domingo, 25 de julho de 2010

MONITORAMENTO - Câmeras nos parlatórios sofrem críticas diante de uso ilegal

Presídios federais têm câmeras nos parlatórios - Por Fernando Porfírio e Mariana Ghirello, Revista Consultor Jurídico, 21 de junho de 2010.

Com o objetivo de garantir maior segurança e efetividade no combate ao crime organizado, os presídios federais têm sistema de gravação de vídeo e áudio, inclusive dentro dos parlatórios, onde acontecem as conversas entre clientes e advogados. Essas conversas podem ser gravadas, desde que haja autorização judicial, de acordo com o Ministério da Justiça. As autorizações só podem ser concedidas quando o advogado é acusado de participação em crimes.

A explicação do Ministério da Justiça foi enviada, por meio de ofício, à Ordem dos Advogados do Brasil por conta de acusações de ilegalidades ocorridas no presídio federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. De acordo com informações levadas por Ophir Cavalcante ao ministro Luiz Paulo Barreto, conversas entre advogados e seus clientes no parlatório do presídio foram gravadas ilegalmente e divulgadas no YouTube.

A acusação está sendo investigada em processo administrativo no Ministério da Justiça, por meio de inquérito policial e a participação de procuradores está sendo verificada em processo aberto na Comissão Permanente do Sistema Penitenciário criada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (Processo 000.000.00745/2009-15).

Diante de relatos feitos por advogados de Mato Grosso do Sul, no dia 19 de maio, o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, oficiou ao ministro da Justiça Luiz Paulo Barreto um pedido de providências. O presidente relata gravações ilegais tanto no parlatório quanto na sala de visita íntima. Cavalcante reclama que as gravações desrespeitam o direito de o advogado conversar, pessoal e reservadamente, com seus constituintes, como garante o artigo 7º, III, da Lei 8.906/94.

No ofício à OAB, o Ministério da Justiça afirma que as penitenciárias federais abrigam criminosos de alta periculosidade, como líderes e integrantes de facções criminosas nacionais e internacionais, o que justifica medidas efetivas para preservar a segurança pública e ainda evitar que eles continuem gerenciando negócios criminosos.

Entretanto, o MJ ressaltou que as gravações são medidas excepcionais e realizadas somente com autorização judicial. Citando o exemplo de uma advogada que foi presa por trabalhar para uma facção criminosa na penitenciária de Catanduvas, o Ministério da Justiça lembra que essas gravações são um importante instrumento de combate ao crime organizado. Quanto à divulgação dos vídeos na internet, existe um processo administrativo e um inquérito policial em andamento.

Segredo de Justiça

De acordo com o juiz federal Odilon de Oliveira, que ocupou a corregedoria do presídio de Campo Grande de outubro de 2006 a março de 2009, a existência de equipamentos de gravação nestes locais é comum e fazem parte do projeto das instituições. “O acionamento deles, entretanto, depende de prévia autorização judicial em casos pontuais”, explica. Ele ressalta que essa “colheita de provas corre em absoluto segredo de justiça”.

O monitoramento das conversas entre cliente e advogado pode ser feito se houver indícios que justifiquem a medida, porém, não o conteúdo deve ser divulgado. “Em qualquer caso, isto só ocorre pontualmente e em situações em que existe indício de envolvimento de advogado com a pessoa investigada”, garante. Como exemplo de conversa gravada de uma situação de perigo que mereceu observação de autoridades, o juiz cita o plano de sequestro de um filho do presidente da República, para servir como moeda de troca por alguns presos, dentre eles os líderes de organizações criminosas como o traficante Fernandinho Beira-Mar e Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola.

Neste caso, “as investigações evitaram uma tragédia”, reforça. Como lembra o juiz, a operação policial foi desencadeada na primeira quinzena de agosto de 2008, sendo presas oito pessoas, entre elas um advogado que tratava do plano também através do parlatório.

“Gravação em áudio, de visita íntima, têm praticamente os mesmos condimentos de certos monitoramentos telefônicos, sendo permitida pela legislação, que é a mesma que disciplina o monitoramento telefônico. Nas conversas ou mensagens interceptadas, a polícia ouve diálogos criminosos e também conversas de qualquer natureza, inclusive colóquios amorosos. Estes logicamente são desprezados.”

Sobre a acusação da OAB-MS de que as visitas íntimas dos presos estariam sendo filmadas, o juiz federal descarta qualquer possibilidade. “Gravações em vídeos de visitas íntimas seria uma aberração”, critica. “Filmagem de visitas íntimas é uma invenção incompreensível da OAB, que deveria exibir o suposto filme às autoridades competentes e não ficar alardeando o que não existe”, finaliza Oliveira.

Inquérito e representação

O Conselho Nacional do Ministério Público afirma, por meio de sua Assessoria de Imprensa, que existe uma representação da OAB sob a relatoria do conselheiro Almiro Afonso. O caso já foi discutido no plenário, mas ainda não teve um desfecho. A Procuradoria da República no Mato Grosso do Sul, também através da Assessoria de Imprensa, confirma que existiram gravações no presídio de Campo Grande, porém, “feitas mediante autorização judicial que observaram os trâmites legais”.

A Procuradoria do Mato Grosso do Sul diz desconhecer qualquer esquema irregular de gravação no presídio federal, mas salienta que há um inquérito policial que apura notícia de que foram feitas gravações sem autorização judicial. Quanto à representação no CNMP sobre o assunto, o MPF ressalta que ele não é disciplinar, ou seja, não apura uma conduta irregular de nenhum procurador específico. “A conclusão do inquérito em andamento, que tramita em segredo de justiça, deverá elucidar as razões das infundadas citações.”

