FOLHA.COM 25/07/2014 02h00
José Carlos Dias
A terrível humilhação por que passam familiares de presos ao visitarem seus parentes encarcerados consiste na obrigação de ficarem nus, de agacharem diante de espelhos e mostrarem seus órgãos genitais para agentes públicos. A maioria que sofre esses procedimentos é de mães, esposas e filhas de presos. Até mesmo idosos, crianças e bebês são submetidas ao vexame.
É princípio do direito penal que a pena não ultrapasse a pessoa do condenado. E a segurança dos presídios pode ser alcançada por outros meios. Esse abuso cometido em São Paulo e em outros Estados fere direitos fundamentais e viola no cerne um dos fundamentos de nossa República, a dignidade da pessoa humana. Não obstante, é um procedimento contraproducente e opera na contramão do que o Estado deveria buscar.
O que o poder público não enxerga é que impedir ou colocar obstáculos à visita dos presos –uma das consequências das revistas vexatórias– prejudica o contato do preso com seus entes queridos, contato este fundamental para uma política carcerária séria que busque a ressocialização do encarcerado, rompendo o tênue fio que ainda mantém seus laços com a comunidade.
Assegurar e estimular a convivência familiar deve ser uma das prioridades de qualquer governo voltado a uma política penitenciária humana, o que não ocorre quando se exige das mulheres e crianças o desnudamento, o agachamento em espelhos, toques nos órgãos genitais, entre outras barbaridades.
A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou nos últimos dias um projeto de lei que proíbe a prática da revista vexatória em todo e qualquer lugar de privação de liberdade do Estado. O projeto de lei nº 797/2013 determina que a revista de visitantes deva ser realizada apenas por meio de equipamentos eletrônicos, tais como scanner corporal, detectores de metais, aparelhos de raio X ou outras formas de controle que preservem a integridade física, psicológica e moral do visitante revistado.
O reconhecimento por parte do Legislativo dessa grave violação de direitos humanos constitui um grande avanço. Contudo, para que realmente se concretize, a proposta precisa ser sancionada pelo governador Geraldo Alckmin. Nesse exato momento, portanto, o governador tem a oportunidade de alterar a realidade de milhares de mulheres e crianças que passam por essa violência semanalmente.
Nada justifica a manutenção dessa odiosa prática. O argentino Juan Mendez, relator da ONU contra a tortura, não tem dificuldades para conceituar a revista vexatória contra familiares de presos: fazer alguém tirar a roupa, agachar diversas vezes e abrir o ânus e a vagina para que sejam inspecionados por um agente público constitui "trato cruel, desumano e degradante".
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, já condenou o Estado argentino por ter submetido uma mulher e sua filha de 13 anos à revista vexatória. No Brasil, Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária já emitiu resolução sobre o tema.
É importante ponderar que o argumento da "segurança das unidades" como justificativa para essas revistas não se sustenta, na medida em que elas detectam itens proibidos em apenas 0,03% dos casos.
Sobre o muitas vezes alegado "alto custo" da revista mecânica, é bom lembrar que diversos Estados (e países) já proibiram a prática e, longe da falência financeira, compreenderam que o Estado, havendo alternativas existentes em matéria de direitos humanos, está obrigado a utilizar meios menos intrusivos e vexatórios. Com a palavra (e caneta na mão), o nosso governador, para que dê esse eloquente testemunho de respeito aos direitos humanos.
JOSÉ CARLOS DIAS, 75, é advogado criminalista e membro da Comissão Nacional da Verdade. Foi secretário da Justiça de São Paulo (governo Montoro) e ministro da Justiça (governo FHC)
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A forma mais correta é a usada nos EUA e em outros países que detêm controle total sobre os apenados. Além da tecnologia empregada para detectar metais e drogas, há a revista do preso numa sala de triagem onde troca a roupa e passa para a salão de visitação ou para a sala íntima. A revista completa é feita no preso. Infelizmente, no Brasil, que eu saiba, não existe um salão ou um espaço grande ao ar livre construído especialmente para visitação de familiares e as visitas são realizadas nos pátios da galerias e nas celas, inclusive preparados para encontros íntimos. Há presídios que ainda têm um quarto para visita íntima, mas são raros. O descaso estrutural e desumano facilita a entrada de drogas e de armas, ainda mais se a revista nos familiares for por amostragem ou superficial, o que coloca em risco a segurança dos apenados e dos agentes prisionais. Cada presídio deveria ter salão paras visitação e quartos para visitas íntimas, além de uma revista rigorosa no apenado antes e depois de receber a visita.
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