagens de Zero Hora, como agentes transportavam celulares e drogas para dentro das prisões, mediante propina. Alguns até "alugavam" seus telefones particulares para presos.

O resultado desse tipo de prática é que o crime organizado é, cada vez mais, comandado de trás das grades. A reportagem chamava a atenção para um dado: proporcionalmente, de todas as forças ligadas à segurança pública estadual, a Susepe era a que menos investigações tinha abertas a respeito dos seus próprios funcionários.

O presídio de Taquara, alvo da operação desencadeada hoje, já foi investigado em 2009. A razão era a mesma de agora: suspeita de que presos eram transferidos para lá, desde penitenciárias de alta segurança para que conseguissem fugir da prisão taquarense, que tem vigilância mais fraca. Agora o Ministério Público acredita ter comprovado isso.


A MATÉRIA

ZERO HORA 17/04/2010 | 21h03

Corrupção nas cadeias de RS: o colapso nas prisões gaúchas. Em meio a celas superlotadas e longe da fiscalização da sociedade, alguns agentes penitenciários subornam, facilitam acesso a armas e a celulares e torturam presos.

por Carlos Etchichury e Juliana Bublitz


Dentro das cadeias gaúchas, protegidos pela cumplicidade de presos e de seus familiares, agentes penitenciários gaúchos são acusados de vender drogas e celulares, liberar apenados sem autorização judicial e extorquir e torturar presidiários.

Face oculta do caos instalado nas decrépitas e superlotadas penitenciárias do Rio Grande do Sul, a realidade não se restringe às celas: ultrapassa muros e grades e repercute na vida de inocentes, fora das prisões, em todo o Estado.

Investigações desencadeadas por órgãos como Ministério Público, Polícia Civil e Polícia Federal demonstram que as ações ilícitas de alguns servidores da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) contribuem, direta e indiretamente, para a multiplicação de crimes como homicídios, furtos e roubos.

A maior parte dos casos, porém, sequer é investigada. Já que os delitos praticados pelos funcionários das cadeias gaúchas têm criminosos como vítimas ou comparsas, raramente chegam ao conhecimento das autoridades. Quando chegam, não são prioritários.

Caberia à Susepe coibir abusos e punir ilícitos no cárcere. Mas a estrutura da superintendência, ancorada nos anos 60, década de sua criação, conspira a favor da impunidade. Na Susepe, nada impede que o corregedor de hoje, responsável por reprimir desvios e depurar o órgão, seja o carcereiro de amanhã, abrindo e fechando celas no fundo de uma galeria, ombro a ombro com um colega por ele investigado.

O resultado é uma corregedoria permissiva, que pune condutas suspeitas transferindo funcionários – foi o que aconteceu com um agente indiciado pela Polícia Federal suspeito de participar de uma quadrilha de furto e roubo de veículos desarticulada no Estado. É um exemplo, mas há dezenas de situações semelhantes.

Medidas drásticas, como demissões, são incomuns. Em uma década, apenas 12 agentes foram expulsos num universo de 2,5 mil concursados. Para efeito de comparação, em igual período a Polícia Civil, com 5 mil integrantes, expurgou da corporação 165 maus policiais – um número sete vezes superior.

– A nossa legislação é diferente. Há uma sindicância e, posteriormente, o processo é enviado para a Procuradoria-geral do Estado (PGE), que decide sobre a demissão. Creio que foge da nossa atribuição eu afirmar o porquê de as demissões serem menores no sistema penitenciário. Em média, são instaurados entre 250 e 350 procedimentos por ano. Nos últimos cinco anos, 419 servidores sofreram algum tipo de punição – diz o corregedor-geral da Susepe, Homero Diógenes Negrello.

É nesse contexto que proliferam extorsões, achaques e espancamentos, como o ocorrido semana passada na Penitenciária Regional de Caxias do Sul. Flagrada pelas câmeras de vídeo da própria instituição, as imagens de agentes torturando presos abalaram a prisão que a Susepe considera modelo no Estado.

São tantas as denúncias que promotores da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital decidiram agir. Até 2008, eles informavam à Polícia Civil, à corregedoria e à colegas do MP que atuam nas áreas criminais sobre os indícios de crime. Com exceções, a apuração era pífia. Agora, eles mesmo investigam.

O resultado, ainda tímido, já é percebido. No ano passado, 10 agentes foram presos e pelo menos 30 denunciados. De hoje a terça-feira, Zero Hora revela, em uma série de reportagens, como o crime corrói o cárcere.

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