sábado, 17 de julho de 2010

PRESÍDIOS DO RS ESTÃO SUFOCADOS

PRESÍDIOS SUFOCADOS. Multiplicação de presos. Ao mesmo tempo em que o número de detentos no Estado cresceu acima da média nacional, foram abertas menos vagas nas cadeias gaúchas - Carlos Etchichury, Humberto Trezzi e Marcelo Gonzatto, 18 de julho de 2010

O Rio Grande do Sul vive o dilema da multiplicação de presos, sem ter lugar para colocá-los. Um problema que avança numa dimensão muito maior que a enfrentada pela média dos Estados brasileiros. É o que demonstram os últimos relatórios do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, que fez um recenseamento do sistema carcerário nacional, no período compreendido entre 2004 e 2009.

O censo mostra que o número de presos no Estado cresceu acima da média nacional – um salto de 49%, contra 40% do resto do país. A diferença é até pequena, mas cresce em função de outro dado: enquanto o número de vagas em prisões no Brasil subiu 39% (quase a mesma proporção que a de apenados), em território gaúcho cresceu apenas 15%.

O resultado desse crescimento explosivo da massa carcerária no Rio Grande do Sul, em descompasso com o tímido avanço da rede penitenciária, é que o déficit carcerário praticamente triplicou no Estado. O aumento do déficit, proporcionalmente, é quatro vezes maior que o do Brasil. Diariamente, cinco novos detentos incham as já superlotadas cadeias gaúchas. Entre 2004 e 2009, os presídios ganharam 9.477 novos ocupantes, contra apenas 2.345 novas vagas criadas. Como resultado, o déficit apontado pelo órgão federal no Estado superava, em dezembro, a capacidade em mais de 10 mil.

A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) não nega a veracidade aos números, mas afirma que as vagas em presídios aumentou este ano, que não está incluído na relatório. O número atual de vagas é 19.361, o que significa mais de 1,3 mil aberta em 2010, ressalta o superintendente substituto da Susepe, Afonso Auler. A maioria, no semiaberto.

– Nossa previsão é inaugurar mais 1.172 vagas em presídios fechados, como Santa Maria e Montenegro, até o final do ano – diz Auler.

Número precário de agentes

A explicação para o elevado número de detentos pode ser o aumento nas prisões feitas pelas polícias no Rio Grande do Sul, sobretudo a Brigada Militar. Os PMs prendem hoje, por dia, 388 pessoas no Estado, contra 91 prisões diárias no ano de 2006.

– Nas pequenas cidades, é difícil ficar crime sem solução. O número de prisões nas grandes cidades também é enorme. O resultado dessa eficácia policial é a explosão da população carcerária – interpreta o juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre (VEC), que abrange toda a Região Metropolitana.

O número de funcionários para cuidar das cadeias também é precário no Rio Grande do Sul. Existem no Estado, em média, 12 presos para cada agente penitenciário. Isso coloca os gaúchos em nono lugar entre as piores médias do país.

As desvantagens do Estado no contexto nacional se encerram quando o assunto é trabalho prisional. O perfil desenhado pelos relatórios aponta que os gaúchos são os apenados que mais trabalham fora das prisões. São 17,2% trabalhando em empresas, capina de parques, máquinas da prefeituras, obras do governo do Estado, o que significa 4.930 presos no serviço. O percentual nacional de detentos trabalhando fora da cadeia é 3,38%.

A performance é elogiada pelo juiz Sidinei Brzuska, um dos fiscais dos presídios da Região Metropolitana.

– Esse é um dado ótimo, no qual podemos dar exemplo Brasil afora. Temos convênios permanentes com empresas e governos na Grande Porto Alegre. Isso só ajuda, porque está comprovado que preso que trabalha tem menos reincidência – elogia.

