domingo, 6 de julho de 2014

NA COPA DE 94. 48 HORAS DE PÂNICO E MEDO EM PORTO ALEGRE

CORREIO DO POVO 06/07/2014 09:56

 Textos de Álvaro Grohmann e Karina Reif

Especial: 20 anos de motim no Presídio Central




Melara e Fernandinho forçaram taxista a entrar no Plaza São Rafael de carro
Crédito: José Ernesto / CP Memória


Um dos maiores motins penitenciários gaúchos completa 20 anos nesta segunda-feira. Na fria tarde de uma quinta-feira, dia 7 julho de 1994, ocorria uma rebelião com reféns, promovida por apenados ligados à então facção Falange Gaúcha, no antigo Hospital Penitenciário do Presídio Central de Porto Alegre, seguida depois de uma fuga cinematográfica pelas ruas da cidade. O episódio mobilizaria centenas de policiais militares e civis, além das autoridades, deixando ainda a população em pânico. O desfecho ocorreria após a invasão de dois fugitivos ao Hotel Plaza São Rafael, sendo pegos mais reféns.

O saldo final do episódio foi de cinco mortos, sendo quatro criminosos e um policial civil. Houve também 11 feridos, entre eles o diretor do hospital, quatro policiais civis, um monitor e dois agentes penitenciários, além de um garçom do hotel e um motorista de lotação.

Dias antes da eclosão do motim já havia algo no ar e alguns detentos simulavam enfermidades para serem levados ao Hospital Penitenciário, cujo diretor era Claudinei dos Santos, já falecido. Com o álibi de que tinha problemas pulmonares, Pedro Ronaldo Inácio, o Bugigão, pediu atendimento no setor especializado e imobilizou um funcionário. Ao mesmo tempo, o apenado Vladimir Santana da Silva, o Sarará da Vovó, rendeu o diretor no gabinete, usando um arma artesanal que levava escondida dentro de uma tipoia no braço, após solicitar audiência. Outros detentos, ente eles Francisco dos Reis Cavalheiro, o Chico Cavalheiro; Nairo Ferreira Soares, o Boró; e José Carlos Pureza, o Pureza; também se amotinaram. A liderança inicial ficou com o detento Fernando Rodolfo Dias, o Fernandinho. Todos estavam armados de revólveres e pistolas.

No total foram 27 pessoas mantidas reféns no Hospital Penitenciário, incluindo as estagiárias de Psicologia Simone Munareto e Luciana dos Santos. Houve então a exigência da presença das autoridades, como o presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, deputado estadual Marcos Rolim, e do juiz da Vara de Execuções Criminais, Marco Scapini.

O Presídio Central ficou cercado pela Brigada Militar e Polícia Civil. Enquanto isso, vindo de Brasília, o governador Alceu Collares determinava a criação de uma comissão de negociação, inclusive com participação do Executivo e do Judiciário, para falar com os rebelados. Esses exigiram que fossem trazidos de outro pavilhão da casa prisional os presos Luiz Paulo Schardozin Pereira, o Chardozinho, e Carlos Jeferson Souza dos Santos, o Bicudo, que assumira então a liderança do motim.

A transferência de Dilonei Melara e Celestino dos Santos Linn, recolhidos na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), para o Presídio Central, também foi exigida, sendo atendida na noite de sexta-feira, dia 8. Depois foram pedidos veículos para a fuga, ocorrendo a entrega de três carros, todos modelo Gol, em vez de Ômega como exigiram.

Entre as autoridades havia o temor de que acontecesse um banho de sangue, como o motim de 1987, e que o resultado fosse ser grave, com muitas mortes e alastramento da rebelião em caso de entrada do então Batalhão de Polícia de Choque (hoje 1º Batalhão de Operações Especiais). A fuga foi aceita pois as autoridades acreditavam que seria mais fácil capturá-los do que deixá-los amotinados. A saída de Melara, Bicudo, Fernandinho, Linn, Chico Cavalheiro, Chardozinho, Boró, Pureza, Bugigão e Sarará da Vovó, com nove reféns, todos enrolados em cobertores, ocorreu no final da noite do dia 8. O acordo era que não haveria perseguição aos três carros, mas não foi cumprido.

Invasão do Plaza e muita negociação

O início da fuga dos dez amotinados foi marcado por muita tensão na noite de sexta-feira, dia 8. Em um dos três carros embarcaram Melara, Fernandinho, Bicudo e Linn. No segundo automóvel ficaram Chardozinho, Chico Cavalheiro e Bugigão, enquanto no terceiro estavam Pureza, Boró e Sarará da Vovó. Cada veículo rumou para uma direção diferente, levando os reféns.

