DEPURAÇÃO NAS CADEIAS
Estado demite nove agentes. Carcereiros suspeitos de torturar detentos foram exonerados mesmo antes da conclusão do processo judicial no qual são réus
O número não é tão expressivo, mas a decisão é histórica no contexto do sistema prisional do Estado: nove agentes penitenciários foram demitidos do órgão. A exoneração, já publicada no Diário Oficial do Estado, é o desfecho, na esfera administrativa, do caso de tortura contra dois apenados da Penitenciária Regional de Caxias do Sul.
As agressões, flagradas pelas câmaras de vigilância da cadeia, foram divulgadas com excluvisidade por veículos da RBS e revelaram o clima de tensão dentro da cadeia construída para ser um modelo prisional no Estado. Os delitos aconteceram em abril de 2010.
Os agentes estão denunciados pelo Ministério Público pela prática de tortura e respondem, em liberdade, a processo na Justiça. A definição desse procedimento deve ocorrer apenas no próximo ano. A primeira agressão que a Polícia Civil e o Ministério Público entenderam ser tortura ocorreu no final da tarde de 8 de abril. Ao retornar de uma audiência, o apenado foi colocado de volta em sua galeria. Agentes solicitaram que ele vestisse outra vez o uniforme, obrigatório na cadeia naquela época. O preso não atendeu à ordem e foi retirado da galeria. Câmeras flagram o momento em que agentes não conseguem algemar o detento. O preso cai no chão e já dominado é espancado pelos servidores.
No dia seguinte, outro preso se nega a entrar em uma cela, com receio de ser castigado por agentes. O apenado tenta argumentar, mas um agente o empurra para dentro da sala e também é golpeado com cassetete. O conflito desencadeia um tumulto. Um dos agentes de serviço telefona para a corregedoria da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e denuncia os colegas.
Esse episódio deu início à queda do sistema implantado pelo governo do Estado para transformar o presídio do Apanhador em um modelo. Presos eram obrigados a usar uniforme, cortavam cabelo, não podiam fumar ou cozinhar dentro das celas e tinham apenas duas horas de sol por dia.
Um dado ajuda a dimensionar o significados das expulsões. Em 2010, a série de reportagens Corrupção nas cadeias, publicada em Zero Hora, revelava a dificuldade da Susepe em promover depuração. Apesar de denúncias formalizadas pelo Ministério Público e processos judiciais, apenas 12 servidores haviam sido excluídos dos quadros em uma década. No mesmo período, a Polícia Civil, com o dobro de efetivo, tinha expurgado 14 vezes mais maus policiais.
SUA SEGURANÇA | Humberto Trezzi
Tratados como animais
Como impedir que um preso vire bicho? Esse deve ser o imperativo a pesar sobre as mentes de cada administrador de presídio, cada agente penitenciário, cada cidadão. Aquele que é encurralado como animal, como fera reagirá ao ser libertado. Humaniza, se queres lidar com seres humanos.
Nada disso parece ter sido levado em conta pelos agentes penitenciários que agora foram expulsos do serviço público. Foram flagrados, inclusive filmados, agredindo brutalmente detentos.
Não se trata aqui de defender a desordem. Por vezes os agentes devem usar de energia, sobretudo em motins. Não foi esse o caso, em nenhum dos episódios que motivaram as expulsões. São agressões pautadas por episódios banais e, aparentemente, gratuitos.
Demitir nove servidores não deve virar recorde nacional – basta lembrar que, esta semana, foram presos no Rio mais de 60 PMs e o secretário da Segurança daquele Estado adiantou: vai expulsar todos. É um critério rigoroso, visto como excessivo por colegas dos investigados. Mas qual deve ser a reação da autoridade ao ver um preso ser espancado por vários servidores?
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