segunda-feira, 7 de julho de 2014

MOTIM DE 1994: SITUAÇÃO FORA DE CONTROLE E PÂNICO EM POA

CORREIO DO POVO 07/07/2014 08:19

Textos de Álvaro Grohmann e Karina Reif
Especial: 20 anos da fuga de apenados do Presídio Central



Melara se entregou e saiu cercado por PMs
Crédito: José Ernesto / CP Memória


Uma grade separava o juiz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, Marco Antonio Scapini, dos amotinados do Central, na noite de 7 de julho de 1994. Escolhido como negociador pelos presos, precisou voltar às pressas da Colônia Penal Agrícola de Charqueadas, assim que recebeu a notícia de que dezenas de pessoas eram feitas reféns em Porto Alegre. “Eles só queriam falar comigo ou com o Marcos Rolim”, destaca.

Para o desembargador aposentado, o que estava em jogo eram as vidas das vítimas e dos demais detentos. “Perguntei para o representante da BM na comissão de negociação qual seria a estimativa de mortos, caso aquilo se tornasse uma rebelião. Ele respondeu 200”, lembra. Além disso, por causa do motim, foi chamado reforço do Interior e as outras prisões do Estado estavam praticamente desprotegidas. “Nunca haviam feito uma rebelião simultânea, porque não tinham uma forma de comunicação imediata, mas naquele caso todas as rádios estavam noticiando. Os grandes presídios eram controlados por, no máximo, dois agentes penitenciários e haveria uma fuga em massa. A situação seria incontrolável”, conta.

Uma invasão do Central, portanto, acarretaria um banho de sangue, prometido por um dos apenados, o Fernandinho. “Os reféns estavam vestidos com as mesmas roupas dos presos e não seria possível distinguir”, diz. A decisão tomada em conjunto entre os representantes da Polícia Civil, BM e Judiciário foi atender às reivindicações. O grupo pedia automóveis para fugir e as autoridades formularam um plano. Deixariam o grupo escapar nos veículos. Depois montariam um cerco e esperariam a rendição. “Todas as forças policiais estavam conectadas em Porto Alegre. O plano era seguir os carros até uma zona desabitada, e a partir daí, seria uma questão de tempo, pois eles ficariam sem água e comida”, observa.

Mas os negociadores não contavam com uma falha, que custou a vida de um policial, de bandidos e ainda deixou várias pessoas feridas, além de causar pânico na Capital. “Houve uma precipitação de um delegado na saída do Central, que detonou uma imensa confusão”, ressalta. Quando o conflito se transferiu para o Plaza, o desembargador deixou de ser o negociador.

"Tinham que negociar, não dar tudo"

Responsável pela captura de Chardozinho nas buscas aos fugitivos, o delegado Alexandre Vieira, que integrou a comissão de negociação com os amotinados, isentou Melara de ser o mentor da rebelião no Presídio Central. “Melara não sabia”, contou. “Ele entrou depois”, assegurou o delegado.

A transferência de Melara da Pasc para o Central foi considerada pelo delegado como um dos maiores erros no episódio. Vieira confirmou que a Polícia Civil e a BM foram contra a incorporação de Melara junto aos amotinados. “Tinham que negociar. Concordaram com os amotinados e deram tudo”, opinou.

O delegado confirma que os apenados descumpriram sua parte ao levar os reféns e não restou outra opção senão os agentes seguirem os veículos. “Nossa função constitucional é prender e não soltar”, assinala.

Vieira avalia que o saldo final do episódio foi negativo pelo número de mortos e feridos, além da exposição da população ao risco. Ele concorda que ocorreu muita ingerência das autoridades nas negociações em vez de deixar o trabalho para os policiais. “As negociações foram mal conduzidas. Cada um deve atuar na sua área”, considera. “Houve muita emoção ao invés da razão”, resume.

As críticas foram rebatidas na época pelo então chefe de Polícia, delegado Newton Müller Rodrigues. “Nós fizemos o que deveríamos ter feito”, afirmou.

"Collares: ‘A ordem era negociar' "

A ordem era negociar. “Antes de qualquer ato de violência, era para haver o diálogo. No meu entendimento, preso, por maior bandido que seja, não perde a condição do ser humano”, analisa o ex-governador Alceu Collares, chefe do Executivo na época do motim. Ele participava do casamento da enteada no Palácio Piratini, enquanto ocorria o motim no Hospital Penitenciário do Presídio Central. “Recebia informações de 5 em 5 minutos”, diz. Outra preocupação era manter os reféns com vida. “É sempre muito difícil a negociação entre o preso e os responsáveis pela segurança”, comenta. “Um está querendo sair da prisão e o outro tem o dever de impedir”, avalia.

Collares assegura que não houve interferência política nas decisões sobre o plano de deixar os criminosos saírem, para depois capturá-los. Entretanto, lamenta a forma “amarga” como se desenrolou o caso, com criminosos e um policial mortos, após perseguição em vários pontos da cidade, confronto e invasão do Plaza São Rafael. Naquela noite, havia a informação de que a quadrilha pretendia seguir até a sede de governo. Porém, Collares afirma que a equipe de segurança não identificou uma possibilidade de o grupo ir até o casamento. Portanto, a festa seguiu.

O destino dos dez amotinados

• Dilonei Francisco Melara, o Melara, nascido em 24/12/58 em São José do Ouro, apareceu morto em janeiro de 2005, em Dois Irmãos, após fuga do regime semiaberto em novembro de 2004.

• Carlos Jefferson Souza dos Santos, o Bicudo, nascido em Canoas em 08/11/71, morreu em confronto com policiais militares dias depois da fuga do Presídio Central, após assalto a banco em Canoas.

• Vladimir Santana da Silva, o Sarará da Vovó, nascido em Porto Alegre em 29/11/1966, morreu em tiroteio com policiais civis na Lomba do Pinheiro, durante a fuga do Presídio Central, em julho de 1994.

• Pedro Ronaldo Inácio, o Bugigão, nascido em Porto Alegre em 9/2/1961, recebeu indulto em 2002, devido a problemas graves de saúde.

• Luiz Paulo Schardosin Pereira, o Chardozinho, nascido em Porto Alegre em 5/1/1965, morreu em uma queda acidental de um prédio em julho de 2010, em Florianópolis, Santa Catarina.

• José Carlos Pureza, o Pureza, nascido em Encruzilhada do Sul em 7/9/64, morreu em[TEXTO_BOX] tiroteio com policiais civis na Lomba do Pinheiro, durante a fuga do Presídio Central, em julho de 1994.

• Francisco dos Reis Cavalheiro, o Chico Cavalheiro, nascido em Santa Maria em 16/10/63, morreu esfaqueado em outubro de 2006 na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc).

• Fernando Rodolfo Dias, o Fernandinho, nascido em Caxias do Sul em 16/7/62, morreu vítima de doença, em janeiro de 2008.

• Celestino dos Santos Linn, o Linn, nascido em Uruguaiana em 16/4/61, morreu dias depois de ser baleado no Hotel Plaza São Rafael, em julho de 1994.

• Nairo Ferreira Soares, o Boró, nascido em Porto Alegre em 14/11/72, morreu em tiroteio com policiais civis na Lomba do Pinheiro durante a fuga do Presídio Central em julho de 1994.



Um comentário:

Lucas disse...

Apenas uma observação na data de nascimento de Fernandinho, pois o mesmo tinha 22 anos em 1994, ele então era de 1972.
Morreu por complicações do HIV.