Em compensação, o Estado está em 16° lugar – bem abaixo da média do país – em número de presos que se dedicam a alguma atividade educacional. Enquanto apenas 6,45% dos detentos gaúchos estudam, a média nacional é 9%. Em alguns Estados a frequência em aulas é alta: no Distrito Federal, 21,87% dos apenados estuda.

– Temos 2.554 presos estudando, é pouco. Mas firmamos convênios com a Secretaria Estadual de Educação para colocação de salas de aulas nos novos albergues – ressalta Auler.

42% dos detentos respondem por tráfico

O tráfico de drogas é o delito que mais contribui para abarrotar as cadeias no Estado. Conforme os dados do Depen, 5,2 mil dos 12,2 mil crimes cometidos por quem se encontrava preso no final do ano passado – o equivalente a 42% – envolveram a distribuição de tóxico. No Brasil, os traficantes também são maioria nas cadeias, mas a proporção é bem menor, 20%.

A situação muda a partir das demais posições do ranking das cinco infrações mais frequentes nas cadeias. Os números estaduais e nacionais divergem. Os gaúchos estão presos, conforme o ranking, por receptação, porte ilegal de arma, roubo simples e homicídio simples. Já os demais brasileiros são pegos por diferentes formas de furto e roubo.

O superintendente substituto da Susepe, Afonso Auler, não estranha que o percentual de presos por tráfico seja o dobro do registrado no Brasil como um todo.

– Por ser um Estado de fronteira, rota internacional de tráfico, natural que muita gente esteja presa por vender entorpecentes. A receptação também não é surpresa, já que o Rio Grande do Sul é um dos Estados com maior incidência de roubo e furto de veículos, vendidos a receptadores – pondera.

Para o diretor do diretor do Departamento Estadual de Combate ao Narcotráfico (Denarc), João Bancolini, os números não surpreendem. Com mais de três décadas de atuação policial, Bancolini acredita a ação policial o fato de quatro a cada seis presos terem envolvimento com tráfico de drogas.

– O combate ao tráfico é uma prioridade no Estado. Só no ano passado, o Denarc prendeu 600 pessoas por envolvimento com tráfico de drogas. É bastante coisa. Parece que estamos na frente dos demais Estados no combate a este tipo de crime – avalia o delegado

Crítico da segurança pública no Estado, Marcos Rolim, consultor em Segurança Pública e Direitos Humanos, encontra mais problemas do que soluções ao analisar as prisões por tráfico de drogas no Rio Grande do Sul.

– Sem uma política de segurança, a polícia faz o que sabe: prender. Mas é a prática de enxugar gelo, porque só aumenta a criminalidade. Os presos podem até ser juridicamente traficantes, mas a maioria são jovens de periferia que prestam serviço para o tráfico de drogas – avalia Rolim.

A proporção de preso por habitante

A falta de vagas nas cadeias do Estado torna a situação nas penitenciárias gaúchas quase insustentável, mas a situação poderia ser pior se a polícia do Rio Grande do Sul prendesse tanto quanto outros nove Estados da federação.

Com uma taxa de encarceramento de 263 presos para grupo de 100 mil habitantes, o Estado ocupa a 10ª posição do ranking dos que mais prendem. Na prática, significa que as prisões gaúchas têm proporcionalmente menos presos que as do Distrito Federal (315 por 100 mil), Paraná (350 por 100 mil), São Paulo (396 por 100 mil), para citar três exemplo, e quase a metade dos presos do Acre (495 por 100 mil), Estado que tem a maior taxa do Brasil.

O que fazer. Especialistas sugerem medidas que ajudariam a reduzir a superlotação dos presídios (Humanos Marcos Rolim e promotor da VEC Gilmar Bortolotto):


- Construir e ampliar presídios e albergues num curto período de tempo. Hoje, faltam cerca de 11 mil vagas no sistema penitenciário do Rio Grande do Sul.

- Desenvolver políticas públicas de médio e longo prazo que visem a prevenção da violência. Um exemplo é a criação de uma política de segurança que, além de prender, ofereça oportunidades aos adolescentes moradores de periferia, que muitas vezes acabam seduzidos por traficantes de drogas.

