quinta-feira, 24 de julho de 2014

JUSTIÇA BARRA USO DE TORNOZELEIRAS



ZERO HORA 24 de julho de 2014 | N° 17869



JOSÉ LUÍS COSTA


SEGURANÇA. CONTROLE DE PRESOS


CERCA DE 120 DETENTOS do regime semiaberto que usam o controle eletrônico são mandados de volta para casas prisionais. Como não há vagas suficientes, traficantes, homicidas e assaltantes podem ser soltos



Oprojeto de monitoramento eletrônico de presos sofre um revés no Estado. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) tem determinado retirada de tornozeleiras de apenados do semiaberto por entender ser ilegal o uso do equipamento para cumprimento de pena. Desde a implantação do controle à distância, no ano passado, o Ministério Público (MP) tem recorrido, caso a caso, ao TJ-RS. E decisões, em volumes maciços, começaram a ser conhecidas nos últimos 30 dias.

Nesse período, o tribunal já mandou retornar para albergues e institutos penais cerca de 120 detentos do regime semiaberto. A medida pode resultar que traficantes, homicidas e assaltantes fiquem soltos nas ruas por falta de vagas nas casas.

As tornozeleiras surgiram como alternativa à prisão em junho de 2010, quando o governo federal alterou a Lei de Execuções Penais. Foi autorizado o uso do equipamento para controlar apenados do regime semiaberto em saídas temporárias dos albergues ou fiscalizar detentos do regime aberto em prisão domiciliar (condenados com mais de 70 anos, doentes graves, gestante e mulheres com filho menor ou deficiente físico ou mental).

Em maio de 2013, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) implantou o projeto das tornozeleiras em presos do semiaberto e do aberto que cumprem pena na Região Metropolitana. Contou com o aval da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital, em razão da crise de vagas nos albergues. Apenados ficariam em casa, podendo sair para trabalhar e percorrer uma área pré-determinada. O raciocínio foi o seguinte: sem tornozeleira, o apenado do semiaberto ficaria atrás das grades no Presídio Central ou à solta nas ruas sem qualquer vigilância. A medida, contudo, despertou contrariedade do Ministério Público.

– O regime semiaberto não foi extinto no Brasil. A tornozeleira não pode substituir o cumprimento de pena. Antes de o Estado adotar esse sistema, o MP já tinha se manifestado contrário – afirma a promotora Ana Lúcia Cioccari Azevedo, da Promotoria de Execução Criminal do MP gaúcho.

– Juridicamente, sempre dei razão ao MP. Mas existem decisões do tribunal, recomendações do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e da OEA (Organização dos Estados Americanos) dizendo que presos do semiaberto não podem ficar no Presídio Central – pondera o juiz Sidinei Brzuska, da VEC.

– Entendo a angústia dos juízes. Mas cada função tem a sua responsabilidade, e a do Executivo é a de gerar vagas – rebate a promotora Ana Lúcia.

Mesmo prometendo até em documento firmado pelo governo federal com a OEA, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) não construiu casas para o semiaberto, como previsto. Ao mesmo tempo, desistiu das antigas, levando a um déficit de 1,4 mil vagas (veja na página ao lado).

EQUIPAMENTO É PARA PRESO BEM COMPORTADO, DIZ JUÍZA

Há cerca de dois meses, a juíza Patrícia Fraga Martins assumiu, na VEC da Capital, o juizado que acompanha a execução das penas de detentos com tornozeleiras. Ela demonstra preocupação com o futuro do projeto que prevê monitorar 5 mil presos.

– Infelizmente, o Estado apostou só nas tornozeleiras. É preciso conjugar tornozeleira e construção de unidades para o semiaberto. O equipamento serve para preso de bom comportamento, que cumpre a pena sem desrespeitar as regras. Existem presos que não se adaptam, e o aparelho não vai impedir eles de cometer crime – avalia a magistrada.

Outro problema é que há 150 presos com direito de progressão ao regime semiaberto que seguem atrás das grades por falta de vagas nos albergues, ocupando os espaços destinados a apenados que serão transferidos do Presídio Central.


ENTREVISTA


AIRTON MICHELS -Secretário da Segurança Pública

 “Além de ser muito mais barato, temos um controle muito melhor”


O secretário da Segurança Pública, Airton Michels, apoia o projeto das tornozeleiras e afirma que o equipamento tende a ser aceito no país, porque é um alternativa mais barata e melhor para o semiaberto, regime que considera falido.

O Ministério Público entende que a lei não autoriza o uso de tornozeleira para cumprimento de pena no semiaberto, e o Tribunal de Justiça tem acolhido essa posição. Qual é a solução?

Em toda evolução de jurisprudência, alguém tem de saltar à frente para mostrar o que é melhor. Se por um lado a lei diz isso, por outro exige que o Estado tenha o controle sobre o apenado. Achamos que, além de ser muito mais barato, temos um controle muito melhor com a tornozeleira.

A secretaria vai recorrer?

Desconheço o caráter formal. Se todos reconhecem que o semiaberto não deu certo, está falido, temos obrigação, já que temos esse instrumento, de seguir em frente.

A Vara de Execuções autorizou a tornozeleira por falta de vagas nas casas prisionais.

Recebemos o pardieiro que era Viamão (Instituto Penal). Colocaram um albergue ao lado de um mato, absolutamente impróprio. Então, fechamos. O governo anterior construiu três albergues de lata, um se incendiou, e o vento derrubou dois. Temos de achar soluções. Uma foi a tornozeleira. Há obras em andamento para gerar 4 mil vagas até fim do ano.

E haverá novas vagas no semiaberto?

Estamos reformando o Miguel Dario e o Pio Buck. E vamos construir um semiaberto em Novo Hamburgo, longe da zona urbana.

Em março de 2013, o governo federal prometeu à OEA que, ao final do ano, teria 1.050 vagas no semiaberto. Quanto já foi feito?

Foram alugados imóveis em duas cidades, mas as populações se mobilizaram, e os prefeitos disseram que não dariam licenças. Como tem a alternativa das tornozeleiras, contemporizamos. O nosso compromisso com a OEA é o Central, e estamos cumprindo.

Mas foram quase 300 fugas de presos com tornozeleiras em junho.

São 288 casos, sendo que 53 não fugiram. Mas a reincidência de crimes é de 4%. E isso é positivo.

Apenados que estão no regime fechado por falta de vaga no semiaberto atrapalham o esvaziamento do Presídio Central?

Há Estados com 6 mil, 7 mil presos no fechado sem vaga no semiaberto. Não posso, em uma gestão, resolver o problema. O que deterioraram durante anos, é impossível resolver em quatro.



COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - As tornozeleiras são instrumentos importantes para controlar os apenados da justiça que recebem benefícios como trabalho externo, prisão domiciliar e licenças. O problema é que não existe um departamento junto ao juizado de execução penais com agentes da condicional, como existe nos EUA e em outros países mais desenvolvidos. No Brasil, estes equipamentos são utilizados de forma amadora, no improviso, sem controle externo e sob gestão partidária, ao invés de técnica-judicial.

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