quinta-feira, 15 de março de 2012

RETRATO DO CÁRCERE: ARMAS, FOTOS E MORTES


Retrato do cárcere. Armas, fotos e mortes evidenciam descontrole nos presídios gaúchos. Às vésperas da divulgação de um plano de ação para melhorar segurança nas prisões gaúchas, imagens mostram descalabro - José Luís Costa, ZERO HORA, 15/03/2012 | 06h11


Na véspera de a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) apresentar à Justiça um plano de ação para tornar mais segura as casas prisionais, dois episódios voltam a sacudir as cadeias gaúchas. No Presídio Central de Porto Alegre, a divulgação de uma foto mostra um preso se exibindo com duas armas de fogo nas mãos.

Na Penitenciária Modulada de Charqueadas, um apenado foi assassinado. É a terceira morte no complexo prisional de Charqueadas em duas semanas, a segunda em quatro dias.

O plano de ação, cuja data limite é hoje, foi exigido pela Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre após a fuga do apenado Michel Bonotto da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Ele trocou de lugar com o irmão durante uma visita.

A fotografia que veio à tona ontem revela dupla fragilidade na vigilância do Presídio Central – o detento estava com um celular que registrou a imagem dentro de uma cela e, o mais grave ainda, teve acesso a duas armas, um revólver calibre 38 e uma pistola calibre 6.35.

A imagem foi gravada em um cartão de memória apreendido por PMs (o Central é administrado pela Brigada Militar) durante uma revista no pavilhão F em 16 de fevereiro. Cerca de 10 dias depois, o revólver e a pistola foram localizados no pavilhão B. Após as descobertas, a Justiça determinou a transferência do preso para a Pasc. O nome dele não foi divulgado — trata-se de um jovem da Vila Bom Jesus, em Porto Alegre, com prisão preventiva decretada pela suspeita de um duplo homicídio.

Armas servem como instrumento de opressão de alguns apenados sobre outros, para comando de galerias e intimidar facções rivais atrás das grades. Entre apenados do regime fechado é praxe a apreensão de armas artesanais – fabricadas pelos próprios presos.

Mas revólver e pistola industriais dentro das celas são raros. Foram 21 apreendidas no ano passado em cinco das principais cadeias gaúchas. Ainda assim, o juiz da VEC de Porto Alegre, Sidinei Brzuska, não se diz surpreso:

— A novidade é o preso tirar fotos — observa o responsável pela fiscalização dos presídios.

Para Brzuska, é quase impossível o acesso de presos a armas verdadeiras sem que tenha ocorrido alguma falha de vigilância, seja por omissão ou corrupção. Mas ele ressalta que, em três anos de atividade, jamais soube de algum caso que resultou em prisão em flagrante de servidores.

— Lembro de agentes penitenciários e de PMs presos em flagrante por levar drogas, celulares ou dinheiro para detentos das penitenciárias Estadual do Jacuí, Modulada de Charqueadas, Madre Pelletier e Albergue Pio Buck, mas nunca levando armas — assegura.

O juiz afirma existir a possibilidade de armas terem sido “pescadas”. Já aconteceu de revólveres e pistolas serem jogados para dentro do pátio das cadeias, e os presos, com pedaços de ímãs amarrados em fios de náilon, fisgarem as armas pela janela das celas.

O promotor Gilmar Bortolotto, da Promotoria de Fiscalização de Presídio, lamenta a situação e solicita mudanças profundas, com ampliações de vagas e investimentos.

— O sistema continua atuando de forma emergencial. As mudanças que realmente fariam a diferença não dependem da Susepe. Sem isso, as prisões continuarão fomentando a criminalidade — avalia Bortolotto.

Terceira morte em três meses em Charqueadas

A Penitenciária Modulada de Charqueadas registrou na quarta-feira a segunda morte de preso em duas semanas. É a terceira em pouco mais de três meses, todas no setor conhecido como brete. Curiosamente, a área onde são isolados os presos que sofrem algum tipo de ameaça nas galerias.