- Investir em políticas de apoio ao egresso das cadeias para reduzir a reincidência. Hoje, não existe uma política institucional de amparo ao ex-presidiário. Não há um número oficial de reincidência, mas especialistas estimam que seja próximo a 70%.

- Terceirizar algumas atividades como assistência médica, limpeza de estabelecimentos, manutenção, assistência psicológica. O importante é deixar para o Estado o essencial, que é o controle da execução da pena.

Um marco sem comemoração

O sistema penitenciário gaúcho acostumou-se a superar marcos. O último deles, anunciado sem pompa, é a superação dos 30 mil encarcerados, ocorrida em maio passado. Fossem as prisões gaúchas espaços capazes de ressocializar criminosos, segregando-os com dignidade, o número seria auspicioso.

Prisões representam uma resposta do Estado no combate à criminalidade. É a resposta mais fácil, ressalte-se, mas ainda assim uma resposta. Mas as penitenciárias do Rio Grande do Sul – superlotadas e decrépitas – empilham presos em suas precárias dependências. Nos últimos 10 anos, as prisões gaúchas receberam 117,5% a mais de apenados, enquanto a população do Estado cresceu 7%. Em contrapartida, a cada duas pessoas levadas para o cárcere, uma vaga foi aberta.

O descompasso explosivo resultou um déficit de quase 11 mil vagas, praticamente impossível de vencer num curto período de tempo. A síntese mais bem acabada de décadas de descaso é o Presídio Central, em Porto Alegre, que recebeu a desabonadora definição de pior cadeia do Brasil. Lá, cerca de 5 mil pessoas acomodam-se em ambientes destinados a não mais que 2 mil homens. Pavilhões parcialmente destruídos assemelham-se a prédios bombardeados. Nas celas, até 38 detentos – muito presos provisoriamente e, portanto, ainda considerados inocentes pela Justiça – ocupam espaço concebido para oito pessoas.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Vou bar o meu pitaco como um estudioso da questão:

1. VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS (condições insalubres, insegurança, terror, abandono) - a violação contra direitos humanos praticada ou deixada praticar pelo Poder Executivo dentro dos presídios não está sendo coibida pelo Poder Judiciário e nem verificada pelo Poder Legislativo que é o fiscal dos atos do Executivo;

2. ABANDONO DOS PRESOS - Os presos são abandonados pelo Poder Judiciário devido a burocracia e morosidade dos processos, ausência dos defensores públicos e negligência dos magistrados, promotores e defensores.

3. DESPREZO À ORDEM PÚBLICA - Medidas superficiais e decisões pessoais de alguns juizes soltando presos e interditando presídios não produzem soluções adequadas, mas restimulam a impunidade e colocam a vida e o patrimônio do cidadão em risco.

4. DESMORALIZAÇÃO DAS FORÇAS POLICIAIS - Estas medidas e decisões desmotivam e enfraquecem os policiais, renovando os riscos de morte na recaptura.

5. ABANDONO DOS AGENTES PRISIONAIS - Os agentes prisionais gaúchos não tem identidade institucional, pois pertencem a uma organização sem comando e sem quadro de nível superior especializado para a direção e gestão do sistema prisional. São comandados por agentes políticos, a maioria dos que já chefiaram a SUSEPE não pertenceram aos quadros.

6. FRACIONAMENTO - O sistema prisional é gerenciado como se fosse um aparato estranho à ordem pública, pois não há preocupação com esta questão. O sistema visa apenas o depósito da pessoa apenada e a libertação rápida, como se esta fosse uma forma de punição reabilitadora. Não há um tratamento psiquico, físico e emocional do apenado, um tratamento digno para quem tem sua liberdade limitada. A autoridade não enxerga a execução penal com a finalidade de reabilitar a pessoa apenada para a sociedade, mas com exclusão.

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