A promessa de que não haveria perseguição acabou sendo descumprida e policiais civis foram atrás dos fugitivos, dando início a uma caçada. Próximo do Shopping Center Iguatemi, Chardozinho, Chico Cavalheiro e Bugigão abandonaram o carro que havia colidido. Eles invadiram até uma festa no Country Club. Nas buscas, os policiais civis capturaram Chardozinho, enquanto os outros dois sumiram em um veículo roubado. Por sua vez, Pureza, Boró e Sarará da Vovó foram executados na Lomba do Pinheiro após confronto com agentes. Um dos reféns, o filho do diretor do Hospital Penitenciário, ficou ferido.

Já no Gol de Melara, Bicudo, Fernandinho e Linn estavam sendo levados juntos o diretor do Hospital Penitenciário, Claudinei dos Santos, e as estagiárias de Psicologia Simone Munareto e Luciana dos Santos. No bairro Petrópolis, o carro teve uma pane na rua Ivo Corsseiul. Bicudo saltou fora e desapareceu antes da chegada dos policiais civis. Em um dado momento, Claudinei foi baleado gravemente e ficaria paraplégico. Ele foi colocado para fora do carro. Um policial civil também acabou sendo baleado e morto no local.

Os fugitivos exigiram um novo carro para a fuga, sendo entregue uma Parati de uma emissora de televisão. Na avenida João Pessoa, trocaram de veículo e embarcaram no táxi Passat que invadiu o hall de entrada Hotel Plaza São Rafael, na avenida Alberto Bins, onde ocorria um congresso de psiquiatria, já no final da noite. Linn correu para o local do evento, onde fez alguns reféns e foi baleado e ferido por um policial civil. Hospitalizado, ele morreria dias depois.

Melara e Fernandinho ficaram encurralados em uma escadaria de acesso com as estagiárias de Psicologia e uma funcionária do hotel. Entre as exigências para a rendição, Melara e Fernandinho queriam retornar para a Pasc. E voltaram horas antes de o Brasil despachar a Holanda na Copa de 1994.

Negociação com dose de humor

Passadas duas décadas, o advogado e desembargador aposentado Décio Erpen ainda recorda o momento da rendição que obteve de Melara e Fernandinho, quando estavam entrincheirados no Hotel Plaza São Rafael. Ao lado do capitão Rodolfo Pacheco, da BM, o então corregedor-geral de Justiça estabeleceu um diálogo com os amotinados, visando obter a confiança deles, que mantinham reféns as duas estagiárias de Psicologia e uma funcionária do hotel. Melara perguntou se ele estava armado, recebendo como reposta que portava apenas uma caneta e um terço. “O Melara falou que a caneta mandava mais que a arma”, lembra.

Durante as negociações, Erpen também brincou ao pedir pressa na rendição pois pretendia ver o jogo entre Brasil e Holanda, nas quartas de final da Copa do Mundo de 1994. “Eu disse que queria ver o gol do Dunga”, acrescenta. Após a rendição, a saída do Hotel Plaza São Rafael foi tensa. Erpen faz questão de frisar que acompanhou os presos até as celas da Pasc, em Charqueadas.



"Poucos fomos ouvidos", diz coronel da BM


Principal negociador da Brigada Militar em 1994, o coronel da reserva Rodolfo Pacheco, na época, comandava a Companhia de Operações Especiais do Batalhão de Choque (atualmente 1º Batalhão de Operações Especiais), tendo assumido a função de negociador em 1993. “A notícia veio para o Batalhão de Choque de uma rebelião no Presídio Central na quinta-feira às 15h30min”, diz. “Desloquei junto com todo o efetivo, onde ficamos até as 21h de sexta-feira, quando as autoridades resolveram liberar para a fuga dez amotinados com nove reféns”, conta. Depois, o oficial foi com o Grupo de Ações Táticas Especiais da BM para o Hotel Plaza São Rafael, que havia sido invadido por Melara e Linn.

Entre as lições que ficaram do episódio, Pacheco destaca os erros cometidos pelas autoridades. “Houve cedência nos pedidos em troca de quase nada ou muito pouco, chegando ao extremo de entregar carros, permitindo a fuga”, afirma. Ele ressalva, porém, que a BM e a Polícia Civil tinham posição contrária a essa decisão. “Pouco fomos ouvidos na questão dos aconselhamentos técnicos. Praticamente as sugestões não foram aceitas desde o início das negociações no interior do Presídio Central”, assinala. “Tínhamos três veículos rodando em Porto Alegre, com marginais de histórico de violência lutando pela sobrevivência em razão de uma negociação dentro do Central, que foi mal conduzida, com decisões equivocadas, causando pânico em uma cidade”, avalia.

O coronel aponta ainda outras cedências que não deveriam ter ocorrido, como permitir que Bicudo, Chardozinho, Melara e Linn se juntassem aos amotinados. “Quem tem poder de decisão, não negocia”, analisa. No entanto, o oficial reconhece que, a partir da invasão de Fernandinho e Melara no Plaza, “tivemos liberdade para atuar tecnicamente”.