Segundo o MPF no estado, a representação no órgão de controle do Ministério Público, “supostamente diria respeito à deficiência na fiscalização dessa atividade policial, mas que aparentemente é mera discordância de que advogados sejam investigados com a utilização de gravação ambiental, mesmo que autorizada judicialmente”.

OAB pedirá na Justiça retirada de câmaras - Revista Consultor Jurídico, 22 de junho de 2010

O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, reúne-se com o diretor do Sistema Penitenciário Federal, Sandro Torres Avelar, e o assessor do Ministério da Justiça, Aldo Costa, para discutir a denúncia de instalação de gra - Renato Araujo/ABr

A Ordem dos Advogados do Brasil vai entrar na Justiça para forçar o governo a retirar os equipamentos de gravação nos parlatórios, locais em que ocorrem conversas entre advogados e presos, das quatro penitenciárias federais do país. A informação foi confirmada nesta terça-feira (22/6) pelo presidente da OAB, Ophir Cavalcante, de acordo com o portal UOL e a Agência Brasil.

A OAB também informou que vai ingressar no Conselho Nacional de Justiça com representação contra o juiz federal Odilon de Oliveira, de Mato Grosso do Sul, por abuso de autoridade e violação às prerrogativas dos advogados. Oliveira autorizou o monitoramento dos advogados dos traficantes Juan Abadia e Fernandinho Beira-Mar. Em 2008, investigação revelou que os traficantes planejavam sequestrar autoridades e parentes.

O presidente da Ordem repudiou a atitude do juiz, por considerá-la "ofensa frontal" às prerrogativas dos advogados. Já o juiz diz concordar que o monitoramento fere a privacidade dos advogados, mas afirma que toda investigação é invasiva.

Em reunião ocorrida nesta terça, a OAB insistiu que as câmeras são irregulares porque as gravações são feitas de forma contínua. O Ministério da Justiça, por sua vez, explicou que as câmeras só são acionadas com ordem judicial. Participaram da reunião o presidente OAB, Ophir Cavalcante, o diretor do Sistema Penitenciário Federal, Sandro Torres Avelar, e o assessor do Ministério da Justiça, Aldo Costa (na foto, da direita para a esquerda).

O diretor do Sistema Penitenciário Federal, Sandro Avelar, negou que haja monitoramento constante, e se recusou a retirar os equipamentos de áudio, como quer a OAB. Ele justifica a presença dos equipamentos como forma de coibir a articulação de crimes com a ajuda do que qualificou como "maus advogados”, que estariam ajudando o crime organizado.

“Existem várias razões para que estejamos preocupados em manter disponível o equipamento. Não estamos lidando com seminaristas, mas com criminosos perigosos. Não é impedir o advogado de ter sua prerrogativa”, disse.

Ophir Cavacante rebateu. “A OAB não está defendendo o criminoso, mas sim o direito de o advogado manter em sigilo sua defesa. A única hipótese em que se admite a quebra deste sigilo é quando já existe uma investigação em andamento contra o advogado.”

O presidente da OAB de São Paulo, Luiz Flávio Borges D'Urso, é outro que também entrará com representação no CNJ. “O episódio é gravíssimo e constitui crime (Art. 10 da Lei 9.296/96), que esperamos seja apurado rapidamente”, disse em nota.

Leia a nota da OAB-SP. - NOTA OFICIAL

"Diante da denúncia noticiada pela imprensa da existência de equipamentos de áudio e vídeo em parlatórios de presídios federais para monitorar e gravar conversas entre advogados e clientes, a OAB SP vem a público REPUDIAR VEEMENTEMENTE essa conduta criminosa face à interceptação de conversa protegida legalmente pelo sigilo profissional. A simples instalação desses equipamentos já predispõe uma violação da lei, a qual assegura a confidencialidade da conversa entre advogado e cliente. É a lei que garante ao advogado “comunicar-se com seu cliente, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando este se achar preso, detido ou recolhido em estabelecimento civil ou militar, ainda que considerado incomunicável”.

A comunicação entre advogado e cliente é inviolável, não se admitindo, sob qualquer hipótese, sua quebra. Uma interceptação dessa natureza não só afronta o direito ao sigilo que reveste essa conversa, mas suprime o próprio direito de defesa e viola os princípios constitucionais, da ampla defesa e do contraditório, subvertendo nosso sistema jurídico e destruindo as bases dos preceitos legais e do Estado Democrático de Direito.

A aberração desse procedimento é tamanha que poderia ser comparada à instalação de uma escuta telefônica num confessionário, dentro de uma igreja. Ofende até o bom senso de um leigo, quanto mais a consciência de uma nação democrática.

O episódio denunciado de escutas em presídios federais brasileiros é gravíssimo e constitui crime, que esperamos seja rapidamente apurado e punidos seus autores. Também é fundamental ressaltar que a interceptação de conversas entre advogado e cliente somente é comum em ditaduras e regimes totalitários, sendo incompatível com o regime democrático que vivemos no Brasil, pois coloca em risco a garantia dos direitos fundamentais e a própria Democracia."

São Paulo, 22 de junho de 2010

Luiz Flávio Borges D’Urso, Presidente a OAB-SP

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