Vagner Alexandre de Jesus da Silva, 31 anos, condenado por furto e lesão corporal, foi encontrado enforcado por volta das 8h30min de ontem. No local estavam mais dois apenados. Interrogado pela delegada Luciane Bertoletti, da Delegacia da Polícia Civil de Charqueadas, Patrício Machado, o Graxa, 21 anos, confessou o assassinato.

No sábado, o corpo de Fabiano Rosa Pereira, 29 anos, foi encontrado no refeitório do Pavilhão A da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas com sinais de assassinato por asfixia.

Contrapontos

O que diz Gelson dos Santos Treiesleben, superintendente dos Serviços Penitenciários: “Os questionamentos sobre as medidas de segurança adotadas estão sendo encaminhados à Justiça, que os solicitou. Considero um absurdo armas nas mãos de presos. Trabalhamos intensamente para coibir o ingresso de objetos ilícitos nas prisões. Os números de apreensões de celulares mostram isso. Quanto às mortes, estamos analisando os casos e tomando providências”.

O que diz o coronel Manoel Vicente Ilha Bragança, chefe do Comando de Órgãos Especiais da Brigada Militar, responsável pela administração do Presídio Central de Porto Alegre: “Nos preocupa existir preso com armas no Central. Estamos investigando o que aconteceu. Todas as armas apreendidas são encaminhadas para a Polícia Civil, que também abre inquérito para apurar os fatos”.


Veja os números em cinco das maiores casas prisionais do Estado: Presídio Central de Porto Alegre, Penitenciária Estadual do Jacuí e três do complexo de Charqueadas:

CELULARES - 1.485 (2010) e 2.676 (2011)
ARMAS DE FOGO - 21 (2010) e 21 (2011)

*As apreensões ocorreram com visitantes, com presos e nas celas. Fonte: Susepe

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Infelizmente, a corrupção dos agentes é um dos mais difíceis de se evitar, mas existem formas de controle que poderiam ser adotados se os presídios fossem adaptados para isto e as leis que amparam o sistema prisional tivessem força, trabalho obrigatório e punição exemplar àqueles que não seguissem uma conduta disciplinar prisional. A negligência do Estado e o descontrole promovem a insegurança dentro dos presídios, a superpopulação, o abandono, o desmando, os crimes, o aliciamento, a submissão, a ociosidade, a permissividade e a insalubridade. É só olhar as fotos do presídio central e comparar com uma prisão americana onde o controle e a disciplina são rigorosas, a higiene é item essencial, o trabalho é obrigatório e as regras de conduta são formais. Há presídios com agentes e presos uniformizados, salas de controle, sistema de monitoramento, galerias que podem ser divididas em caso de tumulto, parlatórios, salas de triagem para presos, salas enormes de visitações, cerca para visitações externas, salas especiais, locais especiais e isoladas para visitas íntimas, limpeza diária, lavanderia, rede de oficinas internas e externas de trabalho, etc.


Para controlar os agentes prisionais, estes deveriam, na entrada e saída do estabelecimento onde trabalham, passarem por uma sala de triagem onde trocariam a roupa civil pelo fardamento da segurança do estabelecimento prisional, e vice-versa. Na passagem de sala teria revista eletrônica.

Para controlar os presos, estes passariam por uma salada de triagem onde trocariam o uniforme com revista pessoal e eletrônica, e só então seria permitida a passagem dele para as salões especiais de visitas ou salas da advocacia. Este procedimento possibilitaria uma revista muito mais eficiente. Hoje, os presos recebem visitas nos refeitório e nas celas, e não passam por revistas.

O procedimento anterior facilita o controle dos familiares que passariam apenas pelo controle visual e eletrônico, pois as visitações seriam apenas em salões especiais, as conversas com advogados em salas especiais e as visitas ou contatos isolados em parlatórios.

O grande problema é que os presos são abandonados dentro de galerias onde as revistas são superficiais e de inopino, e durante as visitações eles não são revistados, assim como não passam por revistas os agentes, a maioria dos familiares e os advogados, salvo exceções.

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