Pacheco acredita que a partir do episódio ocorreram modificações de conduta do Estado como um todo. De acordo com ele, as autoridades políticas passaram a admitir que ocorrências policiais são com a Polícia. “Foi o último e o mais violento motim do RS”, ressalta. Pacheco lança um livro sobre o assunto nesta segunda-feira no QG da BM.


Uma vida de assaltos e confontos

Natural de São José do Ouro, Dilonei Francisco Melara deixou a vida de agricultor para virar um dos criminosos mais ousados da história do Rio Grande do Sul. Na década de 1970, mudou-se para Caxias do Sul, onde começou a assaltar táxis e ônibus. Mas foi com uma quadrilha de ataques a bancos que ganhou fama, foi preso e participou de fugas cinematográficas. Comandou a facção Falange Gaúcha, a qual passou, mais tarde, a se chamar Os Manos. Condenado a 70 anos de prisão por latrocínios, roubo, motim, cárcere privado e invasão, Melara progrediu para o semiaberto por decisão judicial e fugiu, aparecendo morto com 15 tiros, aos 46 anos, em Dois Irmãos, em 2005.

A família faz questão de esquecer tudo o que aconteceu. “Gostaríamos que nem falassem mais nele. Tem milhões na situação em que ele estava. Se as pessoas fossem ver as cadeias. Ele foi uma pessoa que sempre falou que errou”, desabafa uma das irmãs.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA

SOBRE O CRIMINOSO - Dilonei Francisco Melara ficou conhecido por liderar o maior motim da história de Porto Alegre, no sul do Brasil. No episódio, acontecido em julho de 1994, ele e parceiros de prisão tomaram 27 reféns, escaparam do Presídio Central de Porto Alegre e invadiram, em um táxi, o saguão do hotel mais luxuoso da época, o Plaza São Rafael, no centro de Porto Alegre. O incidente causou a morte de cinco pessoas e um dos reféns ficou paraplégico. A partir de então, o assaltante de bancos fugiu várias vezes da prisão. Ex-agricultor nascido em São José do Ouro, Melara ingressou na carreira criminosa assaltando táxis e ônibus em Caxias do Sul, nos anos 70. Uma década depois, integrou a mais famosa quadrilha de ladrões de banco do estado. Melara foi assassinado em 2005. (wikipedia)


Redação Terra, 26 de janeiro de 2005 

Bandido mais procurado do RS é encontrado morto

O bandido mais procurado do Rio Grande do Sul, Dilonei Francisco Melara, foi encontrado morto na noite de ontem no interior do Rio Grande do Sul, com cinco tiros no rosto. A morte foi confirmada hoje à tarde pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) do Estado, após exame de impressões digitais.

O corpo foi encontrado na noite de ontem numa estrada de chão que liga os municípios gaúchos de Estância Velha e Ivoti. O exame foi fundamental para a identificação de Melara, pois o rosto ficou desfigurado.

Por volta das 22h30 de terça-feira, moradores da região ouviram tiros e saíram para verificar o que estava acontecendo. Então encontraram um corpo na Estrada do Leite, próximo ao número 3.100 e avisaram a Brigada Militar local.

O corpo foi levado para o Posto Médico de Novo Hamburgo e hoje pela manhã, transferido para o Departamento Médico Legal (DML) de Porto Alegre, onde foi feito o exame de impressões digitais para confirmar se o corpo encontrado era realmente de Melara.

Segundo a Assessoria de Imprensa da Secretaria de Segurança ainda serão feitas a necropsia e os exames laboratoriais, comuns em casos de homicídios.

O crime será investigado pela Delegacia de Homicídio do Estado. Ainda não há suspeitos.

A trajetória

Dilonei Francisco Melara foi responsável pelo maior e mais violento motim da história gaúcha, em julho de 1994, quando quatro presos e um policial morreram no Presídio Central. Durante a fuga ele invadiu um hotel no centro de Porto legre com um táxi. Melara esteve preso no regime fechado por 25 anos. Ele acumulava uma pena de 77 anos de prisão.

Em 30 de agosto de 2004, o então detento Melara foi transferido do Presídio de Alta Segurança de Charqueadas, no Rio Grande do Sul, em direção à Colônia Penal Agrícola (CPA) do mesmo município, distantes pouco mais de nove quilômetros entre si.

A última fuga de Dilonei Melara foi no dia 29 de novembro de 2004 do regime semi-aberto da Penitenciária Estadual de Jacuí (PEJ), onde estava somente havia uma semana. O detento trabalhava na cozinha e tinha total acesso ao pátio que não é cercado. A Brigada Militar e a Polícia Rodoviária montaram barreiras na Região Metropolitana de Porto Alegre para localizar o fugitivo.



http://prisional.blogspot.com.br/2013/01/morre-ex-diretor-baleado-em-motim-de.html



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